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segunda-feira, março 03, 2008

Holocausto em Angola

Pepetela: “E se a vida animal desaparecesse da terra?; que fariam os sobreviventes?”
em “O quase fim do mundo”

“Chamo-me Simba Ukolo, sou africano, e sobrevivi ao fim do mundo. Se o fim do mundo quer dizer o aniquilamento absoluto da humanidade, haverá algum exagero na afirmação, pois escapou alguém, eu, Simba Ukolo, na ocorrência. Isso foi a primeira impressão, sozinho na minha cidade natal. Terrível sensação de solidão e de perda, mas sobretudo uma tontura de incredibilidade. Dava mesmo para acreditar em coisa mais absurda? Viria a descobrir depois, não era de facto o único, havia sobreviventes, embora talvez não fossem todas, as pessoas mais desejáveis com quem partilhar os despojos dos biliões de humanos desaparecidos. Foi um quase fim do mundo, esteve mesmo muito perto de o ser em absoluto, o apagamento total da raça humana, humana, percebi mais tarde. Mas vamos com calma. Que esta ideia demora a entrar nas teimosas cabeças, como os avisados conselhos dos mais velhos aldeões aos jovens estouvados das cidades, ou o trabalho persistente da formiga salalé erguendo as suas verticais cidades de terra vermelha. O fim do mundo não é tema que se trate com ligeireza, apesar de ter entrado em todas as línguas desde aquele rimeiro dilúvio que tornou famoso Noé e a sua arca. Também saiu constantemente das bocas de todos os trapaceiros que por este desgraçado planeta andaram, vendendo religiões de salvação ou poções para o evitar. O fim do mundo é assunto para ser tratado com delicadeza, prudência, reverente temor mesmo, pois implicou o óbito, ou melhor, o desaparecimento, de quase todos os seres vivos. A palavra desaparecimento, espero sinceramente, está aqui colocada com toda a propriedade, foi pensada e repensada, sopesada até em balança hipersensivel, antes de ser escrita. Se trata mesmo de desaparecimento, sumiço, eclipse, pois na realidade não sobrou nada deles, nem ossos nem cinzas, nem pelos ou unhas, nada. Presumo que nem os espiritos se aproveitaram, tão rápido e global terá sido o apagamento colectivo. Mas voltemos ao relato de como me apercebi de estar sozinho na terra natal” (...) no JL, pag. 24

Depois de ler este intróito, quase nos convencíamos que o escritor Pepetela, aliás Artur Carlos Pestana ex-ministro do governo de Angola na data dos factos, iria finalmente explicar-nos qual o seu papel no golpe-de-estado de 27 de Maio (1977), que vitimou dezenas de milhar de angolanos; e finalmente aceitar o repto deixado pelo historiador Carlos Pacheco em Dezembro de 2005 na "carta aberta a Pepetela" publicada no jornal Público:
"A declaração que V. Publicou o mês passado a justificar o seu papel na tragédia do 27 de Maio de 1977 é um documento tão cheio de omissões em relação aos factos que refere que eu não posso deixar de tomar uma posição crítica.
Ao protestar a sua inocência em relação aos horrores e à exterminação generalizada de militantes do MPLA nesse período, V. Diz ter-se limitado a desempenhar funções dentro de uma Comissão nomeada pelo Bureau Politico, cuja tarefa era “(...)seleccionar entre os depoimentos dos detidos(...) os que seriam mais elucidativos para serem transmitidos pelos orgãos de informação”. E deixa subentendido que qualquer outra responsabilidade que se lhe queira assacar, de participação na repressão ou em algum tribunal, é uma acusação desprovida de verosimilhança, fruto simplesmente de uma grande confusão com outras pessoas e entidades que funcionaram também no Ministério da Defesa em Luanda (onde se centralizaram as questões respeitantes ao 27 de Maio); visto o seu trabalho jamais se ter confundido com o que se passava e decidia noutros espaços. E termina por desejar que as instâncias superiores do MPLA venham em sua defesa e o ilibem de qualquer suspeita" (ler mais)

Mas afinal, a prosa de Pepetela é apenas mais um romance. Um desejo velado de aplicar a mesma receita que vitimou Nito Alves, Sita Valles e os seus seguidores como uma mundivisão alargada a universos mais abrangentes.
É sabido que o Poder, qualquer Poder, no dia seguinte à tomada de posse, se converte ao conservadorismo. Para perseguir os objectivos consignados pelas aspirações das massas, traçam-se programas e estratégias que deixam de ouvir essas mesmas massas. Regra geral é assim que nascem as ditaduras, pelo saneamento à esquerda de todas as vozes que opinam que não deveria ser assim. O Poder, ainda que se intitule popular, e por isso, deveria ser constantemente desafiado e posto em causa para que não haja desvios. É neste ponto que se desenvolvem as diplomacias secretas, acontecem as purgas e se extirpam todas as ideias "prejudiciais" de esquerda. Para que a direita, a longo prazo e em formatos cada vez mais odiosos, tenha condições de retornar ao Poder.

«Por estranho que pareça, as atrocidades cometidas no Chile de Pinochet, se comparadas com o que se passou, de 1977 a 1979, no país de Agostinho de Neto, assumem modestas proporções. E o mais chocante é que, no caso de Angola, nem sequer atingiram inimigos, mas sim membros da própria família política.» (ler mais)

A propósito de outro livro recente, “Holocausto em Angola” (uma obra de uma insaciável pestilência salazarenta, no juízo de um leitor do Blasfémias) de Américo Cardoso Botelho, então um dos administradores da Diamang, um português preso na sequência dos acontecimentos, já José Eduardo Agualusa veio tentar branquear o assunto quando, sem citar nomes, cita o autor Cardoso Botelho afirmando: “ele não se limita a revelar os nomes dos principais responsáveis pelos crimes cometidos naqueles dias de horror – como fez, por vezes com incorreções gravíssimas, Dalila Cabrita (e Álvaro Mateus), acusando erradamente algumas pessoas de terem estado envolvidas nos interrogatórios a presos políticos
José Manuel Fernandes, que fez a apresentação do livro (o que é meio caminho andado para se perceber que o conteúdo não será muito esclarecedor) também agora se pronuncia: “o 27 de Maio0 de 1977 provocaria sempre uma tragédia, saísse quem saísse vencedor da luta que opôs o desconfiado e manhoso Agostinho Neto ao arrebatado e radical Nito Alves. Quem vencesse mataria com a mesma frieza, utilizando os mesmos esbirros, pois esses não servem senão quem manda e no momento em que manda. É assim que vemos irmãos mandar prender e executar irmãos, companheiros de luta ignorarem apelos de elementar clemência, homens de cultura servir como torturadores” (…) e conclui, trigo-limpo-farinha-amparo: “a utopia fatal do comunismo tinha essa lógica: justificava os maiores horrores em nome de um futuro radioso a que líderes iluminados nos conduziriam. Ela funcionou nas prisões de Luanda, como nas de Moscovo, Pequim, Saigão ou Praga; ou Havana. (…)” possivelmente até em Abu Graib, Guantanamo ou na afegã Pul-e-Charkhi e muitas outras, mas JMF é omisso nesta questão. Certo, também não explica a velha e a actual conivência de Cavaco Silva e Durão Barroso e do novo pau-mandado do PS com a ditadura em Angola. Mas o que tem esta lógica a ver com Pepetela, aliás o ex-ministro Artur Carlos Pestana, o inquisidor de presos, torturados e assassinados sumariamente sem culpa formada e sem um julgamento legal, e o facto do historiador Carlos Pacheco ter sido banido das páginas do "Público"?
e, para concluir, ninguém será julgado?

* mais informação em "Associação 27 de Maio"
* ver as "Treze Teses em Minha Defesa" de Nito Alves
actualização:
* Autora de "Purga em Angola" apresenta queixa-crime por difamação contra viúva de Agostinho Neto
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1 comentário:

Anónimo disse...

SOU ANGOLANO, COMECEI OS MEUS ESTUDOS DESDE 1991. HOJE CONTINUO A ESTUDAR MAS INFELIZMENTE NUNCA ME FOI ENSINADO A HISTORIA DE ANGOLA. O QUE EU PENSAVA SER HISTÓRIA DE ANGOLA INFELIZMENTE ERA SIMPLESMENTE UMA ADAPTAÇÃO DO MPLA SOBRE O QUE SE PENSA SER HISTÓRIA DE ANGOLA. ANTÓNIO AGOSTINHO NETO PARECIA PARA MIM UM HERÓI, MAS HOJE EU SEI. ELE FOI O MAIOR ASSACÍNO QUE ANGOLA JÁ TEVE, O QUAL MESMO MORTO CONTINUA MATAR.