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quarta-feira, maio 23, 2007

Como se explica que o excesso de dinheiro e de mercadorias produza um excesso de pobreza, fome e barbárie? Como entender que o tempo livre das obrigações do trabalho seja transformado em tempo de embrutecimento e alienação?
Em busca do lucro, o capital criou uma imensa eficácia produtiva do trabalho humano – e agora esta torna-se-lhe intolerável. A sobreposição generalizada de capital mergulha o sistema numa crise crónica. A qual abre, como anunciou Marx, “uma época de revolução social

A Crise Crónica, ou o Estado Senil do Capitalismo”,
Tom Thomas, Edit. Dinossauro

são sempre os mesmos, os “dasein” segundo a filosofia de Wittgenstein (os que se conformam apenas em existir, submetidos àqueles que determinam a existência) a pagar as consequências das mudanças provocadas pela agudização das condições de exploração capitalista
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“As “mulheres das fábricas”, muitas das quais vindas do Algarve e do Alentejo, filhas de famílias numerosas e começando a trabalhar aos 12 e 13 anos de idade, estavam sujeitas a ameaças de despedimentos, ao assédio sexual e arbitrariedades dos mestres que lhes distribuiam serviço e, em casa, à pancada dos maridos ou dos pais. Tinham um trabalho extenuante, realizado em condições pouco higiénicas, e passavam longas horas em pé, sem comer. O seu poder de compra reduziu-se depois de 1909 e agravou-se nos anos 1911-13, devido à recessão económica. (...) Foi o descaso dos republicanos em geral pela condição feminina nas camadas laboriosas e o desprezo dos seus sucessivos governos pelas cidadãs que proporcionou a Salazar, em 1928, um forte apoio das mulheres do povo. A “penúria agradável” da “casa portuguesa” em que o ditador as quis fazer viver, sendo já outra história, é no entanto a consequência desta”
Ana Barradas, in “Memória Operária”

Uma forte reestruturação está a ser levada a cabo nas estruturas sociais dos paises desenvolvidos. Esgotadas as condições de exploração da força de trabalho representada na forma clássica que opunha patrão-empregado, os investimentos capitalistas rumam a novas paragens, deslocalizam-se as produções, afastando-se assim para paises longinquos a oposição entre exploradores e explorados. Enquanto deste modo se desarmam os movimentos operários obrigando-os à inacção de uma paz social podre, as empresas nos paises ricos reformulam as suas linhas de “fabrico” para a montagem de componentes fabricados em todo o mundo baseada no outsourcing enquanto os operários nos paises desenvolvidos ficam remetidos às actividades no sector terciário engrossando as fileiras da pequena burguesia – por outro lado, os problemas intrinsecos aos operários que produzem nos sectores básicos em paises pobres ou emergentes ficam dependentes dos investimentos estrangeiros fazendo repercutir nos governos locais os ressentimentos pela sua escassez. Poder-se-ia pensar que estamos então perante “paises patrões” e “paises proletários”; mas não. Na verdade as ideias concretas de “país” e de “nacional” já foram abandonadas (mais precisamente desde o 11/9 e a ascenção neocon) pela “grande burguesia de negócios supranacionais” cujos representantes nos governos se limitam a fazer a gestão corrente da crise, a tratar da repressão e a fomentar o marketing de consumo. A “big picture” que ilustra o abandono das populações nacionais à sua sorte é, sem dúvida, o que aconteceu (e continua a acontecer) aos habitantes de New Orleans, ou às populações do Índico vítimas do tsunani, que jamais verão as suas vidas reconstruidas nos mesmos termos de antes das catástrofes.

A China abala o mundo, Ascenção de uma nação ávida,
James Kynge, Edit. Bizâncio

Neste contexto é fácil lançar-se o anátema e o odioso das causas que afectam o sistema global para cima dos jovens trabalhadores chineses que são milhões a deslocar-se das zonas rurais para as cidades, procurando com o seu esforço melhorar as condições das familias que milenarmente subsistem labutando árduamente em condições precárias nos arrozais – naquela que já é considerada a maior migração da história, nóveis operários dispostos a fazer turnos de 12 e 15 horas por qualquer preço em quaisquer condições, todavia sempre melhores do que aquelas das regiões longinquas de onde provêem – e onde voltam, em média apenas uma vez por ano, pelo Natal, para repartir com as familias o produto dos seus ganhos. Como não ver, duas gerações depois, nas suas faces, os nossos ganhões e seareiras nas inóspitas paisagens alentejanas de Manuel da Fonseca?

A mistura do “comunismo chinês” (que controla os sectores chave estatais e zela por condições de redistribuição social equitativas) e o “capitalismo selvagem” multinacional está a gerar acumulação de capital a ritmos estonteantes. Paralelamente é “uma época de sonho” que produz aventureiros sem escrúpulos, como o daquele pequeno traficante, sem emprego nem meios de vida, que, em 1979, num golpe de audácia, promoveu a compra de quatro aviões comerciais na União Soviética (já em crise) em troca do fornecimento de produtos de consumo corrente – sapatos, roupas e fancaria diversa. Aclamado pelo governo de Deng Tsiao Ping (vidé Nixon in China) como “modelo do empreendimento privado” e “herói da reforma”, torna-se um capitalista de sucesso e lança-se em negócios cada vez mais arriscados, até acabar condenado a prisão perpétua por fraude de divisas. Mas mil outros ocupam imediatamente a cena, porque as oportunidades de negócios propostos pelos “deuses tecnológicos brancos” são inesgotáveis. Em muitos aspectos, observa o insuspeito James Kynge (ex – editor do Financial Times), a actual ascenção da China assemelha-se à dos Estados Unidos na segunda metade do século XIX; Chungking faz recordar a Chicago desses outros tempos.
Escreve Kynge: “o casamento entre mão de obra barata e fábricas modernas contribui muito para que a China seja competitiva. Pessoas que ganham menos do que ganhariam durante a Revolução Industrial britânica no século XIX e trabalham em fábricas equipadas com maquinaria de última geração” fornecidas pelos capitalistas das multinacionais ocidentais. Ficam explicados, tanto o “milagre chinês”, como as nossas crises internas.

“Qual é a coisa qual é ela que cresce a dois dígitos e não é amarela? Dado a segunda condição excluir a China, sobra apenas uma alternativa: os lucros dos bancos portugueses
Pedro M. Pereira, Diário Económico, 7/2/07
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