
Recentemente o Arrastão comemorou os 3 milhões de visitas (
does quantity matters?) com uma ilustração de Pedro Vieira, usando a mesma simbologia icónica que as forças armadas norte americanas usaram para comemorar
(rentabilizar) a derrota dos japoneses em IwoJima. Certamente que face a um elevado número de leitores (e parcos opinadores de qualidade) a quantidade interessa, pela maior facilidade de angariar recipientes para formas actualizadas de dominação mediática assente na falsificação da História, preenchendo espaços em branco a partir de um zero imaginário (primeiro 1945 e depois 1989) com novas mitologias reaccionárias de pronto-a-consumir.
Fez anteontem, dia 19 de Fevereiro, precisamente 65 anos que a formidável armada dos Estados Unidos iniciou o cerco da pequena ilha de
IwoTo, um território sob soberania do Japão; e o assalto e tomada estratégica desse reduto no meio do Pacifico, defendido por uma escassa companhia de Infantaria que se previa obra fácil de poucas horas, acabaria por durar quase um mês,
transformando-se numa epopeia – um sangrento hino de amor à Pátria cuja derrota
marca de facto o fim da era das potências nacionalistas.

Toda a gente sabe (mesmo os mais jovens pelo
filme de Clint Eastwood), que a fotografia do grupo de Marines erguendo a Star&Stripes
é falsa. Foi
encenada pelos serviços de propaganda do Exército. A primeira vaga que conseguiu contornar os canhões do tenente-General Kuribayashi e subiu ao penhasco tirou uma primeira fotografia com um grupo bastante mais numeroso; mas na descida grande parte deles foram abatidos pela resistência japonesa. Depois de algum tempo, numa das lanchas de desembarque chegou uma equipa especial de reportagem que integrava Joe Rosenthal.
Não se tratou de um improviso. (ou de qualquer euforia épica sobre uma acção cuja vitória estava à partida assegurada). Para produzirem a fotografia que se tornaria famosa traziam, como qualquer grupo de teatro, um meticuloso guião prévio para a encenação da peça.

O modelo usado na produção artística foi uma
escultura de Arturo Dazzi (da série
I Costruttori) que actualmente ainda se encontra exposta na “Galleria Nazionale d`Arte Moderna" em Roma. Dazzi foi um escultor da escola modernista italiana e um Fascista convicto. As suas obras ilustram em grande parte os projectos de Mussolini, como por exemplo a que se construía (e permanece) em frente do
Palazzo della Civiltà Italiana (
o Coliseu quadrado na gíria romana) na Terceira
Roma, o lugar onde se comemoraria a glória do Fascismo durante a
Esposicione Universale di Roma (
EUR) a inaugurar magestaticamente em Maio, não fosse o percalço da queda do regime pela mão dos Aliados.
Contudo o essencial aproveitou-se. (Da escultura de Dazzi não se encontram vestígios online, mas a foto tirada do catálogo geral do museu embora de pouca qualidade dá uma ideia do motivo inspiracional)

Noutra frente da memória,
morreu esta semana com 93 anos o soldado russo Abdulkhakim Ismailov que se imortalizou na fotografia com a
bandeira da Foice&Martelo a drapejar no alto da cúpula do Reichtag destruído em 1945. Alguns saudosistas querem fazer crer que foi também uma encenação. Mas as circunstâncias são diferentes. Obviamente num grupo que caminha dentro de um acontecimento desta natureza alguém levará uma máquina fotográfica.
Esta foto custou meio milhão de mortos, escolhidos aleatoriamente entre os dois milhões e meio de soldados soviéticos que cercaram Berlim. Uma epopeia que se irá comemorando daqui até Abril e Maio próximos.

Para o efeito
o Município de Moscovo decidiu autorizar a colocação de estandartes e bandeiras por toda a cidade com a efígie de José Estaline – o líder que conduziu os povos russos e aliados soviéticos à
Vitória sobre o Nazi-Fascismo. Salvo da parte dos resíduos simpatizantes destes últimos, não haverá grandes motivos para polémicas nem contestações. A linha politica de Estaline e o Partido Comunista tiveram um papel determinante no desfecho da 2ª Grande Guerra, ao
erradicar o nazismo da Europa, ou no mínimo,
enxotá-lo para Ocidente. O povo russo bem necessita de algum reconforto psicológico para recuperar algum do orgulho do que foi ferido de morte desde que a partir de 1991 caiu nas mãos da Máfia internacional
.