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sábado, agosto 04, 2012

Aristóteles e o Crédito

Aristóteles tentou restabelecer a harmonia entre a Lei e a Natureza. Para ele, a natureza seguia uma ordem racional. A lei natural era comum a todos os individuos, baseando-se na razão universal partilhada por todos os homens (apenas os aristocratas de Atenas, excluindo naturalmente os escravos e os estrangeiros). Do mesmo modo, Aristóteles fala de uma justiça natural que constitui a forma mais elevada de Virtude. A par da lei natural, que, devido à sua natureza universal, seria demasiadamente genérica, existiriam leis humanas positivas (por oposição ao direito natural) para regularem a organização social. Assim, Aristóteles condenava a Usura por a considerar incompativel com a verdadeira natureza do dinheiro (cuja designação tem origem no termo árabe “denaro”).


Para a filosofia árabe com raizes em Aristóteles, o dinheiro é apenas uma convenção, cuja principal finalidade é facilitar as trocas e que – admitia-se então – pode também ser utilizado como um repositório de valores. Esta linha de pensamento leva à distinção entre “coisas naturais” (obra de direito divino) e “coisas convencionais” (fontes de pecado dos homens). Apenas as primeiras se podem reproduzir. As últimas não têm existência real, para além da que lhes é acordada pelos homens. Como o dinheiro é uma convenção, não se pode reproduzir por si.

Além disso, de todas as ocupações sociais, a do Prestamista é a mais baixa, pois tenta extrair proveito do dinheiro, que é naturalmente estéril e não tem quaisquer propriedades ou usos para além de servir como medida comum para a troca de bens. Na opinião de Aristóteles, é perfeitamente aceitável detestar os empréstimos a Juros. Devido a estes empréstimos, o dinheiro torna-se, ele próprio, produtivo, e é assim desviado da sua função principal, que consiste em medir e facilitar a troca. Além disso, o juro multiplica o dinheiro – daí o termo “prole” ou “descendência” que recebeu em grego. Tal como as crianças possuem uma natureza idêntica à dos pais, assim o juro, sendo de natureza semelhante à do dinheiro, é a ascendência do dinheiro, uma ideia completamente contranatura e, portanto, a ser combatida a todo o custo. De todos os meios de adquirir riqueza, este é o que está em maior contradição com a natureza. Nascida desta análise, encontramos a famosa citação da Idade Média de que “o dinheiro não gera dinheiro”. Este argumento foi muitas vezes utilizado em apoio de condenações de empréstimos a juros.

Aristóteles, que (por via dos Árabes) lançou as bases do conhecimento científico ocidental em tantos domínios, apenas apresenta juizos de valor no que toca à economia, particularmente na sua análise das taxas de juro. Dava pouco valor ao comércio, considerava o trabalho a soldo degradante e atribuia lugar de honra à agricultura (a reprodução natural dos alimentos). A sua doutrina económica era marcada por um preconceito social a favor da Nobreza, para a qual as únicas ocupações honrosas seriam a do guerreiro (o que conquista novas terras) e a do latifundiário (que mantém as terras a produzir). As outras ocupações, tais como a de comerciante e trabalhadores braçais, deveriam ser reservadas aos escravos e aos metecos (estrangeiros assimilados). A sua condenação da usura é primeiro e principalmente baseada na aversão pelo prestamista usurário.

(adaptado de “História do Crédito ao Consumo”, edit. Principia, 2000, de "Aristotle and the Arabs: The Aristotelian Tradition in Islam", 1968; e de "Repensando a ideia da “Europa Cristã)
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3 comentários:

Diogo disse...

Bom post!

Mas eu defendo que o dinheiro pode gerar dinheiro. O dinheiro é o meio possibilitador de todas as trocas, o artigo que sendo aceite por todos e não tendo nenhuma outra função senão a troca de outros bens e serviços deu um impulso fabuloso à economia.

Se eu, agricultor, emprestar este ano 100 batatas a outro agricultor a quem a safra correu mal, acho que tenho direito a pedir um juro em batatas, porque posso não recuperar a totalidade das batatas que emprestei, seja porque o outro agricultor tem outra safra má, seja porque poderia ter trocado as batatas por vinho de outro agricultor a quem a safra vitivinícola correra inesperadamente bem.

Com a moeda, o produto aceite por todos, acontece a mesma coisa.

É da usura que nos devemos defender. Porque eu posso ser usurário a emprestar batatas exigindo uma contrapartida futura em batatas completamente desproporcionada.

Anónimo disse...

Já tinha desconfiado diogo,é um capitalista básico.Vai daí, o apoio de nazis ao teu blog....da-se!

xatoo disse...

"um juro em batatas ... porque posso não recuperar a totalidade das batatas"
não é assim que as coisas se passavam na Idade Média - os empréstimos eram feitos constituindo logo à cabeça a obrigação de pagar uma anuidade até que fosse restituida a totalidade do valor. Todos os empréstimos (até ao evento do Luteranismo) eram considerados usurários pelo Poder, isto é, pela Igreja (e constituiam pecado punivel com a excomunhão). A partir da Reforma da igreja protestante de génese germânica e anglo-saxónica da Europa do Norte é que a Usura passou a ser condenada pelo exercicio de um juro excessivo. O que estava perfeitamente em consonância com o espírito do capitalismo nascente (max Weber)