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quinta-feira, abril 13, 2006

o Evangelho segundo Pasolini

a Alienação Católica, como qualquer outra “mercadoria” tenta-se expandir pela globalização

Numa época em que a continuidade entre o fascismo fascista e o fascismo democrata –cristão era completa e absoluta – a continuidade dos códigos, a violência policial, o desprezo pela Constituição – o voto que garantia a maioria assentava na classe média e nas enormes massas camponesas geridas pelo Vaticano. Mas de repente, no pós guerra, os valores particulares, como a igreja, pátria, familia, obediência, ordem, poupança e moralidade, são postos em causa e deixam de contar, sendo práticamente destruidos pela violenta homologação da industrialização. Tudo se virou. A luta progressista pela democratização expressiva e pela liberalização sexual foi brutalmente ultrapassada e anulada pela decisão do poder consumista de conceder uma tão vasta (como falsa) tolerância. A violência sobre os corpos tornou-se o dado mais macroscópico da nova época humana. Quando em 1961 Pier Paolo Pasolini filma “Accattone” nos borgate (bairros pobres) onde morava, nenhum burguês pariolini (literalmente traduzido por filhos dos papás dos bairros ricos) sabia concretamente como era segregado o subproletariado suburbano, marginalizado e alvo de racismo e da impiedosa, criminosa e indiscutivel violência da policia. Hoje as coisas pioraram. Seria impossivel seleccionar um bando de “accattones” (literalmente traduzido por vadios) genuinos, que conseguissem ser actores não profissionais e representar e dizer os textos assim com aquela genuidade. Na cena final, Accattone morre perseguido pelos carabinieri e quando sussura as últimas palavras – “agora estou finalmente em paz” – a posição em que caiu é a mesma do clássico “Cristo Morto” de Mantegna.

Cena final de Accatone






































"Cristo Morto"
de Andrea Mantegna - Pinacoteca de Brera, Milão

“Áh, aquilo que queres saber, meu rapaz, acabará não perguntado, perder-se-á sem ser dito”
in “Shane” de George Stevens

Os mesmos actores que Pasolini transformou em marginais, pequenos delinquentes, bandidos, putas e proletários, fazendo deles personagens nobres saidos como que da mitologia de uma narrativa religiosa como nos quadros de Caravaggio, representaram depois os apóstolos no “Evangelho Segundo Mateus” salazarentemente traduzido entre nós para “O Evangelho Segundo SÃO Mateus”. Diria o realizador em entrevista:

Encontro muita semelhança entre a fuga de José e a Virgem e os milhões de refugiados que existem no mundo actual” – o que lhe valeu fortes ataques do Vaticano e da classe politica conservadora. Por essa época Pasolini tinha-se tornado famoso, tendo já trinta processos judiciais contra ele por diversos crimes e ofensas contra a moral e a religião – inclusivamente tinha sido expulso do Partido Comunista por defender o Marxismo e o Cristianismo como as grandes forças- motriz da Civilização Ocidental – “A ideia religiosa nunca foi contrária à classe operária” dizia, citando Gramsci.
Il Vangelo Secondo Matteo” marcou a plena consagração de Pasolini como cineasta, sendo unânimemente aclamado e entre os muitos prémios como em Veneza (1964) nem faltou o do Office Catholique Internacionale. Muito se receara quando se soube do projecto. Mas eis que, paradoxalmente, o marxista Pasolini, com a reputação que o rodeava de “provocador” assinou uma fidelissima adaptação do Evangelho, literalmente seguido sem qualquer omissão ou acrescentamento. Vale a pena acrescentar duas declarações suas: “É uma obra de poesia o que quis fazer. Não uma obra religiosa, no sentido vulgar da palavra, nem, de algum modo, uma obra ideológica. Em palavras simples, eu não acredito que Cristo seja filho de Deus, porque não sou crente (pelo menos conscientemente).

Mas acredito que Cristo é divino, ou seja, acredito que nele a humanidade é algo de tão elevado, rigoroso e ideal que ultrapassa os termos comuns da humanidade. Por isso, falo em poesia: instrumento irracional para exprimir este meu sentimento irracional em relação a Cristo (...) uma violenta chamada de atenção a uma burguesia estupidamente lançada na destruição dos elementos antropológicamente humanos, clássicos e religiosos do homem”. Na verdade a figura de Cristo é aqui representada com a mesma violência de um resistente: como algo que contradiga radicalmente a vida como esta é vivida pelo homem moderno.
Não vim trazer a paz, mas a guerra” – nas próprias palavras de Jesus é a chave para a compreensão da ideia de Cristo, sempre à frente dos apóstolos como um lider revolucionário que prega continuadamente na sua marcha até Jerusalem. Na sua sacralidade laica Cristo é reduzido no seu humanismo, a um género de cristianismo socialista, rompendo-se assim com o cliché da iconografia Cristã. Esta é a reconstrução mais realista da história de Cristo, um porta voz intemporal dos danados da Terra – que nada tem a ver com a hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) – sabemos como acabou Cristo, e como acabou Pasolini, ambos vitimas do poder descriccionário.
A perda e o declinio da Civilização deve-se ao Poder que está sentado sobre montanhas de despojos de vítimas.


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