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quarta-feira, agosto 02, 2006

agora,,, quando a cidade se esvazia

quando o silêncio se volta a abater sobre as ruinas abandonadas
uns pelas vicissitudes das guerras pela economia
em constraste com os prédios vazios noutros lugares trocados pelo lazer
de outros por beneficios das economias de guerra
compreendo o sentido das vidas dos que vão ficando, e vem-me à memória um poema de Fernando Correia Pina,


Sem abrigo

O meu lar está tão distante como Alfa de Centauro
se bem que fique do outro lado da cidade
que percorro de lés a lés, dia após dia.
Às vezes passo perto e olho a medo
através das minhas lentes de vergonha
e sigo ao largo, apressadamente,
não me vão confundir com quem já fui
ou achar-me parecido com quem sou.
Aprendi que um homem é uma espiga.
Um dia,
uma carta chega como uma foice
e o mundo desmorona-se.
Um dia,
um homem que antes era um barco ancorado
acha-se de súbito no meio da tempestade,
vê quebrarem-se todas as amarras
e a terra firme perder-se na distância.
Um homem tenta em vão caminhar sobre a água
moldar qualquer coisa com a água
fazer nascer qualquer coisa da água
mas... tudo se escoa entre os seus dedos
menos o tempo que escoar-se deveria
mas que ao invés se vai acumulando
como húmus onde cresce o esquecimento.
E todos me esqueceram...
E eu esqueci-os a todos...
A minha memória foi-se esvaziando
como uma árvore que não é regada –
as minhas raízes estiolaram,
os meus braços ficaram pendentes
como ramos secos, sem dar frutos
e o vento que me arrancou os sonhos como folhas
arrasta-me aos baldões de esquina em esquina.
Hoje vivo numa fábula moderna,
transformado pela vara de condão
de um mago da finança
num caracol que arrasta lentamente
a casa de cartão roubado ao lixo
pelo país da indiferença;
sou uma roda inútil na grande engrenagem,
uma sílaba supérflua na palavra progresso,
um nome feito em número, arredondado,
até ser só um resto de zero.


publicado na revista "Politica Operária"
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*post-scriptum - o titulo de 1ª página do Publico de 4/8

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