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sábado, setembro 23, 2006

Isabel do Carmo, sobre a questão do Médio Oriente, “avia” três neocons numa penada

“Algumas das reacções suscitadas pelas minhas tomadas de posição relativas à guerra Israel-Libano revestiram-se dum tom emotivo, que em nada interessa ao esclarecimento das questões e que muitas vezes deturpou ou inverteu mesmo o sentido do que eu disse. O respeito que me merecem alguns dos intervenientes e a importância que eu penso que a situação do Médio Oriente representa para o Mundo, levam-me a responder.
1. Sou médica e não historiadora, como foi comentado or um dos intervenientes. O facto de ser médica não me impede, antes me obriga, a não estar fechada para o Mundo e a ter acesso aos livros de História e outras fontes de informação que todas as pessoas têm, se quiserem. Para além de ser médica tenho responsabilidades em relação ao meu passado que tenciono cumprir, informando-me e tomando posição.
2. Relativamente a raças, racismo e racistas, considero, de acordo com as posições teóricas de geneticistas e epidemiologistas actuais, que não há raças humanas, há grupos étnicos que podem ter algumas caracteristicas físicas, aliás superficiais, comuns e comunidades com caracteristicas culturais também comuns. A espécie humana sobreviveu graças a cruzamentos sucessivos (cito toda a bibliografia do professor Jean Bernnard, ex-presidente da ComissãoNacional de Ética em França, falecido há poucos anos, nomeadamente o seu livro, “L`Histoire du Sang”). Todos viemos de todo o lado. Aquilo que se transforma em racismo é geralmente consequência de grupos dominantes sob ponto de vista económico, social e político que exercem esse domínio sobre grupos dominados em relação aos quais os primeiros encontram caracteristicas distintivas.
3. Mais uma vez se cai no erro, nuns propositado, noutros resultado de evntual confusão, de se considerar que anti-sionista é o mesmo que anti-semita. Anti-sionista é ser crítico da formação de uma pátria judaica constituida sobre território de outros povos. Anti-semita é ser contra os semitas, neste caso a comunidade judaica, embora a designação “semita” deva abranger outras populações do Médio Oriente. Há judeus, membros da comunidade judaica, e mesmo nascidos em Israel, que são anti-sionistas. A acusação de “anti-semita” e “racista” a quem critica o Estado de Israel (como faz António Melo em relação a mim) é uma forma de colar o crítico de Israel às posições “anti-semitas” que levaram ao horror da II Guerra Mundial, que ainda hoje é dificil sequer de perceber. Que AM diga que por ser crítica de Israel sou “racista” desgosta-me, porque quero pensar que resulta de uma verdadeira falta de comunicação. Repito o que escrevi: “Raça judia só houve para os nazis, não há narizes, nem crâneos típicos de judeus, são análises grosseiras e superficiais”, e mais adiante: “É pena que a comunidade judaica que se poderia orgulhar de uma cultura tão importante na Europa, com pensadores determnantes na nossa história (...) se volte para o mito sionista. Isto é “racismo” António Melo?, isto é “um incitamento ao racismo e à violência”, “água suja”, “um incitamento racista, a ressumar ódio anti-semita”? Evito ficar indignada porque isto atinge de facto a minha honra, mas fico perplexa, sem perceber sequer o que pode ocasionar esta tresleitura. Falaremos a mesma lingua? Claro que o tema e a questão das comunidades culturais seria muito interessante de discutir, com calma e bons modos. Ora a minha admiração pela capacidade de resistência judaica e pelos fenómenos intelectuais da sua cultura e o meu respeito pela memória inapagável dos horrores da Inquisição e do Holocausto não me obrigam, não me poderão obrigar, a aceitar o sionismo ou a desculpar que as vítimas se transformem em vitimadores. E lembro que isso pode ser usado como uma chantagem moral.

4. Relativamente aos tempos de criação dos reinos de Judá e Israel e à evocação bíblica do leitor Victor Ramos, lembro que o Antigo Testamento é o registo escrito duma epopeia, tornado sagrado pelas três religiões monoteistas, mas não é um livro de História. Para consulta dos fundamentos arqueológicos, cientificos, da época correspondente evoco, entre outros autores insuspeitos, o livro de Israel Finkelstein, do Instituto da Arqueologia da Universidade de Telavive e de Neil Asher Silberman, director histórico no ENAME Center for Public Archeologic and Heritage Presentation da Bélgica (“Bible Unearthed”, Nova Iorque 2001, ou a tradução francesa “La Bible devoilé, 2002).
5. Quanto à fundação de Israel em 1948, de facto, tal como diz AM, o primeiro país a reconhecer este Estado foi a URSS. Acrescento que também um dos primeiros paises a ajudar foi a Checoslováquia. Mas percebemos hoje os interesses geoestratégicos (que não ideológicos) na zona. Já anteriormente os britânicos acautelavam os seus interesses, pois na declaração de Balfour de 1917, este escrevia a Lord Rothschild, representante da comunidade judaica britânica: “O Governo de Sua Majestade encara favorávelmente o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu. A “protecção” britânica do Canal de Suez e em seguida os interesses do petróleo foram ditando a sua posição na zona.
6. O sionismo, tal como foi sonhado pelo seu fundador, Herzl, no século XIX (Theodor Herzl, L´État des Juifs, 1889) não tinha a ver com o que é hoje. Como comunidade a instalar chegaram a ser postas as hipóteses da Argentina e de Moçambique. Foi um projecto à boa maneira das utopias socialistas do século XIX, tendo algumas sido levadas à prática, com evoluções diversas. O Estado de Israel de 1948, fundado também por socialistas e sindicalistas, como diz AM, evoluiu logo no primeiro ano para a maior das distorções. Quando do Plano de Partilha de 1947 estava escrito que existiriam dois Estados (o árabe e o judaico) e que haveria um “regime internacional especial para a cidade de Jerusalém” (textos das Resoluções de 1947) tendo sido estabelecidas as respectivas fronteiras. O Estado Árabe não chegou a ser constituido, porque se iniciou imediatamente a expansão de Israel que, de 1948 a 1949 passou dos 14 mil km2 que lhe estavam atribuidos para 21 mil km2. Para tal sucederam-se massacres de aldeias e expulsão dos árabes, que constituiam o dobro da população. Para o conhecimento do que foi esta expulsão evoca-se toda a investigação e obras da corrente também insuspeita chamada dos “novos historiadores” de Israel, muito conhecidos nos meios académicos do país e europeus. Trata-se por exemplo de Benny Morris, “The Birth of the Palestinian Refugee Problem, 1947-1949, Cambridge, 1987, ou para uma leitura de conjunto, Dominique Vidal, “O Pecado Original de Israel” 2002, (a expulsão dos palestinianos revisitada pelos “novos historiadores” israelitas). Mas claro que estas referências não aparecem na divulgação habitual e muito menos no nosso país. Depois disto vieram os 97 mil milhões de dólares de ajuda dos EUA, desde 1948. E está tudo dito. As expansões continuaram.
7. Quando digo que o “Estado de Israel é uma situação de facto”, frase que AM critica, significa isso mesmo – está lá e não penso que acabar com ele seja a solução. Mas penso que a Palestina também tem de ser um facto, as fronteiras estabelecidas (Resolução 242 da ONU, de 1967) têm que ser respeitadas. O Estado da Palestina também tem de existir. Citando as palavras do professor Leibowitz, mais uma vez insuspeito: “O facto fundamental, para lá da ideologia, da teoria e da fé, é que este país pertence a dois povos. Cada um deles está no seu intímo profundamente consciente de que este país é o seu. Dito de outro modo, a nossa opção tem de ser ou pela partilha ou pela guerra total” (Joseph Algazy, “La Mauvaise Conscience d`Israel. Entretiens avec Yesayahon”, Leibovitz, 1994).
8. Finalmente, será que temos de escolher entre a cólera e a peste, teremos que ficar encurralados entre o imperialismo EUA/Israel e o regime teocrático do Irão? Será que ao criticarmos o Imperialismo militar e politico e a globalização económica temos de cair nos braços de fundamentalismos medievais e do terrorismo? Recuso essa escolha. Há outro mundo, o que não faz títulos de jornais,outros islamismos, outros israelitas. E necessáriamente outros projectos. E a propósito, meu caro António Melo, é tudo o que tem a dizer a respeito desta guerra?"

Isabel do Carmo, Médica, ex-Dirigente do PRP-BR

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