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sábado, dezembro 01, 2007

Tudo se volatiliza

“Ninguém pode negar categoricamente e por antecipação a possibilidade teórica de que, debaixo da influência de circunstancias completamente excepcionais (a guerra, a derrota, o crash financeiro, a pressão revolucionária das massas, etc.) os partidos pequeno burgueses, incluindo os estalinistas, podem ir mais além do que eles mesmos quiseram no caminho da ruptura com a burguesía.”
León Trotski, in “Programa de Transição”, 1938

Apontamentos sobre as consequências estratégicas no Ocidente da crise militar, financeira e económica dos Estados Unidos - um artigo de António Maira

“Temos que ter presentes várias evidências gerais sobre fenómenos globais, cujo desenvolvimento se torna agora plenamente visível precisamente porque estamos numa crise catastrófica do capitalismo “neoliberal”. Em primeiro lugar, na economia. Os factos plenamente observáveis e que já não se conseguem mascarar são os seguintes: a parte da economia real aplicada à produção de mercadorias e serviços básicos para a população mundial, é uma ervilha dentro de um enorme balão
A esfera exterior é a “economia produtiva” vinculada à gigantesca implementação do consumismo irracional, dos serviços supérfluos, da economia de guerra, da aplicada à dominação exterior e ao estabelecimento da ordem Imperial, da que serve a mercantilização da “democracia” e o encobrimento da realidade às populações.
A distribuição de bens nesta economia real – tanto a dedicada à satisfação das necessidades básicas: alimentação, saúde, educação, habitação; como a que é subordinada à economia do consumo massivo, dos serviços supérfluos e da dominação política e ideológica – é enormemente desigualitária entre os países “desenvolvidos-destruidores” e os paises subdesenvolvidos e estados falhados do hemisfério sul.
A economia real (com os seus dois componentes: bens para a vida; e bens para a desigualdade, o consumismo criminoso e a “ditadura democrática nos paises do Ocidente) é, por sua vez, uma pequena ervilha comparada com o enorme globo aerostático da economia financeira, que o mesmo é dizer, da economia vinculada à multiplicação e circulação do dinheiro.
A bolsa e o sistema bancário são as instituições cuja função fundamental é extrair (o termo adequado é, naturalmente, roubar) as pequenas poupanças da pequena e média burguesia nos paises ricos, e dos pequenos aforradores das economias pobres (recorde-se a Argentina, ou a Venezuela anterior a Chávez) para os derreter no sistema financeiro. Nos paises ricos também roubaram e estão a roubar os enormes fundos de pensões apropriando-se desses depósitos bancários aplicando-os nas privatizações ou em fundos especulativos.

Numa economia vertiginosa, a bolsa é o grande centro de comunicações. A bolsa de Nova Iorque é o espelho instantâneo de onde os funcionários do sistema financeiro controlam a marcha do gigantesco balão de ar, e os enormes monopólios corporativos a marcha dos seus negócios. O que temos actualmente diante dos nossos olhos não é um vulgar crash de bolsa, mas sim um crash financeiro e portanto, uma crise enorme do capitalismo global. Significa que começando o desmoronamento, começam os tempos de uma enorme e vertiginosa tragédia. Mas também que, começam os tempos da Revolução.

A Crise Estratégica

Os Estados Unidos utilizaram duas guerras contra o Iraque seguindo dois modelos estratégicos militares distintos e perderam em ambos; o primeiro durou uma década e realizou-se em duas fases: a primeira fase foi a “guerra de destruição massiva unilateral” (com zero baixas para os EUA), que teve, por sua vez, dois periodos: “a guerra suja do Golfo” com a incitação à ocupação do Koweit e a destruição do exército convencional iraquiano; e a “guerra alargada ao genocidio” com o bloqueio total do país e destruição sistemática das suas instalações militares e infraestruturas – especialmente as condutas de águas residuais e de água potável, a rede de estradas e auto-estradas, os sistemas sanitários e de educação. A segunda fase foi a guerra-relâmpago de 2004, com a destruição total do país, a ocupação e o início da marcha para “uma economia de mercado livre”. Os objectivos gerais eram: implantar pela força um modelo de relacionamento internacional baseado na “vontade soberana” dos Estados Unidos; a apropriação do petróleo; e a instalação de bases militares estratégicas, de cobertura mundial, no actual país de maiores reservas petrolíferas, então o mais rico, mais próspero, mais laico e mais culto do Médio Oriente.
Os EUA perderam a “guerra de destruição massiva unilateral” e perderam a “guerra genocida de ocupação” apesar de usarem um exército profissional (as suas legiões romanas, enquadradas por centuriões yankees e integradas por marginais e martinalizados nos próprios EUA; o exército de ocupação é formado pelo lúmpen nacional: negros e latinos, e mercenários residentes, centro-americanos e mexicanos indocumentados). Apesar deste contingente nascido da pobreza e educado para matar ser muito pouco recomendável para restabelecer a Democracia, a Liberdade e a Soberania do Iraque, e a Segurança Internacional e a Justiça Infinita ter sido rebaptizada sucessivamente como “Liberdade Duradoura” e “Guerra Mundial Antiterrorista”, Washington alistou – através das transnacionais da morte, da tortura e do assassinato – um gigantesco exército mercenário dedicado a executar as tarefas definidas pelos serviços secretos numa “Guerra Suja de Alta Intensidade

A Crise Financeira

O gigantesco pressuposto de “Defesa” dos Estados Unidos – com crescimento acelerado desde há muitos anos (a partir do final da guerra fria) – incrementou-se com enormes gastos de guerra que foi aumentando à medida que a ocupação teve de se reforçar. O exército triunfante cuja vitória Bush anunciou vestido de piloto de combate e sentado no trono do fascismo contemporâneo – o cadeirão de comando de um dos gigantescos porta-aviões de combate estratégico do Pentágono – não só não pode voltar para casa, como não parou de reclamar armas, mais armas, mais dinheiro, combustível, mais combustível, mais dinheiro. A crise estratégica militar provoca uma derrocada financeira que afecta a quase totalidade da economia norte americana, e a totalidade da economia mundial. Os dois gigantescos balões estoiram e começam as quebras.

A Crise Económica Mundial

A crise financeira abrange toda a economia de consumo e toda a economia de subsistência – incluindo os EUA, onde existem 40 milhões de pobres. A crise atinge imediatamente os sectores metalúrgicos, petrolífero, cimentos, imobiliário, especulação urbana, serviços de massa como o turismo, transportes, complexo industrial-militar, indústria automóvel, química, agro-alimentar, pequenas empresas, restauração, seguros, agricultura de exportação e importação, transportes marítimos, aviação civil, electrodomésticos, serviços de saúde privatizados de cirurgia, assistência médica, serviços sociais mínimos, para citar apenas uns quantos.
Olhe ao seu redor e tente localizar um objecto de mobiliário, um produto para alimentação, vestuário, electrodomésticos, computadores, internet, de consumo em geral, embalagens, etc, que não tenha sido produzido dentro da economia ao serviço das grandes entidades financeiras.

Apontamentos breves sobre as consequências económicas, sociais e políticas da crise no Ocidente.

Desmoronamento dos grandes fundos financeiros e da enorme economia produtiva vinculada aos serviços e ao consumo. Crise económica catastrófica. Incremento dramático da paralização de um país sem cobertura social. Crise nas pequenas e médias empresas. Queda vertical do comércio externo. Crise política sem precedentes. Possiveis juizos penais em torno da equipa presidencial. Demissão de Bush para evitar o “impeachment”. Os Estados Unidos não podem alastrar com a guerra nem decretar uma mobilização geral para as guerras do Império. O projecto de dominação pela via militar arruina-se. O projecto de ocupações por via da NATO também se quebra. A possibilidade de invasão da segunda potência petrolífera – a Venezuela – é absolutamente irrealizável. O elemento estratégico fundamental para o mantimento de uma parte de toda a grande indústria para os serviços desapareceu; é o Petróleo. Aos paises do Terceiro Mundo abre-se-lhes a possibilidade de reclamar o direito de “não transferência de petróleo” (Patente) – tal como foi feito pelo Ocidente com a Tecnologia – assegurando a troca de petróleo por tecnologia para um desenvolvimento repartido e sustentável.

União Europeia, o fiel amigo, a política indigna, os povos mortos,

Desde os processos coloniais, das duas grandes guerras mundiais, e o fascismo; jamais a Europa havia cometido uma indignidade semelhante à da aprovação da resolução 1483 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Nessa resolução legitimava-se a ocupação do Iraque e a autoridade dos “paises ocupantes”. Além do mais “autorizava-se” a “administração” do petróleo pelos EUA e pelo Reino Unido e organizava-se o saque do país convocando a famosa Conferência de Doadores. Na Cimeira de Salónica, semanas depois, a indignidade atinge o limite: a União Europeia proclama que o derrube de Sadam Hussein “abre caminho a um futuro próspero e democrático no Iraque. Além disso a Cimeira aprova, “para leitura e memória futura”, um documento estratégico sobre a Nova Estratégia de Segurança Europeia; que se denomina “Documento Solana” para honrar o embaixador lacaio dos Estados Unidos, além de criminoso de guerra na Jugoslávia. Solana presidiu à assembleia de servos que terá de prestar contas de um genocídio e uma catástrofe que atinge 4 milhões de mortos e deslocados e um país esfomeado e destruído.

O descalabro na Europa vai ser muito mais dramático.

O crescimento do desemprego e do sub-emprego escondido debaixo de contratos precários, temporais e sub-qualificados, vai ser gigantesco, na mesma proporção da desaparição da economia “produtiva” vinculada aos serviços, ou puramente especulativa.
A crise energética afectará, liquidando-as, todas as possibilidades de sustentação do sistema económico. O desemprego atingirá cifras colossais, muito concentradas nas cidades, na antiga classe trabalhadora absolutamente desorganizada e na nova classe operária urbana: os trabalhadores jovens.(Ver a revolta da chamada “escumalha” em França)
A recuperação de uma economia agrária que assegure a soberania alimentar passa a ser uma necessidade estratégica. Em paises como a Espanha pode-se reconverter rapidamente, utilizando os enormes sistemas de rega empregues na economia do turismo de luxo em enormes extensões de antigas hortas, nos outrora terrenos de sequeiro, ou nas herdades andaluzas dedicadas à pecuária.
Toda a classe política, líderes e quadros sindicais carecem de integridade e capacidade para reorganizar os trabalhadores. Novos lideres políticos, sociais e sindicais surgirão das grandes lutas que se avizinham
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