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quinta-feira, outubro 29, 2009

Vestigios da República Democrática Alemã

MATERIAL de Thomas Heise (Alemanha)
é uma colecção de documentos filmados entre 1988 e 2009 na zona Oriental de Berlim, peças que entretanto se tornaram históricas, 20 anos depois em pleno periodo de "comemo- rações do fim do comunismo". Grand Prix no FID, Marselha, 2009.

Com a duração de quase 3 horas o seu visionamento é uma empreitada extenuante, um pouco fastidiosa pela monotonia e lentidão dos (quasi-não) acontecimentos; mas de que, no final, se recebe uma boa recompensa, mormente por via da desmistificação de certos compassos propagandísticos exaustivamente repetidos na música ambiente sob o chavão “a queda do Muro

1ª cena – o produtor teatral Fritz Marquard assiste à encenação da peça do autor judeu Heiner Müller A Morte da Alemanha em Berlim, a apenas alguns quarteirões das manifestações de massas em Alexanderplatz em Novembro de 1989. (simbolicamente o mesmo local onde abriu um centro comercial da Sonae em 2007)
2ª cena – uma reunião de moradores no bairro de Hessenwinkel sobre a situação em Berlim e de como se hão-de organizar para fazer frente a possíveis instabilidades. As decisões colectivas são tomadas de forma democrática com uma participação alargada; e também de alguns bonzos à mistura, como é natural.

Do outro lado do muro. Mobilização popular, o objectivo a destruir

3ª cena – uma assembleia dos parlamentares recém eleitos no Palácio do Povo (ex-parlamento da Alemanha de Leste (DDR). Uma multidão concentra-se em redor do edificio exigindo reformas no sentido do regresso do regime aos seus princípios democráticos. Os deputados saem para a rua e em tribunas improvisadas explicam-se aos manifestantes. Estes gritam pelo dirigente comunista de maior prestigio, Egon Krenz, que é recebido com aplauso geral. Pede calma e contenção aos circunstantes e promete politicas eficazes.

4ª cena – entrevistas com jovens adolescentes detidos que cumprem penas por crimes violentos e com guardas do estabelecimento prisional de Brandenburgo. Os presos desejam revisões das sentenças e amnistias, pedidos contrapostos por depoimentos de psicólogos e assistentes sociais que põem ênfase no trabalho de recuperação e reinserção social destes indivíduos.
5ª cena – alguém questiona o papel da Stasi por insuficiência no combate ao banditismo. Como suspeitávamos tratava-se de um organismo de regulação do Estado para vigiar a corrupção, desvios de dinheiro das contas públicas, fiscalizar a adjudicação de obras, etc. E o mais grave de todos os delitos lesivos do Estado, a venda secreta de patentes e segredos industriais para o Ocidente. De todo, a Stasi não era a policia politica que nos quiseram (querem) fazer acreditar à conta da museolização capitalista do assunto. Mais tarde, toda a gente haveria de confessar a sua colaboração com o Ministério da Segurança Interna, cujas entrevistas não eram públicas. Lógico não? (para que, passados tantos anos) não houvesse hipótese de acontecer isto, isto ou isto (fora o resto)

Intermezzo – o Muro caiu conforme o histórico anúncio público de Günter Schabowski um militante filiado no “Partido socialista em liberdade” (SED). Uma questão sobre a liberdade dos cidadãos poderem abandonar o país, colocada estrategicamente em directo na televisão por um jornalista judeu estrangeiro, Riccardo Ehrman, ajudou a desencadear os acontecimentos. (ler: "One Question Brings Down the Wall"). Milhares de pessoas precipitam-se para a fronteira da RFA

o dialecto estrangeiro dos grafittis...

6ª cena - Em 1997 estamos em plena fase de integração da DDR na República Federal Alemã. Na parte oriental reina o desespero. O realizador assiste a uma sessão de cinema num clube em Mainzer Straße. Entram os mais variados tipos de espectadores, até que irrompe na sala um grupo de jovens ociosos com práticas de extrema direita. Há uma tentativa desesperada de diálogo, mas as garrafas e o mobiliário começam a voar. Querem combater a intrusão da cultura hollywodesca que supõem lhes veio roubar os empregos. Lá fora na rua um grupo de anti-fascistas ataca o edifício à pedrada. Os vidros partem-se, as janelas são barricadas, há gente ferida com estilhaços: “vamos todos lá para fora e matamos esses comunas de merda” diz um dos vândalos ao mesmo tempo que dá um murro na câmara de filmar. O filme de origem ocidental continua a correr… no meio dos destroços

Cena final. Ano de 2006. Trata-se de apagar os vestigios. Imagens paradas de um edifício em demolição. Operários trabalham no corte da robusta estrutura metálica.Vêem-se montes de entulho (a existência de amianto na construção foi a desculpa prévia) para o desmantelamento do Palácio de Governo da ex-República Democrática Alemã, vizinho da catedral de São Paulo. Nos tapumes que cercam a obra pode ler-se “obra em execução aprovada segundo plebiscito feito ao povo de Berlim”. 2009, Há um debate em curso sobre o que fazer no sitio agora limpo de memória; uns pretendem que passe a ser um simples terreno relvado, outros pretendem reconstruir o Palácio do Rei da Prússia outrora ali existente.
(duplo clique para ampliar)
O autor, Thomas Heise, expressa deste modo a opinião sobre a sua obra: "Those residual images have besieged my head, constantly reassembling themselves into new shapes that are further and further removed from their original meaning and function. They remain in motion. They become history. The material remains incomplete. It consists of what I held on to, what remained important to me. It is my picture"
Epilogo

Good Bye Lenine. Na década de 1970 a República Democrática da Alemanha era a 9ª potência industrial na economia global. Cerca de 55% da população possuia frigorifico e máquina de lavar, 70% tinham televisão em casa. Os transportes colectivos tinham primazia: apenas 15% possuiam carro próprio. Num inquérito deste ano 20% dos alemães orientais afirmaram-se nostálgicos desse tempo (pressupondo-se o seu voto no Die Linke). Integrados na RFA 52% consideram-se cidadãos de segunda ordem. Apesar dos subsidios especiais do governo central, actualmente o indice de pobreza na parte oriental é de entre 13 a 15 por cento; enquanto na parte ocidental é de 6 a 8%. O PIB da Alemanha Oriental é cerca de 1 terço menor que o dos restantes alemães. Apenas 33% dos habitantes do Leste são frequentadores de igrejas, contra 80% no lado Oeste.
(a fonte é o Dep. Oficial Federal Alemão de Estatisticas, citado na revista "Histoire" Outubro 2009)
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