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domingo, setembro 09, 2012

de como o BCE (relançando em parceria a actividade do desacreditado FMI) aparece agora a controlar o destino da economia mundial

o BCE teve sempre o poder de acabar com a crise da zona do euro assim que ela começou. Mas recusou fazê-lo porque esteve apostado em promover uma agenda política recessiva”. Mark Weisbrot é co-director do “Centro de Pesquisa Política e Econômica” em Washington. É também presidente da "Just Foreign Policy”. É dele a autoria deste artigo (aqui traduzido na integra), mas que deve ser lido de acordo com aquilo que se conhece do modo operativo das instituições financeiras que actuam globalmente.

Os manobradores dos mercados mundiais de valores e mercados obrigacionistas europeus reuniram-se há poucas semanas ensaiando uma resposta às três palavras que saíram da boca de Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu: a de que o BCE gostaria de fazer “tudo que for preciso" para preservar o euro. O recado foi amplamente interpretado como uma promessa de intervir nos mercados de obrigações soberanas para agravar os custos de empréstimos para Espanha e Itália. O que significa isso para as pessoas na zona euro, ou em Espanha, onde o desemprego atingiu um recorde de 24,6%? ou para as regiões em desenvolvimento da Ásia ou na África ou na América Latina - ou mesmo nos EUA?
Mais importante ainda, significa que o BCE sempre teve, e continua a ter, o poder de acabar imediatamente com a crise na zona do euro, mas recusa-se a fazê-lo. Não por qualquer um dos motivos económicos em que as pessoas comummente acreditam - como as preocupações sobre a dívida soberana ou a inflação. Em vez disso, o BCE recusa-se a acabar com a crise por uma razão política nefasta: a fim de forçar as economias mais débeis da Europa a aceitar uma agenda política recessiva - incluindo cortes nos salários mínimos e nas pensões, a flexibilização das leis de contratação laboral e da negociação colectiva, e cortando nos serviços públicos prestados pelo Estado.

o BCE e os seus aliados temiam que, se estes mercados obrigacionistas ficassem estabilizados, a sua influência sobre os países periféricos ficaria reduzida. Assim, por mais de seis meses, o BCE tem vindo a recusar a compra de títulos espanhóis que empurram para cima os juros da dívida, como fez em crises semelhantes no ano passado. Este é um jogo perigoso, porque o BCE, obviamente, não quer chegar a um ponto onde a crise saia fora de controlo.
O que aconteceu é que o BCE finalmente deu sinais, diante de temores crescentes de agravamento da recessão, de uma maior pressão política. Segundo a imprensa, parte dessa pressão veio do presidente francês François Hollande, que foi içado ao poder por eleitores anti-austeridade, e algumas influências até mesmo de dentro do próprio FMI. O BCE é parte da Troika (juntamente com o FMI e a Comissão Europeia) que determina a política económica na zona Euro, mas é um parceiro subordinado. O governo Obama também tem vindo a pressionar as autoridades europeias para não serem tão ortodoxas, uma vez que a lenta recuperação da economia dos EUA está a prejudicar as chances de re-eleição do actual presidente.

Enquanto os mercados financeiros, que agora se mobilizaram não são a mesma coisa que a economia mundial, a incerteza económica que foi criada e agravada pelas autoridades europeias foi agradecida não apenas por estes mercados, mas também pelo crescimento económico real em grande parte da economia mundial, da Coreia do Sul até ao Brasil. A economia mundial deverá crescer apenas 3,5% este ano, ao contrário dos 5,3% de 2010. Esta é uma diferença de dezenas de milhões de empregos em todo o mundo, e mais de um trilião de dólares de lucros sobre rendimentos perdidos. Embora existam fraquezas no crescimento em vários países e regiões, incluindo as duas economias nacionais maiores do mundo, a China e os Estados Unidos - parece que a confusão na Europa (onde a economia decresce esta ano 0,5%) é actualmente o maior entrave à economia mundial.

O epicentro da tempestade foi recentemente a Espanha, primeiro por causa de problemas graves no seu sistema bancário. Mas, então, os mercados começaram a especular contra os seus títulos soberanos, com a Itália também sob ameaça. Estes governos too-big-to-fail - em termos da sua dívida soberana – viram os seus juros de financiamento com títulos soberanos subir a níveis recorde, o que têm gerado um medo crescente e incerteza nos mercados europeus e mundiais. E é aqui que uma Instituição, tida como "independente" pelos seus fundadores, tem a chave.
Com apenas três palavras Mario Draghi atacou os juros sobre os títulos espanhóis e italianos, que a partir de então continuaram a cair, com Hollande e Merkel a emitirem uma declaração conjunta visando apoiar Draghi no "fazer tudo para proteger" o Euro.

Os juros da emissão de divida espanhola a 10 anos (benchmark) ficou imediata- mente abaixo mais de um ponto percentual e depois subiu para 6,6%. Isto é demasiadamente alto, mas teme-se que estes números alcancem o nível onde a Espanha já não seria capaz de contrair empréstimos nos mercados privados e venha a desaparecer - como aconteceu com a Grécia, Irlanda e Portugal.
Naturalmente, os mercados têm vindo a exagerar grosseiramente a probabilidade de que a Espanha poderia “ferrar o calote” com a sua dívida. A Espanha tem cerca de 94 biliões de Euros de dívida para pagar no próximo ano, e é por essa razão que teve que pedir emprestado às taxas de juro altas de hoje, o que de qualquer forma não irá acrescentar muito à sua dívida total. Mas pode aumentar o seu endividamento de curto prazo. A Espanha está actualmente a pagar cerca de 2,4% do PIB em juros da dívida pública, o que é bastante razoável.
Realmente foram as acções dos especuladores nos mercados financeiros que levaram os juros dos títulos espanhóis a esses níveis elevados. Mas o BCE concordou, deixando que isso acontecesse, a fim de atingir os seus fins políticos. O que Draghi fez foi informar os especuladores que a sua aposta contra esses títulos poderia ser uma aposta em dois sentidos - ou seja, eles poderiam perder dinheiro quando o BCE interviesse. Agora vamos ver se, e em que medida, o BCE está empenhado em estabilizar estes mercados de títulos.
Em menos de 24 horas, o Banco Central alemão tentou deitar um pouco de água fria sobre a declaração de Draghi, declarando a sua oposição à compra de títulos soberanos. Apesar de representar o país mais poderoso na zona Euro, o Bundesbank não pode necessariamente fazer vetar tal decisão no Conselho de 23 membros do BCE. Mas ele carrega muito peso, e sua oposição indica que vai haver luta contínua entre os governantes da Europa a respeito de quanto o BCE vai fazer para conter a crise actual.

Claro, contendo e até mesmo tentando resolver de imediato a crise é uma coisa, puxar a zona do Euro para fora da recessão em direcção a níveis mais elevados de emprego é outra; o BCE poderia acabar de imediato com a crise, basta estabelecer um tecto razoável para os títulos soberanos da Espanha e Itália, terminando assim os riscos de incumprimento das dívidas soberanas destes países. Mas, para trazer uma recuperação económica à Europa, as autoridades europeias teriam de reverter as suas políticas destrutivas, de austeridade fiscal – e os programas orçamentais que têm empurrado a zona do Euro para a sua segunda recessão em três anos. Isto é, fazer aquilo por que as pessoas de bom senso estão a lutar na Europa.

Enquanto isso, o ex-primeiro-ministro grego George Papandreou denunciou que não o iria dizer quando ainda estava em funções, ou seja aquilo que alguns de nós já suspeitávamos: que a intenção das políticas da Troika na Grécia foram ainda piores do que forçar as alterações políticas recessivas como descritas acima. "Havia um sentimento de "puni-los ", disse ele. "'Temos que ter cuidado quando se tornam demasiado fáceis as ofertas de socorro, toda a gente vai querer coisas semelhantes".
Essa parece ser uma das razões que as autoridades europeias têm destruído a economia grega. Claramente, não é por falta de recursos que a Troika se dirige para outro confronto com a Grécia onde a economia encolhe os 7% projectados para este ano: os poucos biliões de euros em jogo no orçamento forçado de aperto para os próximos dois anos são trocados pelas autoridades europeias por um novo empréstimo (de 130 biliões de euros), mas vai significar mais dôr e desemprego para o povo grego. Há ainda algum caminho a percorrer antes que as autoridades europeias ponham um fim à sua engenharia social destrutiva e aos danos colaterais que está a provocar na economia mundial”
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