Pesquisar neste blogue

quarta-feira, maio 16, 2012

é preciso ter lata para alguém ainda defender o "mercado livre"

A defesa do “mercado” na concepção liberal considera-o como uma pura instância politica, pretensamente separada da economia e da sociedade civil; ignorando os ensinamentos de John Locke e Adam Smith no sentido de ser necessária uma intervenção na ordem social que se considera desejável para corrigir as injustiças sociais e, mais tarde, dos keynesianos e marxistas que estudaram a natureza da classe do Estado, desmontando com a sua crítica dos “mercados” o seu pretenso “carácter natural” que corrige só por si de forma automática uma inocente boa vontade para com os menos afortunados. Querer-se-ia dizer, no final do filme, como em “Tobacco Road”, há sempre um rico generoso que salva uma multidão de pelintras esfomeados. Mas na novela original de Erskine Caldwell não existia nenhum rico, nem a versão de salvar os pobres da degradação foi contemplada – a personagem do rico com bom coração foi inventada em Hollywood por esse escroque imperial-ilusionista que deu pelo nome John Ford 

Na óptica mais recente do filósofo do neoliberalismo, Friedrich Hayek, este defende que os “mercados” enquanto mecanismo se afirmam capazes de uma arbitragem neutral dos conflitos de interesses que “não pode ser justa nem injusta, porque os resultados não são planeados nem previstos e dependem de uma multidão de circunstâncias (pretensamente avulsas) que não são conhecidas na sua totalidade por quem quer que seja”. Hayek entende que só faria sentido falar de justiça ou injustiça acerca da distribuição social dos benefícios e dos ónus operados pelos mecanismos de mercado se essa distribuição fosse o resultado da acção deliberada de alguma pessoa ou grupo de pessoas, condição que não se verifica, porque o autor da teoria pressupõe que os mercados são mercados de concorrência pura e perfeita. O problema de Hayek reside no facto de a realidade não confirmar o pressuposto inicial: todos sabemos, com efeito, que “tais mercados de concorrência pura e perfeita nunca existiram e nunca hão-se existir”

“Um estudo recente de três investigadores do Institut Federal Suiço de Tecnologia com séde em Zurique (disponivel em http://arxiv.org/abs/1107.5728v2 )

... dá-nos conta do grau de concentração do poder económico-financeiro ao nivel dos centros de decisão a nivel mundial (1). Partindo da definição de empresas transnacionais adoptada pela OCDE, os autores seleccionaram 43.060 empresas de entre as registadas no banco de dados Orbi 2007. Neste conjunto de empresas, detectaram-se  mais de 600 mil participações directas e mais de um milhão de participações indirectas no capital de outras empresas. De entre elas, apuraram um núcleo constituido pelas 1318 mais poderosas empresas transnacionais, que representam directamente 20% do rendimento global. Uma análise mais fina permitiu-lhes concluir que cada uma destas empresas tem, em média, participações no capital de 20 outras grandes empresas, o que permite a este grupo de 1318 empresas transnacionais deter ou controlar, em conjunto, cerca de 60% da economia mundial.

Dentro deste grupo, o estudo identificou um núcleo mais restrito de 147 entidades (3/4 das quais são instituições financeiras, bancos, seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensões) que dominam grade parte das restantes: menos de 1% das entidades estudadas controlam 40% de toda a rede. Acresce que estas 147 entidades nucleares estão ligadas entre si por uma densa teia de participações cruzadas, o que faz delas o verdadeiro “governo” do mundo capitalista. Ficamos a saber o que são os “mercados” e compreendemos que estes “mercados” não são compativeis com a democracia.

Em outro plano, compreendemos que, neste mundo controlado pelo capital financeiro, falar de concorrência não faz qualquer sentido. E compreendemos também que a concentração do capital capital se traduziu na supremacia do capital financeiro que controla os centros de decisão à escala mundial. Fica claro o significado último da tão falada financeirização da economia. E fica claro também por que é que o fenómeno descrito, para além de acentuar a supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, veio facilitar o contágio dos riscos entre os vários componentes do mesmo grupo, propiciando a convergência e a acumulação do risco num núcleo mais restrito de centros de decisão. Nisto consiste o risco sistémico: se uma destas entidades entra em colapso, a doença pode transformar-se rapidamente em pandemia à escala global”

(1) "A Crise do Capitalismo: Capitalismo, Neoliberalismo, Globalização", António Avelãs Nunes, Edições Página a Página, 2012
.

Sem comentários: