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quarta-feira, dezembro 11, 2013

Lenine e Portugal

Vladimir Ilitch Ulianov “Lenine” analisando as conjunturas nacionais e internacionais no 2º quartel do século XIX mencionou Portugal por diversas vezes em notas dispersas. Embora as situações pareçam já distantes (1908-1918) e de certo modo incompreensíveis, um dado essencial permanece: a dependência portuguesa do exterior (a dívida externa resultante da 1ª Grande Guerra que terminou em 1918 só acabou de ser paga em 2001) e as inibições estruturais com que ainda se debate a sociedade portuguesa contemporânea.

Na sua periodização histórica, Lenine situa a causa da dependência a partir de 1714, data do fim da Guerra da Sucessão espanhola (1) que termina com o Tratado de Methuen, que teve uma edição prévia no “Tratado dos Panos e Vinhos”, assinado entre a Inglaterra e Portugal, em Dezembro de 1703. Os seus negociadores foram o embaixador extraordinário britânico John Methuen, por parte da Rainha Ana da Inglaterra, e D. Manuel Teles da Silva, marquês de Portugal e, nos seus termos, os portugueses comprometiam-se a consumir os têxteis britânicos (de alto valor acrescentado) e, em contrapartida, os britânicos, os vinhos de Portugal em bruto, cuja posse viriam aliás brevemente a adquirir na origem. Com apenas três artigos o texto desse Tratado é mais reduzido da história diplomática europeia (2). Com este negócio, comenta Lenine, “a Inglaterra obteve em troca vantagens comerciais, melhores condições para a expansão de mercadorias e, sobretudo, para a exportação de capitais para Portugal e suas colónias, pôde utilizar os portos e as ilhas de Portugal, os seus cabos telegráficos, etc.” (3). Confirma-se assim as teses de Antero de Quental e de Alexandre Herculano sobre as “causas da decadência dos povos peninsulares”, recuando ainda mais, a partir do século XVI, que são três: 1ª. a Contra-Reforma dirigida pelos Jesuítas, 2ª. a Centralização Política realizada pela Monarquia Absoluta. 3ª. o Sistema Económico de mera intermediação resultante dos Descobrimentos (4)

A expansão imperialista europeia para a África e Ásia e a crescente influência alemã que ameaça ultrapassar a Inglaterra no plano industrial é intensificada a partir de 1880. A crescente presença alemã, francesa e inglesa no continente africano ameaçavam a hegemonia portuguesa historicamente adquirida. A oligarquia monárquica à frente dos destinos de Portugal, sempre navegando para o lado onde sopra o melhor vento tomou partido pela Alemanha; e essa aliança luso-germânica dariam origem ao Ultimato inglês entregue sobre a forma de um Memorando em 1890 o que gerou uma onda de indignação popular que trazia no seu seio a aspiração de derrubar a monarquia e instaurar um governo de regime republicano.  

A partilha entre potências (5) foi regulamentada em 1885 pela Conferência de Berlim. A parte do acordo sobre África integrou Portugal no circuito de exploração colonial, atribuindo-lhe vastos territórios entre os reinos do Congo e N`gola e a contracosta oriental no Índico, salvaguardando porém o centro africano, Rodésia, Zambézia e o Transvaal para a Inglaterra, garantindo-lhe assim uma rota continua entre o Cabo e o Cairo, pondo termo às aspirações nacionais expressas no Mapa Cor-de-Rosa (6). Na sequência os territórios “portugueses” foram ocupados de facto e submetidos através das campanhas de “pacificação”. Os alemães competem a leste no desmembramento do Império Otomano, e em África ocupando a parte a sul da terra dos Cuanhamas (Namibia). Lenine comentaria depois: “Se, outrora, pelo direito do mais forte, a Inglaterra arrancou terras à Holanda e a Portugal, hoje a Alemanha entrou em cena declarando: “é a minha vez de enriquecer à custa dos outros” (7)

No primeiro artigo de Lenine o rei de Portugal é tratado por “o aventureiro coroado” e a crítica vai no sentido de desmistificar as posições da imprensa europeia (cujos escribas são chamados de “lacaios ‘democráticos’ da burguesia moderna) sobre “os profissionais dos regicidios” (8) - “as simpatias do proletariado socialista vão sempre para o lado dos republicanos contra a monarquia. Mas, até ao momento presente, em Portugal, só conseguiram assustar a monarquia com o assassinato de dois monarcas, e não conseguiram esmagá-la”. Comparando a revolução burguesa pela implantação da República nos anos que antecederam 1910, e a revolução russa de 1905-1907, que sendo igualmente uma revolução burguesa teve, no entanto, um carácter acentuadamente popular Lenine verifica que em Portugal «a massa do povo, a sua imensa maioria, não intervém de uma forma visível, activa, autónoma, com as suas reivindicações económicas e políticas próprias»
A politica contrária aos interesses da Nação… a erosão do sistema partidário vigente, e a tentativa por parte do Rei de arbitrar um sistema político que negava a Constituição, de apoiar o Partido Regenerador Liberal , viria a resultar na instauração da ditadura pela mão do seu líder João Franco. O crime do Terreiro do Paço que abateu o Rei e o seu herdeiro (9) marcou profundamente a História de Portugal e o termo irreversível da última tentativa de reforma da Monarquia Constitucional, e consequentemente, provocando uma nova escalada de violência na vida pública do País.

A Assembleia Constituinte da República reunida em 1911 sob a égide do governo provisório de Afonso Costa deu ao país uma Constituição progressista para o seu tempo, e que garantia as liberdades democrático-burguesas fundamentais. (10)
Mas, O Imperialismo tende a substituir a democracia pela oligarquia. O que conduz à necessidade de reconhecimento do regime republicano pelas “potências”. Com o Tesouro Público à beira da bancarrota, na necessidade de preservar as colónias, se explica em boa parte o envolvimento de Portugal na guerra de 1914-18. Na opção pelas concepções politicas em confronto, a via intermédia é a mais nociva, a que venera “todos os mortos”, quer dizer, tanto o Rei como os seus assassinos. A questão da violência, do carácter individual e limitada na luta revolucionária. O assassinato do rei deu testemunho de um elemento “terrorista” e conspirativo, quer dizer, impotente, que na sua essência, pela sua fraqueza, não logra atingir o seu objectivo, verdadeiramente regenerador, aquele que tornou célebre a Revolução Francesa. Na perspectiva de Lenine o problema não poderá ser solucionado pelo Partido Republicano, devido ao seu carácter burguês, embora as simpatias do proletariado socialista fossem sempre para o lado dos republicanos contra a monarquia. É necessário um Partido proletário que dirija a luta, não só que derrube a monarquia, mas também que lute pela instauração de um regime Socialista” (Lenine, in “Suiça, resposta a Piatakov”)

A versão do Partido Socialista Português dessa época nunca apostou verdadeiramente na luta pela República, de modo a extirpar definitivamente as relações de produção feudais (como viria a acontecer na Rússia em 1917). O Partido Socialista , na pessoa do seu secretário-geral Azedo Gneco é, ao inverso, acusado de cooperar com a monarquia. As provas contra Gneco são encontradas nos “Documentos Politicos encontrados nos Paços Reais” em 1916, onde se anota que os socialistas pretendiam obter certos benefícios em troca do esforço para afastar o movimento operário da influência do Partido Republicano. (tal e qual como o actual partido dito “comunista” se concilia com o regime parlamentar burguês, por troca com a sobrevivência de ambos). A defesa da luta dos operários pela República é uma fase que é necessário percorrer para se atingir uma nova ordem social, favorável à melhoria de condições da classe operária. Requer a participação activa como sujeito interventivo das massas exploradas em movimentos revolucionários, populares e não burgueses” (in “O Estado e a Revolução”). Em Portugal a massa do povo, a sua imensa maioria, não intervém de forma visível, activa, autónoma, com as suas próprias reivindicações económicas e politicas”

Desde o fim da Ditadura em 1915, passando por 1916, até ao golpe de Estado de Sidónio Paes em Dezembro de 1917, Portugal inicia e intensifica o seu esforço de guerra. Sob a égide do governo da “União Sagrada” é autorizada a contratação de novos empréstimos para cobrir as despesas com a constituição do Corpo Expedicionário Português à 1ª Grande Guerra comandado por Norton de Matos e forças militares enviadas para as colónias. Nesse mesmo ano na Rússia, no mês de Outubro, o Partido Bolchevique toma o poder e recusa o pagamento das dividas contraídas pelo Czar para sustentar a desgraça do povo envolvido à força numa guerra que não era dele.  Em Portugal, a politica nacional é concertada dentro do quadro da aliança com a Inglaterra, em nome da preservação do património colonial. Em Abril é criada a sopa dos pobres em Lisboa. A primeira aparição em Fátima de Nossa Senhora aos três pastorinhos acontece em Maio. Comentando a situação (“a guerra imperialista pela partilha de zonas de influência entre potências anula a diferença entre República e Monarquia”) Lenine classifica Portugal de “nação adventista”, reduzindo o país ao papel de “satélite britânico, entre os mais cristalinos exemplos de dependência onde, apesar de tudo, são consentidas algumas veleidades de soberania (formal), desde que o essencial da dominação (real) não seja posta em causa”, concluindo: “a guerra imperialista actual mostra-nos exemplos de como se consegue, pela força dos laços financeiros e dos interesses económicos (embora encobertos pela economia clássica) arrastar um pequeno Estado, sem que exista violação da independência politica, para a luta entre as grandes potências (…) É unicamente devido ao apoio da Grã-Bretanha que Portugal consegue conservar as suas colónias (…) uma vez mais graças ao protectorado sobre Portugal, a Grã-Bretanha mantém não apenas a sua posição na África do Sul e a sua influência no Congo, mas também a sua supremacia nos mares, base sólida da sua potência colonial e da sua potência política e económica mundial”

o Conflito de Fachoda, provocado pela ambição da França ocupar o Egipto levou a uma ruptura momentânea com a Inglaterra, logo colmatada pela necessidade de enfrentar a voracidade alemã, esteve na origem da ameaça de partilha das colónias portuguesas em África, caso Portugal não cumprisse com o pagamento dos seus compromissos financeiros” (Lenine, nos “Cadernos do Imperialismo - Pacifismo burguês e Pacifismo socialista). A quezilia terminaria com a Entente Cordiale celebrada em 1904 entre as monarquias da Inglaterra e da Rússia e a república Francesa - a França, possuidora do segundo exército e da ainda segunda marinha do mundo e modelo de todas as "virtudes republicanas" almejadas pelos seguidores do Partido Republicano Português - tinha sido derrotada sem combate. Imitando as manifestações de oito anos antes nas ruas de Lisboa, Paris indignou-se, mas cedeu. A única diferença, consistiu no simples facto do episódio de Fachoda ter cumprido todos os requisitos exigidos pelo Congresso de Berlim. Com territórios explorados, ocupados e formalmente anexados, parecia inevitável a sua posse pela França, mas tal não aconteceu. Na realidade, o Ultimatum britânico a Paris em 1898, foi infinitamente mais humilhante que aquele enviado a Lisboa. No entanto, a grande lição a tirar do episódio foi a de vingar em Portugal a demagogia dos partidos que seria aliás apanágio e razão de ser da República de 1910.

A participação na guerra conduziu à instauração de um poder arbitrário da clique militar, que culminaria anos mais tarde e após uma miríade de peripécias no famigerado golpe do 28 de Maio e na Constituição fascista de 1933 que vigorou até à Constituinte de 1976; que ainda assim preservou muitos artigos da Constituição anterior, por omissão de regulamentação. Não fosse o diabo tecê-las e pôr em causa a conservação do poder militar.

em tempos de crise e penúria
notas
(1) Guerra Peninsular (1807-1814) a França de Napoleão aliada à Espanha dos Bourbons contra o Reino Unido que vem de facto gerir também militarmente o protectorado Portugal. http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Peninsular
(2) Tratado de Methuen
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Methuen#cite_note-1
(3) Lénine, “Cadernos do Imperialismo”
http://www.omilitante.pcp.pt/pt/306/Efemeride/411/
(4) “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”
http://pt.wikipedia.org/wiki/Causas_da_Decad%C3%AAncia_dos_Povos_Peninsulares
(5) A partilha de África
http://pt.wikipedia.org/wiki/Partilha_de_%C3%81frica
(6) O mapa Côr-de-Rosa
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ultimato_brit%C3%A2nico_de_1890
(7) Lenine: discurso a 23 de Outubro de 1918, sobre o tema “Porque Lutam os Comunistas”
(8) “O sucedido ao rei de Portugal”, Lénine, 1908 http://revolucionaria.wordpress.com/2009/08/24/o-sucedido-ao-rei-de-portugal-lenine-1908/
(9) O Regicidio de 1908
http://pt.wikipedia.org/wiki/Regic%C3%ADdio_de_1908
(10) Nikolai Efimov, "a Revolução de 1910 em Portugal”
http://dorl.pcp.pt/index.php/histria-do-pcp-menumarxismoleninismo-103/contributos-para-a-historia-do-movimento-operario-português  

1 comentário:

Bate n-avó disse...

Desconhecia este facto, Obrigado pela resenha.

Por falar em genocídio no século XX, para os que não sabem ou não se lembram, continua a ser negado pela parte envolvida, claro está, o Genocídio Arménio:

http://www.genocidioarmenio.com.br/oquee.html

http://www.construindohistoriahoje.com/2013/12/o-genocidio-armenio-parte-i.html#more