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quarta-feira, janeiro 24, 2007

flexi-segurança, flexi-esoterismo, flexi-produção

Alvin Toffler com a “Terceira Vaga” e o “Choque do Futuro” (sobre o impacto das novas tecnologias) foi colocado no pedestal do maior guru dos tempos modernos. Com o seu último “Os Novos Poderes” (Powershift) reincide trazendo-nos “um clímax de ideias que mudarão as nossas vidas” como se a sua aplicação prática não fosse já bem visivel. Diz-nos que a natureza dos poderes “no mundo dos supermercados e dos hospitais, bancos, emissores de cartões de crédito e escritórios de serviços, na televisão e nos telefones, na politica e nas nossas vidas, tudo está a mudar perante os nossos olhos”. “Powershift” faz o mapa das futuras guerras pelo conhecimento, as "info-wars" dos dias de amanhã; informa-nos que “os velhos antagonismos políticos passaram de moda, e identifica onde as novas divisões importantes vão aparecer – não já entre o Leste e o Oeste, nem entre o Norte e o Sul mas, entre aquilo que é Rápido e o que é Lento”. Aponta para a emergência de um tipo novo de empresa-flexivel ("flex-firm") como modelo livre contra as organizações burocráticas. O New York Times escreve que esta é uma análise profunda, uma síntese notável para a compreensão da nova civilização do século XXI – Endeusado pelos toques de trombetas dos arautos do neoliberalismo, há contudo uma pequena minudência que escapa a Alvin Toffler : é a questão essencial da posse dos meios de produção – nicles; esta questão é pura e simplesmente apagada, assim como qualquer referência à existência de classes sociais; por Alá!, agora somos todos iguais! - apesar de ser um teso, qualquer mortal pode ver o Zézé Camarinha, a Paula Teixeira da Cruz e o Dale Carnegie no Eleven - Estes dois tópicos é quanto basta para que este tipo de discurso esotérico tenha tanta relação com Economia Politica como o Paulo Coelho tem com a Literatura ( e no entanto ele vende). Basta dar uma vista de olhos pelos subtitulos que resumem os conteúdos da obra para rapidamente ser perceptivel que estamos perante um puro exercicio de esoterismo. Toffler, agora com 70 anos, imagina um novo sistema de criação de riqueza (acumulação capitalista) baseado no individualismo, na inovação e na informação – ou seja,
tirada a limpo, esta é a mesma conversa da treta pós-moderna de que se está a servir a coligação Cavaco-Sócrates. Vamos ver então o que já tinham os clássicos cerca de 1850 a dizer destas "novidades", ou por outras palavras, de onde é que Toffler e outros oportunistas liberais de fraque canibalizaram a retórica,

Marx na "Miséria da Filosofia"

“o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é uma luta de classe contra classe, uma luta que, levada a extremos, é uma revolução total. É surpreendente que uma sociedade fundada na oposição de classes culmine em contradição brutal, no choque de corpo contra corpo, como desenlace final?
Não digam que o movimento social exclui o movimento politico. Não existe movimento politico que não seja simultaneamente social. Somente numa ordem das coisas em que não haja mais classes é que as evoluções sociais deixarão de ser revoluções politicas. Até então, na véspera de todas as modificações gerais da sociedade, a última palavra da ciência social será sempre: “Combate ou morte, luta sanguinária ou extinção. A questão é, assim, inexoravelmente posta”

"Economia Totalitária e Paranóia do Terror" , Robert Kurz - Aviso aos náufragos - Crónicas do capitalismo mundializado em crise - Para lá da luta de classes.

"Os marxistas tradicionais ainda têm lágrimas nos olhos quando pronunciam as expressões "classe" e "luta de classes". A sua identidade como críticos do capitalismo começa e termina com estes termos. Mas na situação de um sistema capitalista uniformizado no início do século XXI, sob as condições de terceira revolução industrial, globalização da economia industrial e individualização social o paradigma teórico de classes do "proletariado" parece estranhamente empoeirado". (ler mais) Kurz e o Grupo Krisis, entre outros, reunidos em redor do “Manifesto contra o Trabalho” advogam o fim do trabalho assalariado como a saída da crise. É uma reacção temperamental, útil como contestação, contra a tentativa de construção do Império totalitário Mundial.

A maioria dos trabalhadores (65 por cento em Portugal e 75 por cento nos EUA) é hoje constituída por quadros, especialistas e técnicos que manipulam directamente informação. É possível religar os paradigmas marxista e digital?

Do Capitalismo ao Digitalismo”, Francisco Penim Redondo

“Sabe-se mas não se discute às claras: a teoria marxista do valor é insuficiente para compreender o que está em marcha no paradigma digital. Aliás, é por demais evidente que a nova esfera do trabalho assenta na automatização do trabalho repetitivo com degradação do assalariamento. Há cada vez menos mercadorias baseadas no tempo de trabalho, dado que o seu valor está, na vida actual, subordinado ao conhecimento nelas incorporado. Impõe-se ultrapassar a distinção feita por Marx entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo. Propõe-se que a mais-valia seja calculada não no fim de cada dia mas no fim do ciclo económico das mercadorias, desde o inicio da Produção incorporando-lhes também no valor acrescentado o circuito de Distribuição e Consumo até ao consumidor final. Ou seja, estabelecendo-se um valor de troca baseado em conhecimento. “Especialistas de todos os Saberes, Uni-vos!” (mais tópicos do livro podem ser lidos e discutidos aqui)

Esta tese padece do “efeito Toffler”, omite a possibilidade de se poder regulamentar todo o processo, desde aquilo que se produz até à distribuição daquilo que se consome, pondo fim à livre produção do supérfluo. Se os recursos são finitos o Consumo não pode ser livre nem infinito. Não pode nem deve ficar dependente de uma variável aleatória como é a vontade dos consumidores alienados. Muito menos o que se produz pode continuar livremente a ser determinado em função dos lucros das élites que controlam o sistema. Não leva em linha de conta a nova distribuição internacional do Trabalho, a deslocalização da produção material para os países de mão de obra barata, quase escrava – a China como a grande fábrica do mundo, a elite anglófona da Índia como prestadora de Serviços, o Brasil como fornecedor agro-pecuário, a Rússia e o Médio Oriente como fontes de abastecimento de energia.

Pelo meio destes campus move-se, sem fronteiras, a nova “burguesia Transnacional assentando vida luxuosa em ilhas de prosperidade cujo símbolo são os condomínios fechados. Enquanto cá fora, a degradação social avança. A luta de classes também se globalizou; foi transplantada para o campo internacional; por exemplo, “Não Rentáveis de Todos os países, Uni-vos !” é o grito da Alternativa Libertária

Marx em “Salário, Preço e Lucro

“portanto o Estado não tem existido eternamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, que não tiveram a menor noção do Estado ou do seu poder. Ao chegar a certa fase de desenvolvimento económico, que estava necessariamente ligada à divisão da sociedade em classes, essa divisão tornou o Estado uma necessidade. Estamos agora a aproximar-nos com rapidez, de uma fase do desenvolvimento da produção em que a existência dessa classes não só deixou de ser uma necessidade mas se converteu num obstáculo à própria produção. As classes irão desaparecer, de um modo tão inevitável como no passado surgiram. Com o desaparecimento das classes desaparecerá inevitavelmente o Estado. A sociedade, reorganizando de uma forma nova a produção, na base de uma associação livre de produtores iguais, remeterá toda a máquina do Estado para o lugar que lhe há-de corresponder: o museu de antiguidades, ao lado da roca de fiar e do machado de bronze.”

O dado fundamental que define o Neoliberalismo (com Friedman) é ver a moeda, não já como um instrumento que mede uma relação social (como em Marx, ou no Liberalismo de Keynes), mas sim como neutra, isto é, como uma mercadoria, a moeda é um material como outro qualquer, que se vende, empresta e troca em apoio do consumo, apenas para obter lucro na forma de juros, sem que lhe seja acrescentada mais-valia concreta ao seu valor – a moeda dos Bancos Centrais converteu-se num anti-Valor: a estrutura de dominação imperialista que provoca a erosão das relações sociais e a destruição da esfera pública, que submete, arrasa e destrói os Estados periféricos, transformando-os em párias (Chomsky)
Os regimes periféricos que intentarem a modernização capitalista, já agónica mesmo nos países centrais, transformar-se-ão inexoravelmente em regimes de terror contra os seus próprios cidadãos. A Economia politica da presente hegemonia imperfeita, a expansão das formas capitalistas modernas não só não é obstada pela existência de formas sócio-econômicas atrasadas, como é delas que se alimenta para manter ou elevar as taxas de lucro.

Tornar Possível o Impossível – a Esquerda no Limiar do Século XXI”, Marta Harnecker

“Contudo, não há dúvida de que a explicação mais importante desta crise teórica é a inexistência de um estudo crítico do capitalismo dos fins do século XX – o capitalismo da revolução electrónico- informática, da globalização e das guerras financeiras. Não falo de estudos parcelares, sobre determinados aspectos da sociedade capitalista actual – que sem dúvida existem – refiro-me a um estudo com a integridade e o espírito rigoroso com que Marx estudou o capitalismo da era industrial.
Em que se modifica, por exemplo, o conceito de mais- valia – conceito central da análise critica do capitalismo em Marx – com a introdução da máquina digital e da robótica, por um lado, e com o actual processo de globalização, por outro? Como afecta as relações técnicas e sociais de produção e as relações de distribuição e de consumo, a introdução das novas tecnologias no processo de trabalho? Que modificações sofreram tanto a classe operária como a burguesia numa era em que o conhecimento passa a representar um elemento fundamental das forças produtivas? (…) Quais são os elementos que podem constituir uma base objectiva potencial para a transformação deste modo de produção?

Antivalor - A importância da crítica do Valor”, Francisco Oliveira

”a formação de uma nova sustentação da produção e da reprodução do Valor, introduzindo, misturando, na mesma unidade, a forma Valor e o Anti-Valor, isto é, um Valor que se reproduz na forma clássica de acumulação capitalista na busca de mais-valia e o lucro, e uma outra fracção – o Anti-Valor por não buscar valorizar-se per si, pois não é Capital, sustenta artificialmente o processo de valorização do Valor”. (ler mais)

A mercadoria é o nexo que estrutura a sociedade moderna. Todos os indivíduos, coisas e actividades sociais tomam a forma de mercadoria - como "formas de existência do valor". O moderno sistema produtor de mercadorias, ao contrário de Marx, funciona como esfera separada, maquinal e independente da vontade dos indivíduos. Os sujeitos foram, assim, eles próprios convertidos em objectos e produto das relações sociais, que além de factores produtivos são também contabilizados como “consumidores”; o valor passou a ser uma fantasmagoria que, como se tivesse vida própria, como se "tivesse amor no corpo" (Marx), dita e controla as próprias condições de vida dos seres sociais.

Pátria, Empresa e Mercadoria

“a flexibilidade, globalização e complexidade da nova economia do mundo exigem o desenvolvimento do planeamento estratégico, apto a introduzir uma metodologia coerente e adaptativa face à multiplicidade de sentidos e sinais da nova estrutura de produção e administração”
Manuel Castells, citado no ensaio de Carlos B. Vainer sobre “Planeamento Estratégico Urbano” (no conceito de Cidade-Pátria) Porto Alegre, 1999
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