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sexta-feira, março 31, 2006

o Triunfo do irracional à solta!


a propósito do remake da rábula dos 6%

“Por todos os cantos se escuta a lamúria do défice, preocupação maior dos responsáveis ou dos candidatos a responsáveis. Mas o défice aflitivo é outro, de bem diversa natureza: é o ético-moral traduzido na banalização da desonestidade, na desvalorização do carácter, da bondade, do altruísmo, das convicções genuínas, da racionalidade estratégica, do esforço. O mais preocupante já não é a crise de valores, mas sim a qualidade de valores que se promovem. Eis o que mais nos deve afligir; porque esta carência é das profundezas: habitual sintoma de intensa crise civilizacional. Mas os que exercem funções de mando, insistem em focar a atenção no défice económico-financeiro, dizendo serem os cortes orçarmentais necessidade imperiosa, mas logo tolerando escandaloso dispêndio de milhões em multa por recorde de poluição na nossa capital. Triunfo do irracional à solta!
O antes dito exemplifica a meia verdade, característica do discurso dominante. Essa que resvala para a pura mentira. Constrói-se multi-cascatas de meias verdades, indutoras do irracional e da confusão. Apregoa-se a democracia que temos - a real-como sendo a única concebível, o melhor regime possível. Assim se estabelece a mágica unidade entre a democracia e o capitalismo. Falácia acrescida desta outra: a democracia esgota-se na democracia política. Em paralelo, é avançada a ideia de que o progresso e o bem-estar só podem germinar a partir desse único regime: a democracia real; em que o cidadão escolhe em liberdade representantes, assim se tornando efectivo condutor da sua existência. Silencia-se o efeito da manipulação, da demagogia - a que gosto de chamar efeito Iago-, a influência determinante de sociedades secretas ou semi-secretas (Grupo de Bilderberg); oculta-se ainda o efeito devastador da ignorância, da incultura, da falta de informação, da infinitude da estupidez.
Mirífico conjunto de meias verdades, cada vez mais metamorfoseadas em puras falsidades, através das quais o discurso dominante semeia confusão – elemento essencial à manutenção de dependências, desigualdades e poderes discricionários. Monumental engano, de esquerdas e direitas, o ter longamente acreditado que o Zé livre eleitor sempre votaria de acordo com os seus interesses, assumindo poder real. Ilusão pensar-se ser a boa organização social efeito directo do regime, pois nenhum regime é bom se a todos os níveis a vara do mando não estiver depositada nas mãos dos que revelem qualidade de elite. Essencial para que haja progresso é existirem boas elites; e essas constroem-se investindo em actividades que, como notou John Stuart Mill, se podem desenvolver indefinidamente: a educação, a busca racional do conhecimento, a cultura, as artes, os desportos. É ilusão supor que a democracia real, estribada nas falácias de que a maioria tem sempre razão e de que o voto de um ignorante vale sempre o mesmo do que o de um sábio, irá melhorar o mundo.
Há uma evidência consensual mas disfarçada: a necessidade de forte redução da pressão ecológica (decrescimento). Para isso a racionalidade tem que se sobrepor à irracionalidade proliferante. A democracia real só agrava a situação. A redução da pressão ecológica só se poderá operar fora do capitalismo. Urge que a Razão humana invente novo sistema e regime. Este será necessáriamente eco; mas o risco de ecototalitarismo é real. Criar o que baptizo de “ecoparticipadorismo antitotalitário (ecoparticipadocracia)” é inadiável missão do racionalismo político de esquerda”.

João Maria de Freitas Branco, autor deste texto, que escreveu isto antes das presidenciais perguntava então:
“Poderá vir de Belém alguma Luz preferencial?”
Nicles. Duvido até que, se o novo inquilino, por mero acaso alguma vez lesse isto, compreendesse do que é que se tratava.

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