Num texto reaccionário publicado pela Editora Nacional
Gabriela Mistral (1) podia ler-se:
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“em 1970 o Chile estava infiltrado pela estratégia dos Estado totalitários (…)
A economia do país era, em grande percentagem, propriedade estatal e o resto estava sujeito a fortes
controlos e ingerências do Estado, o que aplanava o caminho ao comunismo”
O
uso da mentira como parte integrante da ideologia neoconservadora,
desde fascistas a neoliberais “de esquerda”,
é recorrente.
O jornalismo corporativo conta muito pouco desta história
O
Governo de Unidade Popular que integrava três forças politicas (uma delas o da Democracia Cristã travestida de esquerda) todas elas reformistas, numa “união” presidido por
Salvador Allende tomou posse no dia 4 de Setembro de 1970.
Não era um governo revolucionário, nem o tecido económico com os mais importantes sectores das riqueza do país nas mãos de empresas estrangeiras tencionava expropriá-las a preços que “não fossem apropriados”.
A indústria do Cobre representava 77% das receitas nacionais e estava, salvo pequenas franjas de pequenos accionistas,
na posse de monopólios norte americanos (como a Anaconda ou a Kennecott). A dívida externa do Chile, somados os juros, atingia nesse ano de 1970 a astronómica quantia para a época de 4 mil milhões de dólares (2). O aparelho politico-Militar era hierarquizado por quadros superiores formado na tristemente famosa “Escuela para las Américas” de Fort Bragg. Neste contexto a defesa da Constituição liberal estava entregue às Forças Armadas, que “
se abstinham” de intervir na politica, cumprindo a velada
doutrina Schneider, que defendia os interesses privados dos investidores estrangeiros, isto é, a mesma política de Defesa dos interesses públicos do governo dos Estados Unidos.
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A nacionalização da
Grande Indústria Mineira do Cobre era
uma reinvindicação histórica absoluta. Em Janeiro de 1971 o texto da Reforma Constitucional que previa a
necessidade e urgência de uma completa nacionalização das companhias norte-americanas foi votado no Congresso da República do Chile e ratificada por unanimidade por todos os partidos chilenos, incluindo os de direita. Os montantes estabelecidos para as indemnizações foram calculados por forma a pagar-se preços muito superiores ao valor corrente dos activos aos grandes accionistas e aos bancos estrangeiros (e preços miseráveis aos pequenos accionistas locais). Ainda assim, quando a 21 de Dezembro o Governo pôs em cima da mesa a
intenção de subtrair a esses valores os créditos obtidos e usados de forma fraudulenta por essas empresas, os Estados Unidos puseram em acção o arsenal legal do seu sistema jurídico interno para proteger os investimentos privados no estrangeiro e acusaram o Chile de pretender cometer “
um acto ilícito”. Escaldados com o que se tinha passado em
Cuba, tudo isto tinha sido previsto...
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Se o presidente democraticamente eleito
Salvador Allende tomou posse a 4 de Setembro de 1970, os documentos com as declarações do briefing de Henry Kissinger à Comissão do Senado em Chicago transmitindo ao embaixador em Santiago do Chile Edward Korry “
luz verde para agir com medidas anti-governo socialista em nome do presidente Nixon” tem a data de semana e meia depois:
15 de Setembro de 1970. Os efeitos do boicote económico foram imediatos e brutais. Em Outubro houve ofertas de fundos financeiros de 10 milhões de dólares (3) às forças de extrema direita através do chamado “
complot da ITT” (4), soma que atingiria no final do investimento para a desestabilização do Chile os 800 milhões. Começaram os actos terroristas; o general René Schneider foi assassinado para provocar a reacção dos partidos radicais de esquerda e servir de pretexto para uma futura intervenção militar. Os bancos norte-americanos reduziram o acesso do Chile ao crédito num total de 220 milhões em Novembro e mantiveram essa essa politica “de austeridade” até 1972. Em Julho de 1971 o Eximbank denunciou um contrato para o fornecimento de aviões, o BID e o Banco Mundial, sob proposta do Departamento de Estados EUA boicotaram todos os créditos às importações. O Broden Corp. em Janeiro de 1972 fez bloquear todas as principais agências chilenas relacionadas com a indústria do Cobre chileno no estrangeiro, congelando fundos em dinheiro nos Estados Unidos e em vários países europeus.
"
Estamos no meio de um Vietname invisivel e silencioso" (
Allende)
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Em 1973, como resultado do programa de boicote económico, as reservas do Banco Central do Chile tinham baixado de 450 milhões para 3,5 milhões de dólares. O défice fiscal chegou aos 50% do PIB. A dívida externa começou a aumentar à razão de 1 milhão de dólares por dia.
A inflação atingiu os 740%. Privada das exportações o total da
economia do país decresceu 35%. Em visita ao Chile, no seu discurso de despedida Fidel Castro deixou uma advertência para a
fraca mobilização popular para combater o plano de ingerência imperialista. Ainda assim, a 14 de Julho de 1973 o Comité Económico de Ministros do Chile informava terem sido nacionalizadas e ocupadas por organizações populares e de trabalhadores um total de 34.000 empresas e serviços. Enganados pelas promessas reformistas do governo "socialista" a batalha pela abstracta "emancipação dos trabalhadores" estava porém perdida. Porque aquilo que interessava de facto exclusivamente aos interesses imperialistas, coadjuvados pelos interesses da burguesia local era apenas destruir para preservar a exploração desenfreada das riquezas do Chile.
Como se viu e continua a ver-se. E são este tipo de monstros que qualquer governo reformista será sempre incapaz de decapitar.
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A 11 de Setembro de 1973 a Força Aérea
bombardeou o palácio presidencial e as Forças Armadas colocaram o
general Augusto Pinochet no poder onde permaneceu até 1990 fazendo da
República do Chile cobaia para primeira experiência prática do Neoliberalismo da Escola Económica de Chicago. Estima-se que apenas na primeira semana do putsch militar foram assassinadas
mais de mil pessoas; prosseguindo depois a purga que, quatro meses depois, já tinha levado a cabo cerca de
20.000 assassinatos entre civis e
militares afectos à democracia (5)
“E foi assim que eles fecharam o país ao mundo por uma semana, enquanto os tanques rolavam, os soldados arrombavam portas, o som das execuções estrelejavam dos estádios e os corpos se empilhavam ao longo das ruas e flutuavam nos rios, os centros de tortura iniciaram as suas actividades, os livros considerados subversivos eram atirados a fogueiras, e os soldados rasgavam as calças das mulheres aos gritos de "no Chile as mulheres usam saias"…(6)
Em 1976 o secretário de Estado
Henry Kissinger num discurso sobre direitos humanos na OEA fazia o elogio ao General Pinochet igualmente presente: “Vossa Excelência está a ser vítima de todos os grupos de esquerda do mundo e o seu maior pecado não foi outro senão derrubar um governo que se converteu ao comunismo”
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(1) Resgatado no espólio pessoal dos donos da Livraria Barata com o sugestivo título "Técnica Soviética para a Conquista do Poder Total", Braga Editora, 1975
(2)
Dívida contraída de forma odiosa de 2975 milhões a que se somavam os juros especulativos acumulados de 1.025 milhões de dólares(3) Kissinger disse na reunião que "o Presidente Nixon decidiu que um regime Allende no Chile não é tolerável para os Estados Unidos. O Presidente pediu à agência [CIA] que previna a chegada de Allende ao poder ou o derrube. O Presidente autorizou dez milhões de dólares para essa finalidade, se necessário.(...) -
ver fac-simile do documento(4) ref. ao livro de Anthony Sampson
“The Sovereign State of ITT”. Ver também "“
Destabilizing Chile: The United States and the Overthrow of Allende” de
Stephen M. Streeter e ainda
“From CIA to University of Califórnia”(5) As i nvestigações para apuramento das verdadeiras responsabilidades dos crimes prosseguem na actualidade
(fonte)(6)
William Blum, "
Killing Hope", p. 215
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