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quarta-feira, setembro 21, 2011

O outro 11 de Setembro: a actuação da CIA na liquidação da democracia no Chile

Num texto reaccionário publicado pela Editora Nacional Gabriela Mistral (1) podia ler-se:

“em 1970 o Chile estava infiltrado pela estratégia dos Estado totalitários (…) A economia do país era, em grande percentagem, propriedade estatal e o resto estava sujeito a fortes controlos e ingerências do Estado, o que aplanava o caminho ao comunismo”
O uso da mentira como parte integrante da ideologia neoconservadora, desde fascistas a neoliberais “de esquerda, é recorrente.

O jornalismo corporativo conta muito pouco desta história





















O Governo de Unidade Popular que integrava três forças politicas (uma delas o da Democracia Cristã travestida de esquerda) todas elas reformistas, numa “união” presidido por Salvador Allende tomou posse no dia 4 de Setembro de 1970. Não era um governo revolucionário, nem o tecido económico com os mais importantes sectores das riqueza do país nas mãos de empresas estrangeiras tencionava expropriá-las a preços que “não fossem apropriados”. A indústria do Cobre representava 77% das receitas nacionais e estava, salvo pequenas franjas de pequenos accionistas, na posse de monopólios norte americanos (como a Anaconda ou a Kennecott). A dívida externa do Chile, somados os juros, atingia nesse ano de 1970 a astronómica quantia para a época de 4 mil milhões de dólares (2). O aparelho politico-Militar era hierarquizado por quadros superiores formado na tristemente famosa “Escuela para las Américas” de Fort Bragg. Neste contexto a defesa da Constituição liberal estava entregue às Forças Armadas, que “se abstinham” de intervir na politica, cumprindo a velada doutrina Schneider, que defendia os interesses privados dos investidores estrangeiros, isto é, a mesma política de Defesa dos interesses públicos do governo dos Estados Unidos.

A nacionalização da Grande Indústria Mineira do Cobre era uma reinvindicação histórica absoluta. Em Janeiro de 1971 o texto da Reforma Constitucional que previa a necessidade e urgência de uma completa nacionalização das companhias norte-americanas foi votado no Congresso da República do Chile e ratificada por unanimidade por todos os partidos chilenos, incluindo os de direita. Os montantes estabelecidos para as indemnizações foram calculados por forma a pagar-se preços muito superiores ao valor corrente dos activos aos grandes accionistas e aos bancos estrangeiros (e preços miseráveis aos pequenos accionistas locais). Ainda assim, quando a 21 de Dezembro o Governo pôs em cima da mesa a intenção de subtrair a esses valores os créditos obtidos e usados de forma fraudulenta por essas empresas, os Estados Unidos puseram em acção o arsenal legal do seu sistema jurídico interno para proteger os investimentos privados no estrangeiro e acusaram o Chile de pretender cometer “um acto ilícito”. Escaldados com o que se tinha passado em Cuba, tudo isto tinha sido previsto...

Se o presidente democraticamente eleito Salvador Allende tomou posse a 4 de Setembro de 1970, os documentos com as declarações do briefing de Henry Kissinger à Comissão do Senado em Chicago transmitindo ao embaixador em Santiago do Chile Edward Korry “luz verde para agir com medidas anti-governo socialista em nome do presidente Nixon” tem a data de semana e meia depois: 15 de Setembro de 1970. Os efeitos do boicote económico foram imediatos e brutais. Em Outubro houve ofertas de fundos financeiros de 10 milhões de dólares (3) às forças de extrema direita através do chamado “complot da ITT” (4), soma que atingiria no final do investimento para a desestabilização do Chile os 800 milhões. Começaram os actos terroristas; o general René Schneider foi assassinado para provocar a reacção dos partidos radicais de esquerda e servir de pretexto para uma futura intervenção militar. Os bancos norte-americanos reduziram o acesso do Chile ao crédito num total de 220 milhões em Novembro e mantiveram essa essa politica “de austeridade” até 1972. Em Julho de 1971 o Eximbank denunciou um contrato para o fornecimento de aviões, o BID e o Banco Mundial, sob proposta do Departamento de Estados EUA boicotaram todos os créditos às importações. O Broden Corp. em Janeiro de 1972 fez bloquear todas as principais agências chilenas relacionadas com a indústria do Cobre chileno no estrangeiro, congelando fundos em dinheiro nos Estados Unidos e em vários países europeus.

"Estamos no meio de um Vietname invisivel e silencioso" (Allende)

Em 1973, como resultado do programa de boicote económico, as reservas do Banco Central do Chile tinham baixado de 450 milhões para 3,5 milhões de dólares. O défice fiscal chegou aos 50% do PIB. A dívida externa começou a aumentar à razão de 1 milhão de dólares por dia. A inflação atingiu os 740%. Privada das exportações o total da economia do país decresceu 35%. Em visita ao Chile, no seu discurso de despedida Fidel Castro deixou uma advertência para a fraca mobilização popular para combater o plano de ingerência imperialista. Ainda assim, a 14 de Julho de 1973 o Comité Económico de Ministros do Chile informava terem sido nacionalizadas e ocupadas por organizações populares e de trabalhadores um total de 34.000 empresas e serviços. Enganados pelas promessas reformistas do governo "socialista" a batalha pela abstracta "emancipação dos trabalhadores" estava porém perdida. Porque aquilo que interessava de facto exclusivamente aos interesses imperialistas, coadjuvados pelos interesses da burguesia local era apenas destruir para preservar a exploração desenfreada das riquezas do Chile. Como se viu e continua a ver-se. E são este tipo de monstros que qualquer governo reformista será sempre incapaz de decapitar.

A 11 de Setembro de 1973 a Força Aérea bombardeou o palácio presidencial e as Forças Armadas colocaram o general Augusto Pinochet no poder onde permaneceu até 1990 fazendo da República do Chile cobaia para primeira experiência prática do Neoliberalismo da Escola Económica de Chicago. Estima-se que apenas na primeira semana do putsch militar foram assassinadas mais de mil pessoas; prosseguindo depois a purga que, quatro meses depois, já tinha levado a cabo cerca de 20.000 assassinatos entre civis e militares afectos à democracia (5)

“E foi assim que eles fecharam o país ao mundo por uma semana, enquanto os tanques rolavam, os soldados arrombavam portas, o som das execuções estrelejavam dos estádios e os corpos se empilhavam ao longo das ruas e flutuavam nos rios, os centros de tortura iniciaram as suas actividades, os livros considerados subversivos eram atirados a fogueiras, e os soldados rasgavam as calças das mulheres aos gritos de "no Chile as mulheres usam saias"…(6)
Em 1976 o secretário de Estado Henry Kissinger num discurso sobre direitos humanos na OEA fazia o elogio ao General Pinochet igualmente presente: “Vossa Excelência está a ser vítima de todos os grupos de esquerda do mundo e o seu maior pecado não foi outro senão derrubar um governo que se converteu ao comunismo”

(1) Resgatado no espólio pessoal dos donos da Livraria Barata com o sugestivo título "Técnica Soviética para a Conquista do Poder Total", Braga Editora, 1975
(2) Dívida contraída de forma odiosa de 2975 milhões a que se somavam os juros especulativos acumulados de 1.025 milhões de dólares
(3) Kissinger disse na reunião que "o Presidente Nixon decidiu que um regime Allende no Chile não é tolerável para os Estados Unidos. O Presidente pediu à agência [CIA] que previna a chegada de Allende ao poder ou o derrube. O Presidente autorizou dez milhões de dólares para essa finalidade, se necessário.(...) - ver fac-simile do documento
(4) ref. ao livro de Anthony Sampson The Sovereign State of ITT. Ver também "“Destabilizing Chile: The United States and the Overthrow of Allende” de Stephen M. Streeter e ainda From CIA to University of Califórnia
(5) As i nvestigações para apuramento das verdadeiras responsabilidades dos crimes prosseguem na actualidade (fonte)
(6) William Blum, "Killing Hope", p. 215

Vayan a sus casas, besen a sus mujeres porque Chile sigue siendo una democracia" (Allende, em dircurso às massas que exigiam medidas radicais após o fracassado golpe militar de 29 de Junho)
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