Ao cronista, que não resistiria muito mais tempo incólume às interpelações dos leitores quando se aventurou num blogue com comentários abertos, não lhe basta o episódio, amplamente glozado, de usar como pseudónimo o nome do avô, militante comunista perseguido e preso, para suspeitar que, por aqui, fora das estâncias balneares, havia “qualquer coisa”. Existem inúmeros estudos académicos de historiadores que desmentem VPV, mas neste meio de comunicação mais aligeirado, que são os blogues, para lhe chamar impostor não é preciso ir mais longe, do que à época em que se jogou na Peninsula Ibérica o destino do Socialismo.
Para além das perseguições internas, deportações e exilios conhecidos, obviamente, Salazar preferiu apoiar o combate ao inimigo longe da sua porta. Táctica que não envelheceu nem acabou por aí. Ainda um dia destes, Anne Coulter, que é uma espécie de VPV de saias do regime Neocon além-Atlântico, se saiu com a seguinte bojarda: “É preferivel combatermos o inimigo nas ruas de Bagdad do que em Nova Iorque, onde os habitantes embrutecidos pela inacção se renderiam rápidamente”.
Claro que isto é para ser levado a sério, tal e qual como o recado, útil aos guerrófilos acólitos de Cavaco, de que “o fascismo nunca existiu”. Nem tampouco Jorge Botelho Moniz, parente próximo do actual director da TVI – oficial do Exército, fundador do Rádio Clube Português, e cooperante activo nas brigadas Viriato juntamente com muitos outros da mesma laia, ao serviço dos assassinos franquistas, "existiram", ou são para ser, inconvenientemente, recordados. Nem O generalissimo Franco, que se assinava "Caudilho pela graça de Deus" teve, de certezinha, alguma vez qualquer relação com o "brando regime católico de Salazar".
cartaz franquista
A propósito da efeméride dos 75 anos da República Espanhola (1931-2006) no nº 105 da revista “Politica Operária” questiona-se: “Que espécie de democracia vigora em Espanha?”,transcrevemos:“Só a pode tomar por uma democracia burguesa estável e “normal” quem esqueça que o actual regime saiu, por transicção negociada, de uma das mais ferozes ditaduras fascistas até hoje conhecidas, erguida sobre meio milhão de cadáveres”.
Neste aniversário do golpe militar de 1936 em Espanha, justifica-se uma pergunta aos que continuamente acusam a esquerda de ser adepta da violência: como, senão pela resistência dos trabalhadores em armas, poderia ter sido evitada a bárbara matança de Badajoz? Como, senão pela força, pode o povo impedir a repetição de tais monstruosidades?
Badajoz, Agosto 1936
“Em 1931, quando cai a monarquia e é proclamada a República, está eminente na Extremadura, como noutras partes de Espanha, um levantamento agrário. Como os sindicatos de operários agricolas exigem maiores salários e melhores condições de trabalho, os latifundiários reagem suspendendo os trabalhos agrícolas: “ a República que vos dê trabalho”. Com o desemprego a crescer nas aldeias, o povo começa a compreender que a República não se atreverá a limitar o poder dos “senhoritos”.
A lei da Reforma Agrária, adoptada em Setembro de 32 sob pressão do movimento camponês, não tem efeitos práticos. Em finais de 33 havia na Extremadura 35.000 assalariados agrícolas desempregados. No Inverno de 35-36, com a fome a alastrar nos campos, os trabalhadores agrícolas passam à acção. A 25 de Março de 36, sessenta mil camponeses da provincia de Badajoz ocuparam simultâneamente umas 3000 herdades e não se deixaram desalojar pela tropa. Iniciava-se a revolução agrária. É o ascenso do movimento proletário e camponês que determina a estrondosa vitória da Frente Popular nas eleições legislativas de Fevereiro de 1936 e que decide a oligarquia financeira e latifundiária a lançar-se no golpe de Estado. Contudo, apesar da sublevação militar eminente, o governo da República prosseguia na velha táctica de tentar aplacar a direita com concessões. Quase todos os cabecilhas da conspiração ocupavam postos de comando estratégicos, o que lhes deu vantagem desde os primeiros dias. A 18 de Julho, quando é declarado o golpe, os trabalhadores concentram-se em Cácerese Badajoz, reclamando armas para defender a República. Por toda a parte os governadores civis e a Guardia Civil recusam-se a armar o povo. Em Azuaga, a Guardia Civil dispara mesm sobre os trabalhadores, causando 17 mortes. Em Badajoz, só a decisão de milhares de camponeses e operários faz abortar a sublevação dos reaccionários. Entretanto já as tropas de Cáceres se haviam virado contra a República e a cidade caía nas mãos dos fascistas.
Perante a inoperância do governo republicano, formam-se por toda a Extremadura comités populares que assumem o poder. Os milicianos, em tremenda inferioridade de armamento, tentam travar o avanço das tropas rebeldes, mas são obrigados a recuar. A artilharia e a aviação alemã e italiana bombardeiam as localidades causando inúmeras vítimas civis. Em Almendralejo, onde a resistência republicana é particularmente forte, mais de mil pessoas são assassinadas depois de a cidade cair nas mãos das tropas mouras, legionários e falangistas. Em Talavera de laReina são fuzilados 600 camponeses. Mérida cai a 10 de Agosto. A 13 de Agosto, Badajoz é cercada pelos franquistas. A cidade, onde se amontoam os refugiados, estava a ser bombardeada desde o dia 9 pela aviação alemã e italiana, a qual partia com frequência de aeródromos portugueses junto à fronteira. Depois de horas de combates ferozes, os franquistas apoderam-se da cidade no dia 14 e desencadeiam uma matança como até aí não se vira. Durante a tarde e a noite centos de suspeitos de simpatias republicanas são arrancados das suas casas e assassinados nas ruas. Mas era só o começo. Pela madrugada, 1200 prisioneiros que tinham sido acumulados na praça de touros começam a ser ceifados pelas metralhadoras: milicianos e soldados, camponeses, jornaleiros, operários, pastores... Durante a manhã e nos dias seguintes o hediondo massacre prosseguiu, transformado em espectáculo, com a assistência de convidados (entre s quais latifundiários portugueses idos de Elvas e outras terras do Alentejo, como a abastado agricultor do Gavião, José Pequito Rebelo). O público sublinhava com aplausos a “lide” dos presos pelos falangistas, que usavam as baionetas como estoques. Quando os corpos na arena eram demasiados, camiões vinham retirá-los e a “tourada” recomeçava.
Calcula-se que tenham morrido nesses primeiros dias mais de 9.000 pessoas em Badajoz, entre comabtentes e assassinados, dos quais, mais de 4.000, sobretudo civis e milicianos, pereceram nas matanças da praça de touros.
Assim se cumpria a directiva circulada secretamente dois meses antes da sublevação dos generais: “Todo aquele que seja, aberta ou secretamente, defensor da Frente Popular deve ser fuzilado”. “Há que semear o terror, criar uma sensação de dominio, eliminando sem escrúpulos nem vacilação todos os que não pensam como nós” (Instrução Reservada nº1, de 25 de Maio de 1936)
Testemunhos
“Desde a queda de Badajoz, entre 50 a 100 pessoas são executadas diariamente. Os mouros e revolucionários estrangeiros saqueiam. A policia internacional portuguesa, sem querer saber do costume internacional, está devolver grande número de pessoas e centenas de refugiados republicanos a uma morte certa. Uma escolta a cavalo levou do posto fronteiriço do Caia para as linhas espanholas quatrocentos homens, mulheres e crianças. Destes, cerca de 300 foram executados. Em Campo Maior, um policia da alfândega diz-nos: “Claro que os estamos a entregar. São perigosos para nós. Não podemos ter vermelhos aqui em Portugal”
(reportagem de Jay Allen, no “The Chicago Tribune”, 30 de Agosto de 1936
“Há dez horas que a fogueira arde. Um cheiro horrivel penetra-nos pelas narinas, a tal ponto que quase nos revolve o estômago. Ouve-se de vez em quando uma espécie de crepiatr sinistro da madeira. Ao fundo, num degrau cavado na terra, com o aprovetamento da diferença de nivel, encontram-se, sobre as traves de madeira transversais, semelhantes às que se usam nas linhas férreas, numa extensão talvez de quarenta metros, mais de 300 cadáveres, na sua maioria carbonizados. Alguns corpos, arrumados com precipitação, estão totalmente negros, mas outros há em que os braços ou as pernas, intactos, escaparam às labaredas provocadas pela gasolina que derramaram sobre eles. O sacerdote que nos conduz tenta explicar-nos: - “Mereciam isto. Além disso, é uma medida de higiene indispensável”
(da reportagem, censurada e não publicada, de Mário Neves para o Diário de Lisboa, 15 de Agosto de 1936)
“Claro que os fuzilámos. Julga que ia levar comigo 4000 vermelhos enquanto as minhas colunas avançavam numa corrida contra relógio?”
(declaração do general franquista Yagüe ao New York Herald Tribune, Agosto de 1936
“Fomos à praça de touros. Filas de homens, na maioria camponeses, com as suas camisas azuis, mecânicos de fato macaco. São os vermelhos. Estão a ser guardados. Às quatro da madrugada levam-nos para a arena. Há metralhadoras à sua espera. Disse-se que, depois da primeira noite, o sangue subia um palmo acima do solo. Mil e oitocentos homens - havia mulheres também – foram ali ceifados em doze horas. Há mais sangue do que se possa imaginar em 1800 corpos”
(Jay Allen, no The Chicago Tribune, 30/8/36)
“Os nossos valentes legionários e regulares ensinaram aos vermelhos o que é ser homem. De caminho, também às mulheres dos vermelhos, que agora finalmente conheceram homens de verdade, e não castrados milicianos. Espernear e gritar não lhes servirá de nada”
(general franquista Queipo de Llano, em Sevilha, 1936)
Para aprofundar o tema,
* leia-se o livro “A Guerra Civil de Espanha -Achegas para a compreensão da intervenção portuguesa" – por José Varela Gomes, um dos participantes nas Brigadas Internacionais que esteve preso em Cáceres - Editora "Fim de Século", de que não consegui encontrar o link.
ou ainda:
* "Negócios Com os Nazis - O Ouro e Outras Pilhagens, 1933-1945 de António Louçã
* "the Spanish Civil War" na Wikipedia
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