“Quer o indicador seja a totalidade da população ou a percentagem dos empregados ou desempregados, cerca de três quartos dos portugueses não passam da escolaridade básica ou nem sequer a têm. Com o secundário, estão qualificados 14 por cento. Mas o dramático que o trabalho de Eugénio Rosa revela é que, ao ritmo a que vimos a andar, teremos que esperar 89 anos para chegar à média comunitária actual, que é de 68,9 por cento – se olharmos para os números do abandono escolar e os projectarmos no futuro, mantendo a cadência do presente, um calafrio percorre-nos a espinha: teremos de esperar 140 anos para atingir a actual média europeia (...)
Santana Castilho, no “Publico” - ler mais, aqui do artigo "Atrás da Europa a passo de tartaruga"
Vale a pena ler o link atrás referido para nos apercebermos do caricato da situação que a Educação em Portugal atravessa . Contudo inverter este estado de coisas não será possível sem que haja uma ruptura radical com o sistema, o que, devido à nossa insignificância só será admissivel face aos guardiães da estupidificação de massas, quando se revolucione e se importe algo de novo a partir do exterior. Compare-se e veja-se como nunca através do reformismo se alcançarão metas (pseudo) pós-capitalistas já obsoletas, face aos objectivos civilizacionais que, já há muito, demasiado tempo de inacção, se configuram no horizonte.
Edgar Morin, Edições Piaget, 1999
do prólogo:
“este texto antecede qualquer guia ou compêndio de ensino”
Capitulo I – As cegueiras do Conhecimento: o Erro e a Ilusão
• É espantoso que a educação que aspira a comunicar os conhecimentos permaneça cega sobre o que é o conhecimento humano, os seus dispositivos, as suas doenças, as suas dificuldades, as suas propensões para o erro como para a ilusão, e não se preocupe nada em dar a conhecer o que é conhecer.
• Com efeito, o conhecimento não pode ser considerado como um utensilio ready made, que se pode utilizar sem examinar a sua natureza. Também o conhecimento do conhecimento deve aparecer como uma necessidade primeira que serviria de preparação para afrontar riscos permanentes de erro e de ilusão que não param de parasitar o espírito humano. Trata-se de armar cada espírito para o combate vital pela lucidez.
• É necessário introduzir e desenvolver no ensino o estudo dos caracteres cerebrais, mentais, culturais dos cnhecimentos humanos, dos seus processos e das suas modalidades, das disposições tanto psíquicas como culturais que lhe permitem arriscaro erro ou a ilusão.
Capitulo II – Os principios de um conhecimento pertinente
• Existe um problema capital, ainda desconhecido, que é o da necessidade de promover um conhecimento capaz de apreender os problemas globais e fundamentais para aí inscrever os conhecimentos parciais e locais.
• A supremacia de um conhecimento fragmentado segundo as disciplinas torna muitas vezes incapaz de operar o vínculo entre as partes e as totalidades e deve dar lugar a um modo de conhecimento capaz de apreender os objectos nos seus contextos, nas suas complexidades, nos seus conjuntos.
• É necessário desenvolver a aptidão natural da inteligência humana para situar todas as suas informações num contexto e num conjunto. É necessário ensinar os métodos que permitem apreender as relações mútuas e influências reciprocas entre partes e todo num mundo complexo.
Capitulo III – Ensinar a condição humana
• O ser humano é em simultâneo fisico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. É esta unidade complexa da natureza humana que está completamente desintegrada no ensino, através das disciplinas, e tornou-se impossivel aprender o que significa ser humano. É necessário restaurá-la, de forma que cada um, onde quer que esteja, tome conhecimento e consciência em simultâneo da sua identidade complexa e da sua identidade comum com todos os outros humanos.
• Assim, a condição humana deveria ser um objecto essencial de todo o ensino.
• Este capitulo indica como é possivel, a partir das disciplinas actuais, reconhecer a unidade e a complexidade humanas, reunindo e organizando conhecimentos dispersos nas ciências da natureza, nas ciências humanas, na literatura e na filosofia, e mostrar o vínculo indissolúvel entre a unidade e a diversidade de tudo o que é humano.
Capitulo IV – Ensinar a identidade terrena
• O destino doravante planetário do género humano é uma outra realidade-chave ignorada pelo ensino. O conhecimento dos desenvolvimentos do ser planetário que vão aumentar no século XXI e o reconhecimento da identidade terrena, que será cada vez mais indispensável para cada um e para todos, devem tornar-se um dos maiores objectos do ensino.
• Convém ensinar a história do ser planetário, que começa com a comunicação de todos os continentes no século XVI, e mostrar como se tornaram intersolidárias todas as partes do mundo sem, no entanto, ocultar as opressões e as dominações que devastaram a humanidade e não desapareceram.
• Haverá que indicar o complexo de crise planetária que marca o século XX, mostrando que todos os humanos, doravante confrontados com os mesmos problemas de vida e de morte, vivem uma mesma comunidade de destino.
Capitulo V – Afrontar as incertezas
• As ciências fizeram-nos adquirir muitas certezas, mas revelaram-nos, igualmente, durante o século XX, inumeráveis campos. O ensino deveria comportar um ensino de incertezas que apareceram nas ciências psiquicas (microfisicas, termodinâmica, cosmologia), as ciências da evolução biológica e as ciências históricas.
• Haverá que ensinar os princípios de estratégia, que permitam afrontar os riscos, o inesperado e o incerto e modificar o seu desenvolvimento, em virtude das informações obtidas pelo caminho. É necessário aprender a navegar num oceano de incertezas através de arquipélagos de certezas.
• A fórmula do poeta grego Eurípides, que data de há vinte e cinco séculos, está mais actual do que nunca: “O esperado nunca se cumpre e para o inesperado um deus abre a porta”. O abandono das concepções deterministas da história humana que acreditavam poder predizer o nosso futuro, o exame dos grandes acontecimentos e acidentes do nosso século que foram todos inesperados, o carácter doravante desconhecido da aventura humana devem incitar-nos a preparar os espíritos para esperar o inesperado e afrontá-lo. É necessário que todos aqueles que têm o cargo de ensinar se apresentem como postos avançados da incerteza dos nossos tempos.
Capitulo VI – Ensinar a compreensão
• A compreensão é simultaneamente meio e fim da comunicação humana. Ora a educação para a compreensão está ausente dos nossos ensinos. O planeta necessita de compreensões mútuas em todos os sentidos. Dada a importância da educação para a compreensão, a todos os niveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita uma reforma de mentalidades. Tal deve ser a tarefa para a educação do futuro.
• A compreensão mútua entre humanos, tanto próximos como estranhos, é, daqui para o futuro, vital para que as relações humanas saiam do seu estado bárbaro de incompreensão.
• Daí a necessidade de estudar a incompreensão, nas suas raízes, nas suas modalidades e nos seus efeitos. Semelhante estudo é tanto mais necessário quanto se centraria, não nos sintomas, mas nas causas dos racismos, xenofobias, desprezos. Ao mesmo tempo constituiria uma das bases mais seguras da educação para a paz, à qual estamos associados por essência e vocação.
Capitulo VII – a Ética do género humano
• O ensino deve levar a uma “antropo-ética” pela consideração do carácter ternário da condição humana, que é de ser em simultâneo individuo <-> sociedade <-> espécie. Neste sentido, a ética individuo/espécie necessita um controlo mútuo da sociedade pelo individuo e do individuo pela sociedade, quer dizer a democracia; a ética individuo/espécie apela no século XXI à cidadania terrestre.
• A ética não saberia ser ensinada por lições de moral. Ela deve formar-se nos espiritos a a partir da consciência de que o humano á ao mesmo tempo individuo, parte de uma sociedade, parte de uma espécie. Trazemos em cada um de nós esta tripla realidade. De igual modo, todo o desenvolvimento verdadeiramente humano deve compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e a consciência de pertencer à espécie humana.
• A partir daí esboçam-se as duas grandes finalidades ético-politicas do novo milénio: estabelecer uma relação de controlo mútuo entre a sociedade e os individuos por meio da democracia e conceber a Humanidade como comunidade planetária. O ensino deve não só contribuir para uma tomada de consciência da nossa Terra-Pátria, mas também permitir que esta consciência se traduza numa vontade de realizar a cidadania terrena.
( a leitura dos capitulos completos encontra-se aqui)
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