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terça-feira, agosto 29, 2006

“Deutschland im Jahre Null”

Os historiadores das diversas facções em palco que reescrevem a História, cada qual à sua maneira e consoante os interesses próprios em jogo, continuam a debater se teria havido a necessidade da destruição provocada pelos bombardeamentos aliados, hoje considerados criminosos, primeiro do pouco conhecido sobre Hamburgo e depois, mais dramatizado embora menor sobre Dresden, numa altura em que o Exército Vermelho estava já às portas de Berlim e o nazismo se encontava práticamente derrotado.

Germania Ano Zero – 1947” é um filme de Roberto Rosselini que, em função dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, marca um corte na obra do realizador de “Roma Cidade Aberta” com o entendimento do mundo antes de se conhecer a deliberada destruição massiva e em grande escala. Aqui se desfazem os equivocos que pudessem porventura permitir a continuação despudorada da designação de “sucesso comercial”. – apesar de um prémio no festival de Locarno, começou aqui também o “anno zeroda incompreensão e solidão do celebrado realizador. O que censurou especificamente a crítica? A fragmentação da narrativa, que lhes parecia arrastar-se por pontos fracos em prejuizo das lérias nihilistas da pseudo “intendidade dramática” e a ausência de “heróis positivos”, o que implicaria uma ambiguidade politica. Efectivamente, aqui as crianças já não nos apontam o futuro, mas emergem e mergulham nas ruínas e na morte, no décor expressionista transfigurado que cerra o espaço e o tempo, sem aberturas nem concessões. Os primeiros seres humanos que nos surgem estão num cemitério, os últimos nos escombros – o mesmo guião agora decalcado ao milimetro e ressuscitado por Joaquim Sapinho nos seus quase despercebidos para o grande público “Diários da Bósnia” É dos livros; daqueles pensados e editados pelos censores de funções diluidas pelo acréscimo da função de programadores. Por exemplo no longinquo Portugal paredes meias com a inóspita “finis terrae” romana de gente desterrada e culturalmente pouco exigente, “Germania Ano Zero”, excepção feita a algumas, poucas, exibições em circulos cinéfilos restritos, permaneceu inédito comercialmente. Filmado com figurantes reais entre os escombros ainda frescos de Berlim, dele disse Rosselini:
“Pude filmar “Germania, Anno Zero” exactamente como queria e hoje, quando revejo a obra, ainda fico comovido com os resultados. Creio que o meu juizo sobre a Alemanha estava certo. No entanto, e contra toda a expectativa, o acolhimento feito a “Alemanha, Ano Zero”, foi muito mau e foi, nessa altura, que comecei a formular algumas interrogações. O mundo do cinema tinha-se reorganizado, reencontrara os seus hábitos e o seu estilo de antes da guerra. Alemanha Ano Zero era julgado com base numa estética anterior à guerra, tal como “Paisá” ou a “Roma” tinha agradado pelo que possuiria de novidade em relação a tal estilo. Por outro lado, também o mundo politico se havia reorganizado e o filme era julgado em função duma nova política. As críticas a Alemanha Ano Zero revelaram-me o que os jornalistas pensavam do problema alemão (ou o que sobre ele pensavam os directores dos jornais em que escreviam) mas não me foram de nenhuma utilidade no plano crítico. Mas tive, então, a clara consciência de estar perante um dilema: ou a prostituição, ou a sinceridade

O ponto mais alto de Berlim é uma elevação de 120 metros de altura situada nos distritos de Charlottenburg- Wilmersdorf, onde um imenso parque arborizado sepultou a realidade no esquecimento. A colina, chamada Tefelsberg, foi criada artificialmente a partir do pós-guerra reunindo no local 100 milhões de toneladas dos escombros da cidade. Devido à falta de homens, durante anos, a recolha desse entulho foi um trabalho duro realizado por mulheres. A cumprir a função da neve, como nos “Diários da Bósniaque soterra o terreno pisado pelos sobreviventes e lhes tenta apagar em vão a memória, aqui na pacatez deste bosque, o pipilar dos passarinhos não faz esquecer a razão porque os berlinenses chamam à colina “a Montanha do Diabo”. Por uma evidência simples – por iniciativa dos novos ocupantes americanos, no alto do monte foi erguida uma aparatosa estação de controlo de telecomunicações vindas do Leste, trabalhando afanosamente na descodificação das mensagens oriundas do sector comunista – montada e com exploração a cargo do Instituto para Segurança Nacional Americana, (ASASA) esta foi uma das precoces e injustificadas manifestações daquilo que viria a ser designado por “guerra fria”, um confronto também ele artificial, como a colina de escombros onde assenta a construção - previamente programado, como aliás o são todos os potenciais conflitos, que gerem dividendos aos cada vez menos invisiveis donos do mundo.


de tudo isto, hoje sobra em Berlim um enorme catrapázio, na Porta de Brandenburgo, onde os turistas tiram fotografias à realidade que já não existe. Por esta linha passava o Muro, o famigerado icone da Guerra Fria. É por aqui que andarei nestes próximos dias,,,

Falando de escombros, ao fim de 28 anos, 193 torres de vigia construidas, 5000 refugiados, 155 quilómetros de extensão, a maior carga politica do século XX apesar de apenas ter causado192 mortos, ruiu em 1989 o nomeado pelo sector leste como sendo o “Muro de Protecção Anti Fascista” (“Gedenkstatte Berliner Mauer”). Da demolição resultaram mais 1 milhão de toneladas de cascalho.
Das três formas politicas que se defrontaram durante e no depois da Grande Guerra – o totalitarismo Fascista, o regime Estalinista e o New Deal americano, todos produto da sua época – de comum, além do entulho, fica-nos a constatação de que todas elas foram formas politicas adequadas à era da Técnica e que, subsiste o trauma totalitário provocado pelo refinamento do uso da tecnologia e da Ciência. É este modelo de Desenvolvimento que deveremos questionar, se quisermos evitar a produção de mais escombros – incompatíveis com a Natureza e com a finitude dos recursos do planeta Terra, de cuja biosfera a Humanidade, toda ela, na sua multidiversidade é parte integrante.

Gaza e Libano, 2006
o neo-fascismo aparentemente vencedor
e a "liberdade" multinacional de
continuar a produzir entulho

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