“Um património cultural global emerge, mas não uma cultura mundial – o mundo é finito, mas a diversidade de pontos de vista sobre o mundo é infinita. Com a internet aumenta a curiosidade e adquire-se o sentimento ilusório nos paises ricos, principais beneficiários deste processo, de que compreendem tudo; mas o fim das distâncias fisicas revela a importância das distâncias culturais. A comunicação tornou-se sinónimo de comércio e marketing”
Dominique Wolton – in “A Outra Globalização”
“Naquilo que se convencionou chamar de Globalização na verdade há três fenómenos:
1 - alargamento do património cultural comum a toda a Humanidade como forma de imperialismo cultural, que vem junto com os investimentos do Capital
2 – cultura média adquirida na democracia de massas pelos individuos como meros receptores (como factor de embrutecimento e manipulação).
3 - invasão de entidades culturais dos paises e regiões subalternas sujeitando-os à modernidade sem que se consiga sacrificar-lhes as tradições.
Tudo se movimenta em todos os sentidos em luta contra a padronização dos gostos e dos comportamentos decretados pelo progresso tecnológico e pela lógica económica.
Quando a élite americana fala de “choque de civilizações” é, geralmente, para dizer que a sua é a melhor. Na bolsa da informação mediática 3000 mortos do Ocidente valem sempre mais do que 400.000 mortos oriundos do resto do mundo. O pensamento crítico sobre estas questões mundiais gira agora em torno do triângulo:
Identidade- Cultura- Comunicação
Ora o facto de não haver uma assimilação pacífica da cultura dominante, deixa a questão da imposição desse modelo único nas mãos das Indústrias, sem regulamentação.
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Se seguirmos o fio da história do século XX pode-se dizer que a Globalização conheceu três etapas. A primeira, com a criação da ONU no final da Segunda Guerra Mundial, estabeleceu as condições de uma ordem internacional, na base do respeito das nações, das culturas, das religiões, com o objectivo de instituir, democrática e pacificamente, a Comunidade Internacional. Uma segunda revolução iniciou-se depois com os “trinta gloriosos anos imperialistas” e dizia respeito principalmente à economia, fundada sobre Bretton Woods, com a abertura das fronteiras, tendo o objectivo de estender ao mundo inteiro a economia de mercado e o modelo da livre troca. A Terceira globalização não é apenas politica ou económica, mas cultural. Diz respeito à coabitação cultural no plano mundial. E para isso, é necessário construir o conceito que permita pensar as relações deste triângulo infernal: Identidade, Cultura e Comunicação.
Isto passará por uma outra revolução: a de revalorizar os receptores, ou seja, criando condições para que a Informação e a Comunicação possam ser valores de emancipação e não apenas mercadorias comerciais destinadas a ser consumidas pelos públicos a quem a produção das Indústrias Culturais economicamente dominantes se destinam.
É urgente admitir que os receptores – os públicos – em qualquer parte do mundo, e independentemente do seu nível de educação, são inteligentes e capazes de filtrar as mensagens a que estão expostos. Além disso, quanto mais mensagens receberem, mais filtrarão. Transmitir; com efeito, não é sinónimo de comunicar. O principal travão à globalização da informação deriva da imensa diversidade dos receptores.
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A questão do Multiculturalismo é abundantemente tratada no seio dos Estados-Nações, mas não no plano internacional.
Existe realmente uma ruptura na ordem da Comunicação entre os séculos XX e XXI. No século XX, a tecnologia triunfou sobre a Cultura, ao ponto de acreditarmos, com a televisão e depois com a Internet, que a “aldeia global” era uma realidade cultural. Em seguida, foi o triunfo da Economia, com o crescimento quase insolente das grandes indústrias culturais que, a pouco e pouco, absorveram todos os sectores de actividade (cinema, televisão, música, edição, imprensa, informática), tudo isto sem qualquer consideração politica e sem que alguém se interessasse pelos riscos corridos pela democracia. Conclusão: vinte anos de ideologia liberal e de desregulamentação. O inicio do século XXI ilustra uma inversão radical com os seguintes acontecimentos: o 11 de Setembro, as negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC), a derrocada do Nasdaq e o desmonoramento dos “gigantes” da comunicação. É espantoso como, entre 1992 e 2002, as maiores empresas de comunicação AOL Time-Warner, Vivendi Universal, Disney e a Bertelsman, antes da sua queda, se tenham tornado as mais poderosas multinacionais do mundo!. Em qualquer outro sector de actividade, não se teria aceite tão facilmente uma tal concentração sem se levantar a questão da sua compatibilidade com a lógica democrática. Tomamos finalmente consciência dos estragos do liberalismo sobre a cultura e a comunicação, e compreendemos que ambas dependem da acção politica. Nos países ricos, em primeiro lugar, tendo em vista um mínimo de regulação e de respeito pelas diversidades culturais. No diálogo norte-sul, em segundo lugar, tendo em vista um reequilíbrio na circulação dos fluxos de informação, uma vez que já não se trata apenas de produzir e difundir maior número de informações; é necessário, sobretudo, que os indivíduos, as colectividades e os povos aceitem essas informações.
Mal refeitos desta constatação eis que o 11 de Setembro é o pretexto para denunciar a informação do laxismo financeiro que conduziu ao crash financeiro de 2002. Bush foi de facto eleito com apoio maioritário do capital especulativo da Enron e a sua queda arrastou a queda de outros gigantes como a Worldcom e a consultora Anderson. A falência da Economia da agora única superpotência foi a primeira causa para as declarações de guerra que se lhe seguiram. Mas com a guerra não se expande uma Cultura que seja facilmente aceitável,,,
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O Irão em 1979 já era, por via do investimento Ocidental massivo no regime do Xá da Pérsia, “o mais moderno estado muçulmano”. A Revolução Islãmica foi o acontecimento inaugural do aparecimento da Cultura como questão politica mundial.
A somar aos Direitos do Homem contemplados na Declaração da década de 50 desde há trinta anos que existe uma forte militância no sentido de alargar os Direitos Politicos do Homem, começando-se a pensar na existência de Direitos Económicos e Sociais, muito por influência da URSS e de instituições como a ONU e a UNESCO.
Há uma memória dos confrontos culturais a nivel internacional, mesmo que muitos pareçam tê-la perdido. O mais recente foi o debate fundamental da Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (NOMIC), velho de 1980, efectuado na UNESCO. Nessa ocasião, os paises do Terceiro Mundo, na época apoiados pela URSS, tinham já posto em causa o Ocidente devido ao seu imperialismo (além de Politico e Económico) também Cultural levado a cabo através da informação, do cinema, da televisão, etc. O apoio da URSS a esta primeira revolta provocou um violento confronto entre o Leste e o Oeste. Mas a URSS como regime autoritário, assim como numerosos paises do terceiro mundo, estava então em má posição para denunciar o carácter anti-democrático das indústrias de informação. Por isso, foi possivel ao Ocidente desqualificar a revolta, mas a natureza da crítica mantinha-se exacta: já nessa época, o Ocidente, com a boa consciência da democracia, impunha ao resto do mundo a sua visão da informação e a sua concepção da cultura e da comunicação.
Este debate sobre a NOMIC foi, na verdade, precursor, porque, hoje em dia, o poder das indústrias culturais não se compara com o que era antes: o domínio do Norte sobre o Sul, (não já apenas no campo da exploração económica), mas também em relação à comunicação e à cultura é tal que a própria paz está em risco com a muito artificialmente provocada “guerra das civilizações” que sugere que o terrorismo exprime a rejeição do modelo Ocidental, quando na verdade o que se vê é a assimilação desse modelo por parte das Oligarquias islãmicas. E a URSS já não existe para servir de contrapeso. Com efeito, desde sempre que os homens se batem por valores culturais: liberdade, igualdade, religião, lingua, cultura, tradição. Os valores têm sido a única causa dos conflitos desde o fim da experiência de comunismo de Estado. De certa maneira, o confronto Leste-Oeste encobriu durante cinquenta anos a importância do papel da cultura nas guerras. Na Guerra Fria jogavam-se realmente duas visões da Humanidade e da Cultura.
O facto de ter ocorrido o desmoronamento Económico na ex-URSS não permite de forma alguma varrer para debaixo do tapete da História o seu legado de valores nos campos Politico e Cultural.
Tanto mais, quando no Ocidente a Economia se sobrepõe à Politica, e os te(cn)ocratas nos governos apostaram em publicitar demagogicamente apenas os aspectos da democracia formal, e minimizar todos os outros que são entendidos como um obstáculo à expansão dos mercados.
A identidade cultural como refúgio é a única bitola para hierarquizar a multidiversidade de modelos existentes, como elemento cultural extensivo da biodiversidade. A identidade cultural individual é um facto social. A identidade cultural colectiva é um facto politico à escala dos Estados- nações e das áreas culturais no sentido clássico do património e da cultura como conjunto de informações, conhecimentos, intuições e,,, inducções; que obrigam a modificar os sistemas de interpretação do mundo”.
* créditos:
* fotos "Demóniocracia" do mural pintado na ZdB (Galeria Zé dos Bois), Bairro Alto, Lisboa
* cartoon: Granma
* livro: "Multiculturalismo" - Charles Taylor - Editado pelo Instituto Piaget
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Uma simples mistificação dos economistas da escola neoliberal norte-americana, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias de Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos. Neste sentido, só o Presente é nosso, não o momento passado nem aquele que aguardamos, porque um está destruido, e do outro, se não lutarmos, não sabemos se existirá.
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