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segunda-feira, junho 20, 2005

O blogue “Pura Economia.blogspot.com” debruça-se sobre “Entropia e Decrescimento” num artigo muito bem feitinho, referindo os impactos da aplicação da 2ª lei da termodinâmica na Economia , p/e - a relação entre as esquecidas propostas de crescimento Zero enunciadas em 1972 pelo Clube de Roma (o embrião da EU), e as leis inescapáveis da trilogia de Nicholas Georgescu-Roengen: Entropia-Ecologia-Economia (1979). O artigo termina com um despreocupado - “tudo isto parece simultâneamente muito poético e pouco científico,mas não deixa de merecer um olhar atento”.
Pouco científica será no entanto a postura de todos aqueles que não notaram que a interpretação do mundo onde se pensam movimentar,,, já não existe!
Como lembrete aqui se deixa um extracto condensado da obra do prof. Boaventura Sousa Santos (1987)

1 – Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna, um rombo aliás mais importante do que o próprio Einstein foi subjectivamente capaz de admitir.
Na teoria da relatividade da simultaneidade Einstein distingue entre a simultaniedade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e a simultaniedade de acontecimentos distantes, em particular de acontecimentos separados por distâncias astronómicas.Em relação a estes últimos o problema a resolver é o seguinte: como é que um observador estabelece a ordem temporal de acontecimentos no espaço? Certamente por medições da velocidade da luz, partindo do pressuposto, que é fundamental à teoria de Einstein, que não há na natureza velocidade superior à da luz.No entanto, ao medir a velocidade numa direcção única (de A a B), Einstein defronta-se com um circulo vicioso: a fim de determinar a simultaniedade dos acontecimentos distantes é necessário conhecer a velocidade; mas para conhecer a velocidade é necessário conhecer a simultaniedade dos acontecimentos. Com um golpe de génio, Einstein rompe com este círculo, demonstrando que a simultaniedade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão-só ser definida. É portanto arbitrária e daí que quando fazemos medições não pode haver contradições nos resultados uma vez que estes nos devolverão a simultaniedade que nós introduzimos por definição no sistema de medição. (vidé “De Copérnico a Einstein” de H. Reichenbach ou “A revolução Copernicana” de Thomas Kuhn). Esta teoria veio revolucionar as nossas compreensões de Espaço e Tempo. Não havendo simultaniedade universal, o tempo e o espaço de Newton deixam de existir

2 – O caracter local das medições e, portanto, do rigor do conhecimento que com base nelas se obtem, vai inspirar o segundo rombo no paradigma dominante: a Mecânica Quântica. Se Einstein relativizou o rigor das leis de Newton (da matemática à geometria) no dominio da astrofisica, a mecânica quântica fê-lo no dominio da microfísica. Einsenberg e Bohr demonstram que não é possivel observar ou medir um objecto sem interferir nele, sem o alterar, e a tal ponto que o objecto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou. Como ilustrou depois Eugene Wigner –“a medição da curvatura do espaço causada por uma partícula não pode ser levada a cabo sem criar novos campos que são biliões de vezes maiores que o campo sob investigação” . Por exemplo, no dominio das teorias de Informação o teorema de Brillouin demonstra que a informação não é gratuita; qualquer observação efectuada sobre um sistema físico aumenta a entropia do sistema. A ideia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos, ou seja, que não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele, está bem expressa no princípio da incerteza de Heinsenberg: “não se podem reduzir simultaneamente os erros da medição da velocidade e da posição das particulas; o que for feito para reduzir o erro de uma das medições aumenta o erro da outra” (W.Heinsnberg-“A Imagem da Natureza na Física Moderna”). Este principio, e portanto, a demonstração da interferência estrutural do sujeito no objecto observado, tem implicações de vulto.Por um lado, sendo estruturalmente limitado o rigor do nosso conhecimento, só podemos aspirar a resultados aproximados e por isso as leis da fisica são tão-só probabilisticas. Por outro lado, a hipótese do determinismo mecanicista é inviabilizada uma vez que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir. Por ultimo a distinção sujeito/objecto é muito mais complexa do que à primeira vista pode parecer. A distinção perde os seus contornos dicotómicos e assume a forma de um continuum.

3 – O terceiro rombo a acrescentar ao posto em causa pelo rigor da medição na mecânica quântica é ainda mais profundamente abalado se se questionar o rigor do veiculo formal em que a medição é expressa, ou seja, o rigor da matemática. È isso que sucede com as investigações de Godel. O teorema da incomplitude (ou do não competamento) e os teoremas sobre a impossibilidade, em certas circunstâncias, de encontrar dentro de um dado sistema formal a prova da sua consciência vieram mostrar que, mesmo seguindo à risca as regras da lógica matemática, é possivel formular proposições indecidiveis, proposições que se não podem demonstrar nem refutar, sendo que uma dessas proposições é precisamente a que postula o carácter não-contraditório do sistema. (J Piaget-”Logique et Connaissance Scientifique”). Se as leis da natureza fundamentam o seu rigor das formalizações matemáticas em que se expressam, as investigações de Godel vêm demonstrar que o rigor da matemática carece ele próprio de fundamento. A partir daqui é possivel não só questionar o rigor da matemática como tambem redefeni-lo enquanto forma de rigor que se opõe a outras formas de rigor alternativo, uma forma de rigor cujas condições de êxito na ciência moderna não podem continuar a ser concebidas como naturais e óbvias. A própria filosofia da matemática, sobretudo a que incide sobre a experiência matemática, tem vindo a problematizar criativamente estes temas e reconhece hoje que o rigor matemático, como qualquer outra forma de rigor, assenta num critério de selectividade e que, como tal, tem um lado construtivo e um lado destrutivo.

4 – A quarta condição teórica da crise do paradigma newtoniano é constituida pelos avanços do conhecimento nos dominios da microfisica, da física e da biologia nos últimos vinte anos. A titulo de exemplo menciona-se as investigações do fisico-quimico Ilya Prigogine. “A teoria das estruturas dissipativas e o principio da ordem através de flutuações” estabelecem que em sistemas abertos, ou seja, em sistemas que funcionam nas margens da estabilidade, a evolução explica-se por flutuações de energia que em determinados momentos, nunca inteiramente previsiveis, desencadeiam espontâneamente reacções que, por via de mecanismos não lineares, pressionam o sistema para além de um limite máximo de instabilidade e o conduzem a um novo estado macroscópico. Esta transformação irreversivel e termodinâmica é o resultado da interacção de processos microscópicos segundo uma lógica de auto-organização numa situação de não-equilibrio. A situação de bifurcação, ou seja, o ponto crítico em que a minima flutuação de energia pode conduzir a um novo estado, representa a potencialidade do sistema em ser atraído para um novo estado de menor entropia. Deste modo a irreversabilidade nos sistemas abertos significa que estes são produtos da sua história. (Ilya Prigogine:“La Nouvelle Alliance,Metamorphose de la Science”, “From being to Becoming”, “Time,Irreversbility and Randomness”, “The Evolucionary Vision”)
A importância destas teorias está na nova concepção da Matéria e da Natureza que propõem, uma concepção dificilmente compaginável com a que herdámos da Fisica Clássica. Em vez da Eternidade, a História; em vez do Determinismo, a Impresivibilidade; em vez do Mecanicismo, a Interpretação, a Espontâneidade e a Auto-Organização; em vez da Reversibilidade, a Irreversibilidade e a Evolução; em vez da Ordem, a Desordem; em vez da Necessidade, a Criatividade e o Acidente. A teoria de Prigogine recupera inclusivamente conceitos aristotélicos tais como os conceitos de potencialidade e virtualidade que a revolução científica do século XVI parecia ter atirado definitivamente para o caixote do lixo da História.
Mas a importância maior desta teoria está em que ela não é um fenómeno isolado. Faz parte de um movimento convergente, pujante sobretudo a partir da última década, que atravessa as várias ciências da natureza e até as ciências sociais, um movimento de vocação transdisciplinar que E.Jantsch designa por “Paradigma da Auto-Organização
E que tem aflorações, entre outras, na teoria de Prigogine, na sinergética de H.Harken, no conceito de hiperciclo e na teoria da origem da vida de M.Eigen e P.Shuster, no conceito de autopoesis de R.Maturana e F.Varela, na teoria das catástrofes de R.Thom, na teoria da evolução de E.Jantsch, na teoria da ordem implicada de David Bohm, ou na teoria da matriz-S de Geoffrey Chew e na filosofia do “Bootstrap” que lhe subjaz.
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Obras recentes de referência:
- “A Complexidade – a Vida no Limiar do Caos” de Roger Lewin – Edit. Caminho 2004
- “A Sociedade sem Centro” de Edmundo Balsemão Pires – Edit. Autonomia27 2004
- “Pensamento Eco-Sistémico” de Maria Cândida Moraes – Edit. Vozes 2004
- "O Forum Social Mundial-Manual de Uso" de Boaventura Sousa Santos - Edit. Afrontamento 2005

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