(o autor de “a Criação”, um dos livros de culto do meu amigo Py)
(tradução livre da entrevista à “Time Magazine” 20/11)
Novelista, ensaista, polemista, combatente de diversas causas, leão no inverno aos 81 anos, Gore Vidal acaba de publicar o seu segundo volume de memórias “Navegação Ponto por Ponto”, no qual ele pensa retrospectivamente na sua vida, nas letras e na politica. Vidal, fala acerca da marginalização do romance, da sua vida amorosa, do assassinato de John F. Kennedy, e sobre a última palavra das suas palavras.
T – Nas sua memórias você diz que não é um novelista famoso – que nenhum novelista é famoso, porque os romances já não são discutidos publicamente. As coisas ficaram assim tão más?
GV – Não existe tal coisa de um “novelista famoso”. Você pode ser um actor famoso, um famoso jogador de basebol, um famoso (ou infame*1) politico. O ponto de vista de apreciação no meu trabalho não é sobre mim. No caso de um escritor o ponto de vista é sobre as obras que ele escreve.
T – Os escritores antigamente tinham espaços regulares em programas aos serões na TV. Nas suas memórias assume-se como um admirador de Johnny Carson, em cujo show apareceu com frequência. O que faz Carson diferente?
GV – Ele era muito inteligente, politicamente muito interventivo, e imensamente frustrado pelas restricções que lhe foram impostas pelos responsáveis do canal de televisão. Assim sendo, quando ele encontrava um interlocutor com causas próximas das suas, como ele encontrou comigo, o entrevistado acabava a ajudá-lo a expressar o que ele pretendia – mas que não podia dizer – porque a NBC (*2) o impedia por ser contrário à politica da estação de representar a toda a hora todas as correntes de opinião sem ofender nenhuma delas.
T – Você tem sido chamado “o último dos pequenos republicanos” – o último defensor do velho ideal da República americana. Pensa que os Estados Unidos evoluiram para um Império?
GV – Nós já o somos desde a Tomada da Louisiana em 1803. Em “Guerra Perpétua para Paz Perpétua” (um pequeno livro de 2002), eu desafio toda a gente a fazer uma listagem das nossas intervenções militares, nos últimos 200 anos, que foram tomadas sem declaração prévia de guerra, ou até mesmo de motivo para guerra, começando em 1846 na guerra contra o México, que foi o primeiro momento em que apareceu essa ideia central no palco dos negócios americanos. Como o presidente James Polk disse, “Nós apenas vamos tomar posse da Califórnia!” Bem, nós ficámos com a Califórnia – a qual agora os Mexicanos estão pacata e calmamente a reformular (*3).
T – Nas suas memórias você fala do seu avô, senador em Oklahoma, T.P.Gore, que era cego. O que pensa ter herdado dele?
GV – O que ele me disse mil e uma vezes, e foi essa a frase com que cresci, na medida em que era eu que lhe fazia as leituras a toda a hora: “a fundação dos Estados Unidos é um processo de dupla interpretação da Lei”. Ouvi isso martelando-me na cabeça todos os dias da minha vida. E então quando eu comecei a ver pela janela esse processo dual da lei cá fora ...
T – Agora que os Democratas reconquistaram o Congresso, o que é que gostaria que fosse acontecer primeiro?
GV – Chamem o Dick Cheney para o questionarem acerca do seu papel, no porquê de nós estarmos a combater em sítios onde não pertencemos. Eu penso que isso traria aqui uma séria disciplina – para refrear a linguagem dos poderosos – dos fautores da guerra e de outros empreiteiros. Fritem o fulano na frigideira das imprecações.
T – Escreveu acerca da morte, há três anos, do seu companheiro Howard Auster. Disse que, depois de algum tempo, vocês não eram íntimos, apenas compartilhavam tudo o resto. É essa a fórmula que recomenda para a felicidade?
GV – Oh, essa foi apenas uma descrição de nós próprios. Não faço recomendações para ninguém.
T – O que pensa do casamento entre homossexuais?
GV – Dado que o casamento heterossexual é o desastre que vemos, porque há-de alguém na Terra imitá-lo?
T – Não há muito tempo “despachou” a sua casa em Ravello em Itália. Porque decidiu estabelecer-se em Los Angeles?
GV – Tive essa casa durante mais de 40 anos. Eu sabia que um dia, os dias do Cedro do Sinai chegariam, e Howard e eu iríamos precisar estar perto de um hospital. É triste dizê-lo, porém esse dia chegou.
T – Você termina o seu livro discutindo outro livro, “O Último Sacrifício”, o qual argumenta que o assassinato de John F. Kennedy foi ordenado pela Máfia como retaliação pela perseguição movida à Cosa Nostra por Robert Kennedy. Porque termina com esse assunto?
GV – Este é o grande mistério não resolvido da nossa geração, para todos aqueles que crescemos no tempo após Jack ter sido morto. Este é um país de questões não respondidas.
T – Há um grande reflexão nestas memórias da velhice e da morte. Pensou acerca de como serão as últimas palavras que dirá?
GV – Serão como as palavras que usei em vida: “Eu já vos tinha dito!"
vista do Palazzo Sasso, em Ravello - not bad, hã?! - deve ter sido daqui que Vidal imaginou Cyrus Spitama, promovido a embaixador, ao partir da Pérsia,,,
notas:
*1 – (do trocadilho em inglês, famous – infamous)
*2 – como aviso à navegação sempre se vai dizendo que a NBC é propriedade da multinacional General Electric (como a CBS da Westinghouse, ou a ABC da DisneyCorporation - para além da estupidificação militante da massa de espectadores interna, o audiovisual ocupa o 1º lugar nas exportações dos EUA, isto é, exporta o "american way of life" para pacóvio ver)
*3 – a Califórnia tinha 10 milhões de habitantes em1950. Actualmente é um território com a qualidade de vida degradada, altamente congestionado, onde a população , segundo dados de 2005, atingiu 34 milhões de habitantes, parte substancial devido ao aumento de imigrantes mexicanos. Os cidadãos naturais que abandonaram o Estado desde 1990 são em maior número que a população total do Wyoming.
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