Dedicado e a (des)propósito do mais que merecido óscar entregue a Ennio Morricone. Eis aqui outro filme cuja banda sonora também é dele.
Gillo Pontecorvo, falecido o ano passado (1919-2006), realizador italiano de formação marxista, famoso como autor do clássico sobre a insurgência revolucionária “A Batalha da Argélia” (1966), realizou em 1969 uma obra que vem mesmo a calhar chamar à memória nos tempos que correm – na medida em que torna compreensível porque são os governantes cá do burgo marionetas cúmplices das mais tenebrosas filhas-da-putice internacionais – apelidando-as, subservientes, sem a menor vergonha na cara, de “missões de paz”.
“Burn!” (que poderíamos traduzir por “Queimar!” ou pum! “Ardeu!”) foi feito como resposta à escalada do imperialismo no Vietname. Pretendia ser uma alegoria politica da guerra, mas acabou, como não poderia deixar de ser, por se estender à critica do capitalismo em si mesmo. A acção, que decorre nos primórdios do século XIX, situa-se numa ilha imaginária das Caraíbas chamada “Burn” (Queimada). A ilha é uma colónia portuguesa de escravos com a produção assente na monocultura de cana, dependendo portanto dos pagamentos da exportação do açúcar consoante as necessidades a economia mundial. Na cena de abertura somos informados que o nome de “Queimada” se ficou a dever ao facto de a única maneira dos colonizadores portugueses conquistarem a população indígena foi deitarem fogo à ilha inteira e matarem todos os habitantes, após o que importaram escravos de África para prover às necessidades de mão-de-obra para as novas plantações. Não vem no filme, mas a carnificina tem decerto foros de veracidade, tanto quanto nas Bermudas e noutras ilhas caribenhas actualmente de expressão inglesa, as tabuletas que avisam os banhistas da presença de peixe-aranha são sintomáticas pelo seu curioso nome: “Caution, Portuguese Men of War”.
Sir William Walker (representado por Marlon Brando) é um agente especial Britânico enviado para supervisionar os fornecimentos que dependem dos legisladores portugueses da ilha. Instiga a revolta entre os escravos negros enquanto, ao mesmo tempo, fomenta a ideia entre a pequena classe dirigente branca incentivando-os a obterem a independência da Corôa portuguesa. O objectivo é usar a revolta dos escravos para derrotar Portugal, enquanto a nóvel classe de Fazendeiros brancos, uma vez independentes, ficarão completamente subserviente das condições de compra dos imperialistas Ingleses. Walker desempenha a tarefa de forma brilhante, convencendo a tropa revoltosa de ex-escravos comandada por José Dolores (deveria ser José das Dores, mas como sempre, pensou-se que éramos espanhóis) a deporem as armas depois da administração colonial ter sido vencida. O resultado é uma neo-Colónia dominada pela burguesia branca – mas onde de facto quem faz as Leis, “de acordo com as normas de comércio livre internacionais”, são as companhias britânicas do açúcar. Missão cumprida, Walker parte então para outras tarefas diplomáticas ao serviço do Almirantado inglês, desta vez para um sítio longínquo na Ásia chamado Indochina.
No fim do filme, em 1848, passaram dez anos. A revolução está outra vez eminente na ilha Queimada liderada por José das Dores (que raio de civilização é esta, clamam os trabalhadores, onde uns têm todo o trabalho a plantar e a cortar a cana, e outros é que enriquecem com ela?). O conselheiro Sir William Walker está de regresso vindo de Inglaterra, mas desta vez regressa como funcionário superior da “Antilles Royal Sugar Corporation”, autorizada pelo governo de Sua Majestade. O seu objectivo é derrotar a nova rebelião de ex-escravos. A Oligarquia informa-o que a tarefa não deverá ser difícil, porquanto a situação e as leis são as mesmas de há 10 anos. Walker riposta que a situação pode ser a mesma, mas os problemas são diferentes – por palavras que parecem ecoar directamente de Karl Marx ele declara: “Muitas vezes, entre um período histórico e outro, dez anos podem de repente ser suficientes para nos revelar as contradições de todo um século”
São trazidas tropas britânicas para combater os insurgentes que iniciaram uma guerra de guerrilhas. Para os derrotar Walker ordena que sejam queimadas todas as plantações da ilha. Quando o representante local dos interesses britânicos protesta, Walker explica-lhe: “Esta é a lógica do lucro – a maioria de nós trabalha para fazer dinheiro, mas por vezes quando se faz demasiado dinheiro, torna-se necessário destruir. Lembre-se: é a este facto que esta ilha deve o nome que tem”
Moral da História: a Natureza tem de ser destruída, se se pretende que o factor Trabalho possa ser explorado em condições de paz por mais umas boas centenas de anos;
ps - mude-se o nome de “Escravos negros da ilha Queimada” para “indígenas que tiveram a desdita de nascer em Portugal” (afinal a ilha existe) e teremos a história da “nossa pátria” – e mais além, a história do Mundo, para onde tradicionalmente os portugueses emigram escapando-se da Oligarquia que subjugou, vendeu e continua a vender o sítio a retalho. População incluída.
Fomos ali atrás do sol-posto, e não sabemos quando voltamos; pfff, Não prometemos ser breves.
(adaptado do preâmbulo do artigo “The Ecology of Destruction” publicado na “Monthly Review”, Fev. 2007)
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