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terça-feira, agosto 12, 2008

Churchill em Cuba

um episódio da guerra de independência descrito por John Keegan sobre a biografia de Churchill “My Early Life”

"O 4º Regimento de Hussardos não era apenas chique. O seu comandante, o coronel John Brabazon, era um dos mais distintos oficiais do exército, admirado pelos seus contemporâneos e amigo da família real. A vida no regimento era cara. O salário de um oficial era insuficiente para pagar o uniforme, os cavalos, a alimentação da cantina ou os requisitos sociais exigidos. Mas graças aos recursos da família Blenheim, Wiston integrou-se rapidamente. Em Fevereiro de 1895 já estava ambientado às rotinas de estábulos, escola de equitação e administração da companhia, havia começado a jogar pólo e a participar nas corridas de cavalos com obstáculos.
O regimento deveria partir em breve para a Índia, durante nove anos, para integrar as forças britânicas aí estacionadas. Na altura esta era uma operação de rotina, à qual apenas escapavam as companhias ligadas à coroa. Antes da partida, os oficiais podiam usufruir das suas generosas licenças, até às dez semanas, sem interrupção. Por esta altura, Wiston já devia estar enfadado com a rotina, e decidiu sair de Inglaterra em busca de aventuras.
Na época decorria uma guerra a sério nas Caraíbas, onde a Espanha tentava conter uma revolta generalizada em Cuba. Winston sentiu a oportunidade para descobrir o cheiro a pólvora e a possibilidade de ganhar dinheiro e fama, escrevendo sobre a guerra para um periódico britânico. Embora estas ambições fossem questionáveis num subalterno ainda com uma carreira toda pela frente, Churchill não teve qualquer hesitação. Seguindo o principio que aplicaria durante toda a sua vida, de só falar com o topo da hierarquia, obteve cartas de apresentação para Cuba do embaixador britânico em Espanha, uma autorizção para participar na guerra do comandante em chefe britânico, e uma missão dos serviços de informação ingleses para relatar factos sobre a situação.
Protegido em todas as frentes, Wiston e um camarada desembarcaram em Cuba, após uma breve visita à familia Jerome, em Nova Iorque, a 2 de Novembro de 1895. Pouco antes do final do mês, Wiston e o tenente Reginald Barnes juntaram-se a uma das expedições punitivas do marechal Arsenio Martinez de Campos, que se movimentavam para o interior da ilha para enfrentrar os rebeldes. O padrão da guerra cubana, já estabelecido, repetir-se-ia tragicamente em todas as colónias europeias no século seguinte. Os rebeldes cubanos, inspirados pelo ideal de independência nacional, estavam mal armados e mal treinados, mas tinham um conhecimento muito superior do terreno. Usavam tácticas de escaramuça e emboscada, não tinham problemas em fugir se as coisas corriam mal, aceitavam as baixas com naturalidade, davam como bem vindas as atrocidades do inimigo, pois atraiam a população para a sua causa, não tinham um prazo definido de vitória e usavam as montanhas e florestas como refúgio em caso de confronto ou se estivessem encurralados. Cinquenta anos depois, Mao Tsé Tung utilizaria as mesmas tácticas para compor uma filosofia de “Guerra do Povo”. Os bóers antecipar-se-iam aos métodos de Mao na África do Sul, em 1900, noutra guerra em que Wiston também participaria. Em 1895, porém, as tácticas de evasão e retardamento eram uma novidade. O encontro marcaria a atitude de Churchill em relação aos esforços militares para o resto da vida.

A coluna comandada pelo general Juarez Valdez, partiu de uma aldeia fortificada e rapidamente estabeleceu contacto com “o inimigo”. Na sequência do encontro, os dois batalhões acamparam durante a noite no meio de floresta cerrada, voltando a partir no dia seguinte. Ao atravessarem um rio, Churchill decidiu dar um mergulho: dispararam sobre ele quando já se estava a vestir, naquele que seria o seu baptismo de fogo – uma experiência que o próprio achou entusiasmante. A expedição voltou a acampar e foi novamente alvo de tiros durante a noite. Mas só no dia seguinte, já em marcha, é que encontrou os rebeldes, entrincheirados numa fraga. A expedição dispôs-se de maneira ortodoxa, em formação aberta, superiorizou-se no tiroteio, mas viu os seus objectivos frustrados quando os rebeldes se retiraram para a “floresta impenetrável”, vendo-se obrigada a regressar ao ponto fortificado de origem, onde Churchill lhes diria adeus.
A sua primeira experiência bélica fora uma situação que se repetiria, no futuro, para jovens oficiais franceses na Indochina e na Argélia, para os americanos no Vietname, para os seus próprios compatriotas no Sudeste asiático e em África. No regresso a Nova Iorque, Churchill descreveu os cubanos como “soldados medíocres, mas imbatíveis na corrida” – o mesmo veredicto que seria dado, no século vindouro, por qualquer oficial de forças regulares que se defrontassem com os movimentos independentistas. Estes, na sua terra, em áreas de dificil acesso, levariam os exércitos europeus ao desespero. Mesmo quando não recorriam, eles mesmos, a métodos terroristas, o que faziam com frequência, viam-se obrigados a tentar vencer os insurrectos através de acções directas contra as populações que os abrigavam. Outra resposta que os europeus privilegiavam consistia em recrutar milicias locais ou em “concentrar” as populações rurais em campos controlados pelas forças armadas. Aliás, os “campos de concentração” foram uma invenção espanhola durante a Guerra de Independência de Cuba, que se repetiria na África do Sul, durante a Guerra dos Bóers. Enquanto medida de controlo, viria a mostrar-se ineficaz nesses dois conflitos.
Churchill, indirectamente, viria a reconhecer que ao menosprezar os rebeldes cubanos estava a subestimá-los. “A natureza do país está contra (os espanhóis)” diria, “além de haver descoordenação entre os movimentos das várias expedições armadas... Se os insurrectos aguentarem até às chuvas da Primavera, ainda podem ganhar”.
Os cubanos, com a ajuda dos Estados Unidos da América contra o Império Espanhol, nas Caraíbas e nas Filipinas, acabaram mesmo por vencer, e Cuba tornou-se uma nação independente. Churchill, que defendia um protectorado americano em alternativa ao governo espanhol, escreveu que “um governo cubano será igualmente corrupto, mais caprichoso e muito menos estável, criando condições para revoluções periódicas, insegurança da propriedade e desconhecimento da justiça”. E tinha razão: Cuba tornou-se, durante um breve periodo de tempo, protectorado dos Estados Unidos, mas depois cumpriu todas as previsões de Churchill. Nessa altura, porém, este já tinha voltado a sua atenção para a Índia, os territórios muçulmanos, a África do Sul e o seu próprio país, as suas novas prioridades. Mas foi em Cuba que Churchill conheceu de perto a guerra. A compreensão que adquiriu da sua natureza havia de estender-se ao longo da sua vida"
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