Numa ilha de quinquilharia construida pelos actores em palco o judeu Barrabás afadiga-se em organizar, instrumentalizar e gerir o negócio de extorsão de lucro sobre o trabalho de toda a gente.
A maior parte da tralha é francamente supérflua, e toda a gente, “progressivamente” tropeça e se afoga nela, mas é oportunisticamente necessária como pretexto para o enriquecimento da personagem.
A simplificação do titulo da peça para apenas “O Judeu” de certo modo apaga a conotação contemporânea do usurário, tradicionalmente capaz de todas as imoralidades e golpes baixos para dominar as economias, primeiro de grupos restritos, depois dos povos em geral. Usurários toda a gente os conhece, porém poucos sabem reconhecer que a metodologia usada na exploração do mal dos outros (o bem de uns poucos) se funda no sofisticado e secular esquema judaico de cobrar juros à cabeça sobre dinheiro emprestado.
"Quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas vão ficar complicadas. Mas enquanto houver música, temos de continuar a dançar. Nós continuamos a dançar (...) Controversa e divertida, esta obra foi escolhida pelos criadores como o texto certo para uma reflexão sobre o poder e o dinheiro que quase sempre estão nos bastidores dos “confrontos de civilizações”, sobre a violência” (do programa)
O título, simplificado, refere-se à peça “O Judeu de Malta” (The Jew of Malta) escrita por volta de 1590 por Christopher Marlowe (1564-1593). A versão original relata a história de um conflito religioso, de intriga, ganância, traição, crueldade e vingança que se desenrola tendo como pano de fundo a luta pela supremacia entre a Espanha e o Império Otomano no Mediterrâneo e a acção tem lugar na ilha de Malta, lugar de cruzamento de culturas e religiões, onde o dinheiro acaba por imperar como língua franca. (A riquíssima “Ordem de Malta”, com um estatuto contemporâneo similar ao do Vaticano, não nasceu de nenhuma abstração, mas da acumulação e herança de bens materiais em concreto)
Clássico da dramaturgia universal “O Judeu de Malta” de Marlowe (1) é considerada como a grande influência para a escrita de “O Mercador de Veneza” de William Shakespeare, a história do judeu Shylock historicamente mais facilmente entendível pelas elites elizabethianas de que já se falou aqui no intróito a uma Breve História da Banca Ocidental. A personagem Barrabás é uma alegoria, um fantasma de Séneca baseado na obra de Nicolau Maquiavel, que expressa a cínica visão do poder imoral quando diz: “entendo a religião como uma brincadeira para crianças, e tirar partido dela não é pecado, mas o simples uso da ignorância”.
Aqui o mercador judeu Barrabás é apresentado como um homem que tem mais poder que o resto de Malta inteira; porém quando os navios turcos chegam e exigem o pagamento de um tributo, Barrabás (o ladrão que simbolicamente trocou o lugar pelo Cristo na cruz) é espoliado e fica na miséria. Imediatamente ele inicia uma campanha engendrando a queda do governador espanhol de Malta que o roubou com impostos para pagar aos Turcos. Após várias peripécias Barrabás é condenado mas escapa à execução fingindo-se morto, colaborando então com uma facção da guarda avançada turca com a ajuda dos Cavaleiros de Malta no saque à ilha , acabando ele próprio por ser eleito pelo invasor governador de Malta. Contudo recusa o lugar, inútil para o fim de enriquecimento em vista.
(1) A peça agora “branqueada” simplesmente como “The Jew”, antes “O Judeu de Malta” foi intitulada originalmente por Marlowe como “A Famosa Tragédia do Judeu Rico de Malta" (“The Famous Tragedy of The Rich Jew of Malta”). Foi estreada muito depois da morte do autor, em 1633 na presença do rei e da rainha no Teatro de White-Hall em Londres.
(Para aprofundar o conhecimento sobre o tema está disponível uma resenha sobre a dramaturgia da peça e as personagens aqui, em inglês)
.
Uma simples mistificação dos economistas da escola neoliberal norte-americana, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias de Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos. Neste sentido, só o Presente é nosso, não o momento passado nem aquele que aguardamos, porque um está destruido, e do outro, se não lutarmos, não sabemos se existirá.
Pesquisar neste blogue
domingo, julho 17, 2011
The Jew (O Judeu) pela parceria Dood Pard-Mundo Perfeito, peça de teatro integrada no Festival de Almada
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário