"Não andará longe da verdade quem afirmar que os princípios que o Governo francês tentou impor através do Contrato Primeiro Emprego já fazem regra nos ateliers de arquitectura em Portugal – sob a forma de estágios sem remuneração, de jovens arquitectos com salários muito abaixo dos mínimos e sem qualquer vinculo contratual ou da institucionalização do recibo verde.
Actualmente, e em conformidade com o decreto de lei que é o Estatuto da Ordem dos arquitectos, metade dos cidadãos habilitados a exercer os actos próprios da profissão de arquitectura em Portugal tem menos de 35 anos. Esta geração, formada nas universidades dos anos 90, é responsável por ter destacado as licenciaturas de Arquitectura das demais, pelas exorbitantes medias de entrada (quase sempre superiores a Medicina, ate então crónica liderante. Nas universidades, os sucessivos governos incentivavam o florescer do negocio das novas licenciaturas de Arquitectura sem condições que, fundamentalmente, pareciam resolver o problema das universidades existentes estranguladas. Entretanto esta geração, que não ficou fora da Ordem como por vezes se pretende fazer crer, foi chegando à profissão, sofrendo, nos dias de hoje, um violento processo de exclusão social que importa analisar. A maioria procurou iniciar a sua actividade profissional a partir do trabalho assalariado. Perante um mercado sequioso por retirar o máximo oferecendo o mínimo e com o aumento exponencial da qualidade da procura, constitui-se um sistema de concorrência ultraliberalizada – desde o salário ocasional à total ausência de remuneração. Por outro lado, os mesmos governos que nos anos 90 justificavam a inevitabilidade da implementação de uma propina pelos elevados custos do ensino superior publico, no inicio desta década dirigiram o discurso para a inevitabilidade da contenção da despesa publica. Como consequência, muitos arquitectos desta geração, partiram para o estrangeiro, num processo idêntico à mala de cartão dos anos 60, mas desta vez com o certificado de habilitações debaixo do braço. Passo a passo, o Estado vai perdendo o mais importante proveito do investimento que dizia ter feito no ensino superior.
Por outro lado, os que os no nosso país foram iniciando a sua actividade profissional por conta própria, alguns como último recurso, confrontaram-se com um sistema vigente de cumplicidades e amizades, de promoções entre pares, que de tempos a tempos, resolve enfeitar o meio com uma ou outra jovem revelação. Nos últimos anos, até os concursos que, por tradição, eram a forma como os mais brilhante arquitectos portugueses contemporâneos tinham acesso à profissão como Siza Viera, Souto Moura, Carrilho da Graça ou Gonçalo Byrne, entre outros, deixaram de existir ou são vedados por previas qualificações.
Dentro em breve, em virtude de uma iniciativa de cidadãos da qual sou signatário, a Assembleia da Republica discutirá a revogação parcial do Decreto de lei 73/73 no que diz respeito à prática profissional da arquitectura. Este decreto de 1973, que no seu preâmbulo se identifica como provisório, procurava entre outras coisas colmatar a existência de poucos arquitectos, permitindo a não arquitectos a assinatura de projectos de arquitectura. A lei, que na altura se pretendia qualificadora num país com escassas centenas de arquitectos, transformou-se num absurdo, quando a respectiva ordem profissional ameaça hoje superar os catorze mil associados.
A aprovado deste diploma de revogação parcial e do reconhecimento de que a prática profissional da arquitectura tem uma especificidade para a qual é necessária uma formação específica, é o passo mais importante para a geração de que falo.
A geração que teve as mais altas classificações do ensino secundário, que entretanto concluiu a universidade, e que se confronta diariamente com este mercado negro de trabalho, já não pode esperar mais".
Tiago Mota Saraiva (Arquitecto)
Sem comentários:
Enviar um comentário