“Atenção aos novos protagonistas: juventude nas ruas, senadores nos blogues!”
Medeiros Ferreira (no Bichos Carpinteiros)
sobre Multidão – Guerra e Democracia na Era do Império,
de Michael Hardt e Antonio Negri
“O Império é uma bio-estrutura que impõe a sua ordem pelo uso do poder militar mas também pelo dominio das consciências e da moral. A sua expansão à escala global virá a ser contrariada pela Multidão, (ou Multidões convocadas conforme os propósitos daquilo a que se opõem, e desconvocadas consoante vençam os objectivos a que se propuseram) “colmeias de abelhas” capazes, pela sua natureza, de impor a “democracia absoluta” do Mundo Novo”
notas a partir do ensaio critico de Riccardo Marchi, doutorando/ISCTE, publicado no nº83 da revista “História”
A última obra conjunta de António Negri e Michael Hardt volta a atacar o Império, desta vez apresentando aos leitores o seu directo antagonista: a Multidão. Para descrever a natureza e o carácter da Multidão, a análise dos autores parte de algumas características macroscópias do Império e do meu Poder que tende a incluir todos os sujeitos e a controlar as suas existências enquanto fontes de produção e de consumo económico, cultural, mas também relacional, afectivo e social.
O Império, neste sentido, é um corpo vivo, bio-político, que se expande continuamente em escala global e continuamente gera hierarquias que lhe são funcionais. O Império não cancela os Estados nacionais, mas transforma-os em seus membros, pois no interior destes é possível reencontrar as mesmas estruturas hierárquicas presentes a nível global.
Para autores, esta bio-estrutura imperial organiza a sua acção de exploração em três níveis. No primeiro nível, através da regulamentação interna entre capitalistas privados, à escala global, que ultrapassa os Estados nacionais e gera um direito consuetudinário dependente só do Capital. Num segundo nível, através da regulamentação entre Soberanias Nacionais, cujos interesses regionais se organizam em função do Capital (ex. WTO). O terceiro nível, finalmente, é constituído pelas regulamentações determinadas pelos organismos supra-nacionais que não dependem dos Estados Nacionais ou dos privados, mas constituem um poder global económico-político (Agencias da ONU, FMI, BancoMundial). A substancial cooperação destes três níveis garante o desenvolvimento da ordem económica vigente e a manutenção das hierarquias sociais globais.
IMPÉRIO E PODER MILITAR
O Império delega a defesa desta ordem ao poder militar, que assume as funções de polícia planetária. A Guerra já não é uma excepção – continuação da política com outros meios – mas a regra para o controlo da “Ordem Imperial”. Os termos clássicos da guerra são agora absolutizados: o inimigo é omnipresente (o terrorismo), as armas destroem em massa, o tempo da guerra é infinito e permanente, o espaço é ampliado a todo o planeta, os fins são a Justiça contra todo o Mal.
As guerras locais e regionais acabam, assim, por ser só batalhas da Guerra Civil Global. As mais mediáticas são aquelas que mais põem em discussão, na contingência histórica, a Ordem Imperial. A este bio-domínio militar, com o seu corolário jurídico de Tribunais e organismos internacionais ad hoc, o Império acrescenta a conquista das consciências civis em campo político, económico, até moral ( a defesa dos Direitos Humanos universais coincide cada vez mais como os interesses económicos imperiais)
Um controlo total deste género requer um trabalho contínuo de reprodução da obediência, através do constante diálogo entre a “mono-arquia” (USA) e as aristocracias globais locais ( poderes nacionais políticos, económicos, financeiros).
Na ordem imperial, todavia, podem surgir mal estares regionais, como por exemplo , as reacções de alguns concorrentes directos (Europa, China, Rússia) e de certas oligarquias capitalistas globais, cuja expansão planetária pode ter sido prejudicada pelo unilateralismo, bélico norte-americano. Daí a ideia que algumas oligarquias capitalistas encarariam com favor a globalização alternativa (pacífica e democrática) proposta pelos movimentos ditos no-global, mas na verdade “new-global” e pelos Governos progressistas do Sul do Mundo. Embora mantenham uma atitude de fundo absolutamente antagonista em relação a estas oligarquias, os dois autores não excluem a possibilidade que o movimento “new-global” possa encontrar um entendimento com elas, em oposição ao unilateralismo norte-americano (inimigo imediato), sendo que a Democracia Global pode existir só na ausência da Guerra Global Permanente, sinónimo de hierarquia e obediência. Esta estratégia seria uma nova versão da histórica aliança setecentista entre a burguesia e a nobreza iluminada contra o absolutismo monárquico.
MULTIDÃO SUJEITO ANTAGONISTA
Traçadas as caracteristicas salientes do Império, Negri e Hardt apresentam o novo sujeito antagonista. Para fazer isso percorrem toda a tradição insurreccional da esquerda, desde o exército popular leninista e maoísta, à guerrilha guevarista, desde a centralidade revolucionária do proletário fordista até àquela do camponês sul-americano imputando a derrota da Revolução à escolha de práticas incompatíveis, a priori, com a democracia: a unidade, o centralismo, a hierarquia, a obediência.
Na pós-modernidade toda esta herança histórica deve ser repensada e superada. A multidão não é Povo (onde o elemento unitário prevalece sobre as diferenças e as singularidades), não é Massa (conglomerado uniforme e indistinto), não é Classe determinada (conceito que tende à exclusão).
A Multidão nasce da globalização e das possibilidades oferecidas por esta em termos de inter-relações comunicativas, cooperativas e de colaboração constante numa estrutura de rede, aberta, expansiva, acéfala, composta de nós interligados. A Multidão é organismo vivo no qual os sujeitos individuais interagem, não se homogeneizando, mas antes mantendo as suas diferenças e gerando, assim, o Comum, ao mesmo tempo fonte e produto de uma nova subjectividade política.
Salvaguardar as diferenças, ou melhor as multiplicidades, (culturais, étnicas, de género) significa para a Multidão libertá-las das suas funções tradicionais de reprodutoras da hierarquia do poder. A Multidão refuta esta estrutura, comportando-se, pelo contrário, como uma “colmeia de abelhas”, que não tem nenhuma cabeça, mas infinitas cabeças.
O comportamento em rede, ou em colmeia, permite gerar bio-politicamente práticas comuns, base para a reprodução contínua do ser social. Estas práticas podem-se encontrar não somente nas trocas informais quotidianas, mas também nas tradições de luta e de ataque: desde as reivindicações sexuais (gay, lésbicas, trans), à Intifada palestiniana, desde a luta ANTI-APARTHEID até à experiência zapatista. É principalmente no “Movimento dos Movimentos” que os dois autores focalizam as suas atenções, sendo este a melhor e mais recente demonstração das reais potencialidades da Multidão. Embora, desde o seu nascimento em Seattle em 1999,este movimento esteja substancialmente limitado a um papel de contestação na América do Norte e na Europa, demonstrou, todavia, saber aproveitar as oportunidades, adaptando a sua organização político/militante às características da produção económico-social contemporânea, fazendo da democracia da liberdade as suas linhas mestras. A luta conseguiu assim manter-se viva em patamares diferentes : uns internos ao Sistema (das reivindicações político-sindicais aos actos de desobediência civil), outros externos ao mesmo (formas de residência e guerrilha armada).
continue a ler:
PARA UM NOVO PARADIGMA MARXIANO e COISA COMUM E “DEMOCRACIA ABSOLUTA” que conclui:
A política revolucionária pós-moderna, em definitivo, deve ter plena consciência da essência e da potencialidade da Multidão, para poder reconhecer o momento histórico de ruptura insurreccional contra o Poder imperial, abrindo, assim, o caminho à edificação do “Mundo Novo”.
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