Finalmente, pela primeira vez, foi possível ver em Portugal a versão integral de “As Portas do Céu” do cineasta americano rotulado de “maldito” Michael Cimino.
“The Heaven`s Gate” começa com uma cena monumental, com a cerimónia de formação da classe universitária de Oxford, Inglaterra, no ano de 1870. A cena do baile que culmina o fim de curso, desenvolve-se em redor de uma gigantesca árvore que representa a vida no centro de um terreiro elíptico onde os pares dançam enlevados pelas promessas de futuros risonhos. Filmado de forma sumptuosa com grande angulares, panorâmicas e travellings soberbos, o clímax da festa de formatura acontece por fim com os estudantes em competição para alcançar ramos de flores que devem oferecer como dedicatória que estão nos ramos superiores da árvore. Vale tudo no esforço para lhes conseguir chegar, encavalitando-se furiosamente uns nos outros até conseguir o objectivo, alguns saem feridos da contenda, sob o olhar ansioso das moças namoradeiras que esperam que os ramos lhes sejam oferecidos. No plano seguinte, surge num corte abuptro, o Wyoming (Estados Unidos) e vamos reencontrar três dos jovens 20 anos depois numa cena que principia com um emigrante do leste europeu a esquartejar uma rês. Esta seria afinal uma parábola da fuga do capitalismo para a terra prometida, com grandes espaços para a sua expansão. A ideia era essa, mas não seria bem assim que as coisas se vieram (nem se estão) a passar.
Michael Cimino fala disso, em discurso directo:
“Os três realizadores da história de Hollywood que fizeram o primeiro filme e foram aplaudidos e celebrados muito cedo e depois condenados logo a seguir foram Griffith, Orson Welles e eu. E apenas por termos tentado contar histórias dos EUA como as víamos. Griffith foi acusado de ser racista e “O Nascimento de uma Nação” esteve para ser oficialmente banido. Welles foi acusado de ser megalómano por ter contado a história real de um proprietário de jornais em “O Mundo a Seus Pés”, e a partir daí tentaram destruir tudo o que ele fez. Nos EUA, não gostam das pessoas que têm sucesso muito cedo. Eu fui condenado por ter feito “As Portas do Céu”, uma história real e o mais bem documentada possível, que aconteceu nos EUA no século XIX: a guerra do condado de Jackson, onde o Presidente da República e o Governador do Wyoming sancionaram o genocidio dos emigrantes fazendeiros pelos criadores de gado: cada morto valia 50 dólares”
O “mercado” não gostou do que viu, e a crítica corporativa, como a “Variety” destruiu comercialmente o filme. Estávamos em 1980, dois anos apenas depois de “O Caçador”, outra obra de referência do realizador, que ganhou apenas um Óscar e só viria a ser consagrado como filme de culto pela sua resistência ao longo dos anos. Nesse ano “As Portas do Céu” foi um fracasso monumental, arruinou a “United Artists”, e alterou em definitivo as relações dos grandes estúdios com o cinema de autor, catalogado como sendo de “individualistas”. O filme custou 7,5 milhões (44 milhões a preços de hoje) e teve um retorno de 2 milhões por ter estado menos de uma semana em exibição nas salas. Foi cortado por exigência dos exibidores e tornado inintelegivel. O episódio teve até honras da feitura de um documentário chamado “The Final Cut- The Making and Unmaking of 'Heaven's Gate' (2004). Isto, como é óbvio comprometeu a carreira de Cimino para sempre. A versão integral passada na quinta-feira na Cinemateca com a presença de Michael Cimino apenas acontece 25 anos depois, com uma cópia falada em inglês e legendada em francês, para uma elite restricta portanto. O realizador, tido como um perfeccionista, nunca mais conseguiria produtor para filmar algo que valesse a pena.
Quem não se verga ao sistema, morre, pensam eles. Mas não, “The Heavens Gate” é hoje considerado um dos melhores filmes de sempre. E Cimino, em dia de mtv/awards ao vivo e na tv, bem mereceu a sala cheia e os calorosos aplausos de um público entusiasmado no final.
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