António Negri esteve em Lisboa para participar num debate sobre Michel Foucault. Autor, com Michael Hardt, do “Império”, que se tornou uma bíblia dos defensores da “ globalização alternativa”, os dois acabaram de lançar em português o livro “Multidão”, onde analisam a possibilidade de uma democracia à escala global. A jornalista Ana Sá Lopes d` “O Público” entrevistou Negri no Instituto Franco-Português, onde decorreu o debate sobre Foucault, e dada a importância do que ficou dito, e por não estar disponível online, resolvi transcrever a entrevista que se segue.(embora outras entrevistas mais ou menos similares estejam disponíveis p/e aqui)
P – "Qual é a sua interpretação dos recentes acontecimentos em França?
António Negri – Há muitas explicações para o que se está a passar em França. Há quem pense que se trata de um conflito étnico-religiosos, há quem pense que tem origem em elementos provocadores. Eu penso que as razões fundamentais são sociais. É uma demonstração da crise do neoliberalismo. Mas, atenção, não penso que se trate de uma questão interna da França. São contradições que atravessam todo o capitalismo desenvolvido. É uma realidade extremamente violenta, mas extremamente demonstrativa. Não foi uma insurreição, um movimento politico. Foi um movimento que pôs um problema.
P – Mas a direita respondeu e as sondagens confirmam que reforçou o seu poder. É uma contradição?
A.N. – Não é uma contradição, é uma complementaridade. É evidente que a direita tentou dramatizar a situação, colocando em cima da mesa toda a temática securitária. Mas, repare, já tive experiências extremamente pesadas na minha vida que me demonstraram sempre que quando se opta pela repressão e pela provocação nunca se consegue resolver os problemas. A direita pode ter hoje uma pequena vantagem, quando chama “escumalha” e “bandidos” e apela à capacidade de os reprimir, de os pôr no lugar. Mas eu penso que perdeu.
P – Como é possível, segundo António Negri, ser-se hoje de esquerda?
A.N. – Eu acredito que sou de esquerda, mas não sei se aqueles que se autodenominam partidos de esquerda são de esquerda. Há um problema de lógica. Eu sou de esquerda, sou contra a guerra, sou a favor dos pobres, sou a favor das mulheres e de todos os excluídos da sociedade. Sou, sobretudo, a favor de um projecto politico económico que seja profundamente egualitário. Isso significa ser-se de esquerda. Mas os partidos que se autodenominam de esquerda são a favor da guerra, são a favor de certas divisões sociais e do sucesso individual do capitalismo. Os partidos de esquerda estão em crise, incapazes de produzir modelos sociais alternativos ao modelo capitalista. Estão numa posição de subordinação. Veja-se o problema da imigração, a propósito dos acontecimentos de Paris. A esquerda não disse uma palavra sobre a imigração. Na Itália, passa-se exactamente o mesmo. Há um etnocídio às portas do Mediterrâneo, há centenas de pessoas que morrem, é uma coisa horrível.
P – Porque acha que a esquerda não diz uma palavra sobre imigração?
A.N. – É evidente que a força de trabalho e a produção mudaram. A força de trabalho é hoje móvel, intelectual, flexível. A produção exige hoje mobilidade, mas tem que haver meios para isso. Um meio será, por exemplo, alterar o modo de concessão de cidadania. É uma reforma basilar que as pessoas podem fazer e estas não são necessáriamente reformas de esquerda.
P – Sobre a guerra do Iraque, disse uma vez que se tratava de uma forma dos Estados Unidos atacarem a Europa. Mas não pensa que a Europa está alheada da guerra?
A.N. – Penso que a classe dirigente e a elite europeia estão completamente ultrapassadas.
P – Mas porquê?
A.N. – Durão Barroso é agora chefe da Comissão Europeia, antes dele foi Romano Prodi e já conhecíamos insuficiências profundas nas instituições. Eu sou profundamente europeísta e penso que a única possibilidade de reorganizar a nova ordem mundial plural terá de ser baseada no poder continental. A Europa é necessária, mas é necessária uma Europa que compreenda as novas formas de trabalho, que não seja controlada pelos lobbies corporativos. Tudo isso é absolutamente necessário, é preciso um movimento a favor da Europa, um movimento real, que não será o Parlamento Europeu nem a Constituição giscardiana. É necessário criar um verdadeiro movimento constituinte da Europa. È absolutamente necessário fazê-lo, até porque hoje os americanos perderam.
P – Acredita mesmo que os americanos perderam?
A.N. – Os americanos ensaiaram um golpe de Estado sobre a ordem global, mas perderam. Perderam porque do lado económico tiveram de pagar a guerra e do lado militar não a ganharam. Não têm força para bloquear aquilo que se passa na América Latina, o que se passa na China. Estão verdadeiramente ultrapassados. Bem, veremos o que se vai passar na Europa. São problemas que nos temos que confrontar nos próximos anos. Espero que se venha a criar um profundo élan verdadeiramente multitudinário e proletário que possa reavivar o desejo da Europa profunda, encarada como uma necessidade. A Europa é a nossa Pátria, não? É o nosso espaço politico. De manhã, quando acordo, às vezes nem consigo perceber se estou em Itália ou se estou em França… Há qualquer coisa profundamente real no ser-se europeu.
P – Falou de uma Europa proletária… O que é isso?
A.N. – Quando falo em proletariado, falo nos trabalhadores intelectuais, nos trabalhadores dos serviços. Falo das mulheres, falo em toda a quantidade de energia utilizada no trabalho. Falo da sabedoria, falo de tudo isso quando falo do proletariado. Há uma nova capacidade, uma nova força do novo proletariado. Eu prefiro falar em multidão.
P – No “Império” António Negri e Michael Hardt deram o exemplo de São Francisco de Assis como um dos pilares de onde podia nascer o novo comunismo…
A.N. – Esse exemplo não é nosso, é de Maquiavel. Escrevêmo-lo exactamente porque gostávamos de ver como é que as pessoas reagiam. Maquiavel diz que a religião cristã estará terminada se perder o exemplo de São Francisco de Assis e de São Domingos. É o mesmo que se passa com o Socialismo. O socialismo terminará, e o comunismo acabará, não terá possibilidade de resistir e de se renovar, se não for através da solução das necessidades reais das pessoas. Foi Maquiavel que o disse. É politicamente realista".
"Pobres, sempre os tereis entre vós" (Jo 12,8), disse Jesus Cristo interpelando Judas
a luta de classes transposta para a Igreja, a Esquerda da teologia da Libertação (Leonardo Boff e Joseph Comblin), a ideia de Paz metida ao Barulho, ou a visão Reaccionária do processo de "autodemolição" da Igreja" e a penetração da "fumaça de Satanás" no Templo de Deus, segundo Paulo VI,,,???
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