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quinta-feira, julho 12, 2007

“Da mesma maneira que se encontra água quando se cava, também o ser humano encontrará, mais cedo ou mais tarde, a História incompreensível em toda a parte”
Georg Christoph Lichtenberg


a Eterna Memória Colectiva como Politica Pública
:
os eixos da discussão

"O que é a memória? Um voltar ao passado através de bases de dados e redes de arquivos que criam uma aproximação da “verdadeira memória”? ou é uma escolha, nunca neutra ou ascética que se apropria criticamente do que aconteceu? A questão da “inocência” ou intencionalidade da memória directamente ligada ao seu modo de operação no passado e a sua utilização em termos de presente e de futuro surge como uma questão-chave quando nos interrogamos sobre a politica pública da memória. Estaremos a falar de uma embarcação vazia que devemos “encher” com documentos e lembranças? Ou será um processo que, baseado em interpretações e desejos, se movimenta para a frente e para trás em direcção ao passado, refazendo-o? “Toda a memória é uma construção da memória: o que é lembrado, o que é esquecido, e que significados são dados às lembranças não está implícito no curso dos acontecimentos, mas antes obedece a uma selecção com implicações éticas e politicas”, de acordo com Alejandra Oberti e Roberto Pittaluga (“Which Memories for Which Policies?”)

Não há memórias “puras”, nem memórias que nasçam espontaneamente a partir dos factos. Nas palavras de Primo Levi “a memória é um instrumento maravilhoso mas falacioso” – um local de batalhas, de verdades e de mentiras.

Por alguma razão se assalariam numerosas chusmas de assessores em volta dos centros de decisão, afanosamente construindo verdades falaciosas.

E, se enfatizam certas personagens duvidosas em detrimento, por exemplo de desinteressados militantes pela paz e justiça no mundo. (Pelo contrário, se fosse visto pelos critérios actuais, todos os nossos perseguidos pelo Fascismo e pela Pide, seriam hoje considerados “terroristas”, como o foram os militantes dos movimentos de libertação das colónias).

Assim, é evidente que se corre o risco de “má utilização”, como o afunilamento do passado, a sua distorção ou repetição, de tal modo que se torna estéril, sacralizando e usando-o para apaziguar consciências, desperdiçando a memória como um exercício nostálgico e paralisante. “Rememorando” pode-se sustentar discursos parciais e narrativas hegemónicas do passado. Mónica Moniz, no prólogo de “Nunca Mais” mostra, a partir da afirmação que a maioria das pessoas desaparecidas eram “inocentes da acusação de terrorismo”, que forçando assim a uma interpretação específica dos factos – liberta-se o leitor de toda a necessidade de se questionar sobre se todos estes “inocentes” mereceriam ser torturados e desaparecer. Rememorando, responde, citando Walter Benjamin:
“É o presente, ou melhor, são os perigos do presente, das nossas sociedades actuais, que convocam a memória. Neste sentido, a memória não começa com os acontecimentos dos anos 70, ou até mais atrás, mas antes com a nossa realidade actual e desloca-se para os diversos passado para os trazer, como se fossem iluminações fugazes, relampejantes, para o momento do perigo presente”

Enquanto a história assume a forma de um arquivo fixo, a memória, que é sempre impulsionada pelo presente, agrupa informações que estão sempre em mudança e reconstrói o passado interminável.
Como trabalhar então com a memória? Se a memória é construída, como é que a construímos? Voltando a Benjamin: “ a articulação histórica do que é passado não significa conhecê-lo “como realmente foi”, mas antes “apropriar-se” de uma lembrança em termos de como ela derrama a sua luz do momento de um perigo”, concluindo que “não é uma questão de querer construir a memória em si mesma”, mas antes de o fazer em função de um projecto que discute o que queremos apropriar para nós para “transformar a história em memória e construir uma estrada para seguir caminho”

Lila Pastoriza, in “Memória en construccion. El debate sobre la ESMA”, Argentina, 2005

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