Georg Christoph Lichtenberg
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a Eterna Memória Colectiva como Politica Pública:
os eixos da discussão
"O que é a memória? Um voltar ao passado através de bases de dados e redes de arquivos que criam uma aproximação da “verdadeira memória”? ou é uma escolha, nunca neutra ou ascética que se apropria criticamente do que aconteceu? A questão da “inocência” ou intencionalidade da memória directamente ligada ao seu modo de operação no passado e a sua utilização em termos de presente e de futuro surge como uma questão-chave quando nos interrogamos sobre a politica pública da memória. Estaremos a falar de uma embarcação vazia que devemos “encher” com documentos e lembranças? Ou será um processo que, baseado em interpretações e desejos, se movimenta para a frente e para trás em direcção ao passado, refazendo-o? “Toda a memória é uma construção da memória: o que é lembrado, o que é esquecido, e que significados são dados às lembranças não está implícito no curso dos acontecimentos, mas antes obedece a uma selecção com implicações éticas e politicas”, de acordo com Alejandra Oberti e Roberto Pittaluga (“Which Memories for Which Policies?”)
Não há memórias “puras”, nem memórias que nasçam espontaneamente a partir dos factos. Nas palavras de Primo Levi “a memória é um instrumento maravilhoso mas falacioso” – um local de batalhas, de verdades e de mentiras.
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E, se enfatizam certas personagens duvidosas em detrimento, por exemplo de desinteressados militantes pela paz e justiça no mundo. (Pelo contrário, se fosse visto pelos critérios actuais, todos os nossos perseguidos pelo Fascismo e pela Pide, seriam hoje considerados “terroristas”, como o foram os militantes dos movimentos de libertação das colónias).
Assim, é evidente que se corre o risco de “má utilização”, como o afunilamento do passado, a sua distorção ou repetição, de tal modo que se torna estéril, sacralizando e usando-o para apaziguar consciências, desperdiçando a memória como um exercício nostálgico e paralisante. “Rememorando” pode-se sustentar discursos parciais e narrativas hegemónicas do passado. Mónica Moniz, no prólogo de “Nunca Mais” mostra, a partir da afirmação que a maioria das pessoas desaparecidas eram “inocentes da acusação de terrorismo”, que forçando assim a uma interpretação específica dos factos – liberta-se o leitor de toda a necessidade de se questionar sobre se todos estes “inocentes” mereceriam ser torturados e desaparecer. Rememorando, responde, citando Walter Benjamin:
“É o presente, ou melhor, são os perigos do presente, das nossas sociedades actuais, que convocam a memória. Neste sentido, a memória não começa com os acontecimentos dos anos 70, ou até mais atrás, mas antes com a nossa realidade actual e desloca-se para os diversos passado para os trazer, como se fossem iluminações fugazes, relampejantes, para o momento do perigo presente”
Enquanto a história assume a forma de um arquivo fixo, a memória, que é sempre impulsionada pelo presente, agrupa informações que estão sempre em mudança e reconstrói o passado interminável.
Como trabalhar então com a memória? Se a memória é construída, como é que a construímos? Voltando a Benjamin: “ a articulação histórica do que é passado não significa conhecê-lo “como realmente foi”, mas antes “apropriar-se” de uma lembrança em termos de como ela derrama a sua luz do momento de um perigo”, concluindo que “não é uma questão de querer construir a memória em si mesma”, mas antes de o fazer em função de um projecto que discute o que queremos apropriar para nós para “transformar a história em memória e construir uma estrada para seguir caminho”
Lila Pastoriza, in “Memória en construccion. El debate sobre la ESMA”, Argentina, 2005
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