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segunda-feira, junho 16, 2008

a Ecologia do Absurdo

Barcelona é uma das cidades europeias mais famosas pelo seu cosmopolitismo. Trabalhando (e investindo financeiramente) nessa imagem, um dos últimos ícones arquitectónicos ali concebidos é o gigantesco supositório de vidro configurado na Torre Agbar, situada ao fundo da Avenida Diagonal numa zona de expansão urbanistica com “padrões de crescimento próprios da pós modernidade”, centros comerciais, de marketing cultural, núcleos de serviços, etc.
Como zona que promete preços astronómicos, os terrenos foram conquistados à propriedade social da cidade e vão sendo “limpos” das bolsas de habitantes de antigos bairros periféricos populares.














Não deixa de ser surpreendente mirar os velhos restos de casas de velhos com os inevitáveis garrafões e sacos de plástico cheios de água para afugentar as moscas, estendais e quiosques de churros coexistindo com a espampanante obra. A nova coqueluche mediática da capital da Catalunha é de autoria do arquitecto estrela Jean Nouvell e propriedade do Grupo (privado) Agbar. A Torre que lhe serve de quartel general é um objecto tecnologicamente complexo que promete sustentabilidade:
quando anoitece um intrincado sistema de lâminas amoviveis consoante o grau de inclinação do sol, accionadas por energia solar, vai obscurecendo Barcelona na razão inversa em que o edificio se vai iluminando num grandioso mosaico hi-tech multicolorido. No átrio interior, bem ao estilo de discoteca, há uma loja de souvenirs apta a ser pilhada por turista com vícios Dior. Resta acrescentar que a fabulosa e milionária Torre Agbar funciona em exclusivo como séde da Companhia das Aguas de Barcelona; e que, por um pequeno e lamentável lapso do destino, Barcelona actualmente não tem água para abastecimento público da rede.

A Torre Agbar é um imponente (e dispendioso) lembrete multimédia para todo o passeante que a factura da água chegará, inexoravelmente inflacionada. Há mais de ano e meio que não chove nas bacias dos rios Ter e Llobregat, cujas barragens estão a 22 por cento da capacidade. Na emergência a estação de dessalinização de Almeria e o rios Ebro e Ródano vão garantir fornecimento de água transportada por barco. A moderna e cosmopolita Barcelona vê-se assim confrontada com um problema que remete para um cenário de terceiro mundo: não tem água para enfrentar o Verão e a solução encontrada para o abastecimento custa 180 milhões de euros para 62 quilómetros de condutas a construir, mais 53 milhões para 63 viagens imediatas de 10 barcos cisterna com a capacidade de 20 mil metros cúbicos cada.
Em Maio choveu umas pingas, o nível das barragens subiu para 32,5 por cento e a autarquia aliviou as medidas de urgência; diz Miguel Angel Fraile: “É vergonhoso que se importe água de Tarragona e Marselha que servirá também, sem restrições, para encher as piscinas e para regar jardins e relvados privados dos novos ricos” o que eleva o consumo dos barceloneses para 293 milhões de litros por dia.

Entretanto, ali por perto, inaugurou-se este fim de semana, sob o lema “Água e Desenvolvimento Sustentável”, a Expo Internacional Zaragoza 2008: enquanto a cidade tem em construção o maior entreposto comercial logístico de mercadorias da Europa, cujo sistema de transportes se funda na camionagem por via terrestre e no desmesurado consumo de combustiveis (como processo de “modernização” do capitalismo espanhol), além de concorrer à instalação de uma base de espionagem electrónica da Nato à escala global. Cavaco Silva, que não acerta uma (ou se calhar acerta em todas) lá esteve presente. Enfim, presidente presente, as consequências desastrosas começam a vislumbrar-se.
Em face deste megaevento a Acção Sindical Social Internacionalista (ASSI) e outras trinta organizações de diversos pontos do globo denunciam Estados, Multinacionais e outras organizações públicas e privadas responsáveis por violações sistemáticas dos direitos humanos no que respeita ao uso da água; a direcção da Expo está relacionada com empresas que possuem o controlo da água em inúmeros paises que têm excluido do acesso à água potável milhões de pessoas no planeta. É àqueles que mais água contaminam, roubam e privatizam com políticas criminosas que se legitima o “reconhecimento mundial” com a “etiqueta sustentável

a Expo Zaragoza 2008
faz parte da indústria emergente dos megaeventos e de obras de regime, como tantas outras até aqui, que servem os interesses de empreiteiros, que ocultam a estratégia de saque, acumulação económica e controlo social, com custos ambientais e sociais irreversiveis:

a) O transvase de fundos públicos para mãos privadas e a subjugação das políticas públicas aos ineresses dos capitais locais, regionais, nacionais e transnacionais.
b) A redução no investimento social como consequência dos gastos públicos com este tipo de eventos promocionais
c) O endividamento gerado pela hipoteca do futuro da cidadania a curto e médio prazo.
d) Execução dos diferentes projectos especulativos destinados a expandir artificialmente a cidade implementando a exclusão social.
e) Perpretação de graves agressões ao meio ambiente para levar por diante a Expo com elevados custos energéticos numa feira que dura 3 meses, após o que a área se desertifica
f) Aparato represssivo que acompanha o evento (com o receio de atentados da ETA), com a restrição de liberdades, multiplicação de efectivos policiais, militares e de segurança privada
g) Reprodução de um modelo de cultura-espectáculo elitista, propagandístico e mercantilista.
Elimina hortas cujos custos de rega serão incomportáveis e canaliza o rio Ebro entre infraestruturas megalómanas que nada têm de sustentáveis. Impõe os interesses de uma cidade de 1 milhão de pessoas à totalidade dos 2,6 milhões de habitantes da região. Aprofunda o fosso entre o campo e a cidade. Favorece as multinacionais do “água-negócio” que se apropriam da água das comunidades mais pobres para a vender na forma de serviços potáveis; enfim, sob o falso lema de “uma nova cultura da água”, legitima politicas de privatização da água para as próximas décadas avalizando a mega construção de obras estruturais financiadas pelo Banco Mundial.

Correm os inevitáveis éditos de protesto, manifestando a defesa de:

a) a Água como elemento vital, direito individual e colectivo de todos os seres vivos; e não como mercadoria para especulação.
b) o direito dos povos ao acesso aos seus próprios recursos hídricos e ao controlo dos mesmos
c) a equidade social, ambiental e cultural como factor de sustentação do equilíbrio em contraposição ao conceito neoliberal de “desenvolvimento sustentável”
d) Não à participação directa ou indirecta no evento hipocritamente chamado “Festa da Água

ps: um momento macabro da ExpoZaragoza será, face ao que se passa actualmente na Faixa de Gaza, o Dia Nacional de Israel, ou seja, o dia do maior ladrão de água à face do planeta Terra.

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