Ao ver os “prós e contras” de ontem interrogamo-nos se aqueles seriam de facto os intervenientes certos para que se esclareça a opinião pública sobre o regime corrupto que enfrentamos.
Vimos curiosos, como actor principal do fórum, o advogado José M.Júdice, um activista do grupo terrorista MDLP e actual homem forte do falido BPP – preso pelos malvados da Revolução (por andar a dar milho aos pombos) foi na prisão que conheceu António Maria Pereira, com quem viria depois a fundar a maior empresa de advocacia e consultoria de “project governance” do país. Permanece um mistério: porque teria a Rainha Isabel II outorgado o título de “Sir” a António Maria Pereira?
A moderadora interrompe alguém para lhe corrigir a pronúncia de “firestone” e a memória leva-nos à National Gallery em Londres ao majestoso retrato a óleo de Sir William Carr Beresford, o governador britânico de Portugal durante a ausência de D. João VI, ou ali perto de Marble Arch à estátua do Duque de Wellington. Há quem se lembre que, perante a actual crise de défice de produção para alimentar tanta obesidade, a causa dos nossos males modernos começou com a “Convenção de Queluz”. Era a Corte de então muito diferente nos hábitos da actual?
1808. (...) "a Corte chegou ao Brasil empobrecida, destituida e necessitada de tudo. Já estava falida quando deixara Lisboa, mas a situação agravou-se ainda mais no Rio de Janeiro. Deve-se lembrar que entre 10.000 a 15.000 portugueses atravessaram o Atlântico com D.João VI. Para se ter uma ideia do que isso significava, basta ter em conta que, ao mudar a sede de governo dos Estados Unidos de Filadélfia para a recém-construida Washington, em 1800, o presidente John Adams transferiu para a nova capital cerca de 1.000 funcionários. Ou seja, a Corte portuguesa no Brasil era entre 10 a 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana dessa época. E todos dependiam do erário real ou esperavam do príncipe regente algum benefício em troca do “sacrifício” da viagem. “Um enxame de aventureiros, necessitados e sem princípios, acompanhou a família real” notou o cronista John Armitage. “Os novos hóspedes pouco se interessam pela prosperidade do Brasil. Consideravam temporária a sua ausência de Portugal e propunham-se mais a enriquecer à custa do Estado do que a administrar justiça ou a beneficiar o povo”
O historiador Luiz Filipe Alencastro conta que, além da familia real, 276 fidalgos e dignitários régios recebiam uma verba anual de custeio e representação, paga em moedas de ouro e prata retiradas do tesouro real do Rio de Janeiro. Com base nos relatos do inglês John Luccock, Alencastro acrescenta a esse número mais 2.000 funcionários reais e indivíduos que exerciam funções relacionadas à Coroa, 700 padres, 500 advogados, duzentos praticantes de medicina e entre 4.000 a 5.000 militares. Um dos padres recebia um salário fixo anual de 250.000 réis – o equivalente hoje a 7.000 euros – só para confessar a raínha. “Poucas Cortes europeias têm tantas pessoas ligadas a ela quanto a brasileira, incluindo fidalgos, eclesiásticos e oficiais” escreveu o cônsul inglês James Henderson. Ao visitar as cocheiras da Quinta da Boa Vista, onde D. João VI morava, Henderson surpreendeu-se com o número de animais e, principalmente, de serviçais ali empregados. Eram 300 mulas e cavalos, e “o dobro do número de pessoas para cuidar deles do que seria necessário em Inglaterra”.
Era uma Corte cara, perdulária e voraz. Em 1820, o ano anterior ao retorno a Portugal, consumia 513 galinhas, frangos, pombos e perús e 90 dúzias de ovos por dia. Eram quase 200.000 aves e 33.000 dúzias de ovos por ano, o que somado à despesa da Corte levava a um custo total de cerca de 900 contos de réis (quase 25 milhões de euros em dinheiro actual). A procura era tão grande que, por ordem do administrador da Ucharia Real, a repartição responsável pelos depósitos de comida da Corte, todas as galinhas à venda no Rio de Janeiro deveriam ser, prioritariamente, compradas por agentes do Rei. A decisão provocou a escassez dessas aves no mercado e revolta nos moradores da cidade. Numa carta a D.João VI, eles reclamaram a falta de galinhas e também o comportamento dos funcionários da despensa real, que passaram a vendê-las no mercado paralelo, onde cobravam um alto preço.
Nos treze anos que D. João viveu no Brasil, as despesas da mal administrada e corrupta Ucharia Real mais que triplicaram. O défice crescia sem parar. No último ano, 1821, o buraco no orçamento tinha aumentado mais de vinte vezes – de 10 contos de réis para 239 contos de réis. Apesar disso, a Corte continuou a pagar tudo a todos, sem se preocupara com a origem dos recursos. “Todos, sem excepção, recebiam ração, de acordo com o seu lugar e legitimidade” explica o historiador Jurandir Malerba, “Nobres, mas também cada artista contratado como os cantores e músicos italianos, ou pintores e arquitectos franceses e naturalistas autríacos, embaixadores e funcionários das repartições recebiam a sua quota de víveres à custa da Ucharia Real, prática extinta apenas no governo do austero D. Pedro I”.
Onde encontrar dinheiro para socorrer tanta gente? A primeira solução foi obter um empréstimo de Inglaterra, no valor de 600.000 libras esterlinas. Esse dinheiro, usado em 1809 para cobrir as despesas da viagem e os primeiros gastos da Corte no Rio de Janeiro, seria uma parte da dívida de 2 milhões de libras esterlinas que o Brasil herdaria de Portugal depois da independência.
Outra providência, igualmente insustentável a longo prazo, foi criar um banco estatal para emitir moeda. A breve e triste história do primeiro Banco do Brasil, criado pelo Principe Regente sete meses depois de chegar ao Rio de Janeiro, é um exemplo do compadrio que se estabeleceu entre a monarquia e uma casta de privilegiados negociantes, fazendeiros e traficantes de escravos a apartir de 1808.
Pela carta régia de Outubro de 1808, o capital do Banco do Brasil seria composto de 1.200 acções no valor unitário de 1 conto de réis. Para estimular a compra dessas acções, a Coroa estabeleceu uma politica de toma-lá-dá-cá. Os novos accionistas eram recompensados com títulos de nobreza, comendas e a nomeação para cargos de deputados da Real Junta do Comércio, além da promessa de dividendos muito superiores aos resultados gerados pela instituição. Em troca, o principe regente tinha à disposição um banco para emitir papel moeda à vontade, tanto quanto fossem as necessidades da Corte recém chegada. Como resultado, quem era rico e plebeu tornou-se nobre. Quem já era rico e nobre, enriqueceu ainda mais. A magia funcionou durante pouco mais de dez anos. Em 1820 o novo banco já estava arruinado. Os seus depósitos em ouro, que serviam de garantia para a emissão de moeda, representavam apenas 20% do total de dinheiro em circulação. Ou seja, 80% correspondiam a dinheiro podre, sem lastro. Noventa por cento de todos os saques eram feitos pela realeza. Para piorar a situação, ao regressar a Portugal, em 1821, D.João VI levou consigo todas as barras de ouro e diamantes que a coroa mantinha nos cofres do banco, abalando definitivamente a sua credibilidade.
(...) Outra herança da época de D.João VI é a prática da “caixinha” nas concorrências e pagamentos dos serviços públicos. Citando os relatos de Luccock, diz-se que se cobrava uma comissão de 17% sobre todos os pagamentos ou saques no tesouro público. Era uma forma de extorsão velada: se o interessado não comparecesse com os 17% os processos simplesmente paravam de andar. A corrupção medrava escandalosa e tanto contribuia para aumentar as despesas, como contribuia o contrabando para diminuir as receitas”
Conta-se que a Corte tomava posse administrativa de todas as propriedades necessárias para o alojamento do nemroso séquito. Para tal bastava avisar os proprietários com a inscrição nas fachadas ou portas das dus letras PR da insignia Principe Regente,, marca que ficou de imediato popularizada pelo ovo como “Pronto a Roubar”. Fiéis à sua vocação de satirizar até as nossas próprias desgraças, o povo celebrizou a “ucharia” e a roubalheira da Corte de D. João VI com versos populares:
Quem furta pouco é ladrão
Quem furta muito é barão
Quem mais furta e esconde
Passa de barão a visconde
PS. lido por aí, nas caixas de comentários da blogosfera, o melhor é decerto este: “A única hipótese plausível que eu vejo para a reclamada inocência do PM é este ter-se enganado e dado aos intermediários do Freeport o nº da conta offshore do PSD”
.
Sem comentários:
Enviar um comentário