diz-se que foi a primeira ópera proletária (1896), onde dos artistas da boémia nocturna de Paris se nota que salvar-se de morrer de frio - Lorito il becco aprì, da Socrate morì! - é mais importante que preservar as suas obras para a posteridade. Até à época em que Giacomo Puccini compôs La Bohème, quase todos os personagens de ópera até então tinham sido reis, príncipes, nobres, guerreiros, deuses ou heróis da mitologia grega. Os personagens de La Bohème são intelectuais proletários que não têm dinheiro nem para pagar a renda de casa, ainda assim refúgio luxuoso para grandes paixões de párias de menor estatuto social - che gelida manina! se la lasci riscaldar - como a Mimi que acaba por sucumbir tísica. De antologia o quadro em que Schaunard presta homenagem ao sobretudo antes de o ir pôr ao prego: “Adeus velho companheiro que nunca te vergaste perante ricos e poderosos, pelos teus bolsos passaram filósofos e poetas (…) De cada vez que se vê La Boheme, pobres espectadores, enchem-se alguidares de lágrimas (estética e eruditamente derramadas). Quem não quer saber de desgraças é a Musetta, que curte farras na maior, tirando partido da arte de sedução sobre cavalheiros generosos, as mais das vezes até mais por prazer, ganda maluca; se não fosse assim, a alegria de viver versus marxistas macambuzios, como iriam as gentis signorinas nascidas filhas de operário adquirir estatuto para a estreia de hoje no São Carlos?
«nous vivions de l'air du temps»
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