Ao domingo de Páscoa, frente ao cabrito assado com batatinhas e tinto reserva de Borba, imaginamos como acaba a estória, mas não sabemos como começou. Com a chegada dos árabes à peninsula Ibérica existiam numerosas versões das mitológicas “Toledoh Yéshu” – a Vida de Jesus, (Toledoh, que significa Vida, foi o primeiro nome da capital árabe Toledo). Nessa época a religião cristã é equiparada ao judaismo, ambas descendentes de idolatrias, de adoradores de estrelas, de oportunistas, adivinhos celestiais e messiânicos astrólogos. Todas as crenças populares adquiridas através das lenga-lengas destes místicos eram de origem pagã (do grego “pagus”, aldeia, rural, por oposição ao esclarecimento das romanas civitas). Segundo Jacob Katz, em “Exclusion et Tolerance”, apenas o Islão,(e porquê as ditas sinagogas hispânicas tinham traça árabe?) como religião oficial do Poder, merecia credibilidade aos sábios hispano-árabes-judeus sobre a pregação da unidade divina absoluta, como constatava Maimonides para quem a religião maometana nesse ponto não oferecia dúvidas. Todas as outras religiões, crenças e mitos eram politeistas, principalmente o “cristinianismo” com aquela treta doutrinária da “santíssima trindade, três deuses em um”, com que tinham colonizado ideologicamente o Império Romano, uma das causas da sua decadência. Foi preciso esperar pelo século XII e por Salomon ha-Meiri (1249-1316) para que o Cristianismo fosse admitido como uma religião monoteista. Começando por nos apresentar as personagens principais, reunindo os diversos resumos sinópticos da época, a lenda de tradição oral de Yéshua rezava assim:
“a rainha Helena (por ela se diz helenisticos dos gregos), Myriam (Maria) que lhe seria aparentada e Yosep (José) o amante tímido, que conseguiria seduzir a jovem fazendo-se passar pelo seu noivo, Yohanan (João), de quem se havia feito amigo precisamente nessa intenção: tendo-se aproveitado de Myriam no período menstrual, Yosep não consegue ocultar o seu delito, visto que Yohanan, forçado a justificar-se, jura que não poderia ter cometido um tal acto, contrário às regras religiosas judaicas. Tendo identificado o seu sedutor, Myriam reprovou a Yohanan a má escolha dos seus amigos. Desesperado, Yohanan foi pedir conselho ao seu mestre Shim`on ben Shetah, o qual o conjura a colocar guardas às portas e janelas da casa de Myriam. Porém, Yosep suspeita de uma armadilha e abstém-se de novas visitas. Receoso da sua reputação, Yohanan fugiu para a Babilónia, onde se dedicaria ao estudo da Tora. Myriam, desencorajada e entregue a si mesma, abandonou-se ao seu sedutor e tornou-se uma mulher de má vida. Jesus nasce e a sua mãe mando-o circuncisar (um costume egipcio), enquanto faz espalhar os rumores duma “imaculada concepção”. Como se acaba por descobrir as origens de Jesus? Ele vai ao “Beit Hamidrash” (Casa de Exegese, o mesmo que Madrassa) onde o seu talento e erudição chamam a atenção do Mestre e dos seus condiscípulos. A sua vaidade porém leva-o a ensinar, na ausência do Mestre, as “Halákha” (de Aláh, regras religiosas redigidas em nome de Deus), isto apesar das repetidas advertências dos auditores que o ameaçam. A chegada do Mestre tira-o dessa má situação, mas não acaba com a sua insolência, porque Jesus persiste e continua a reclamar-se de um precedente célebre: Moisés, o nosso Mestre, (o que de facto nunca existiu) também ele não tinha passado por cima e suplantado o seu sogro Jetro?
Para o Mestre aquilo era o cúmulo: somente um nascimento impuro podia explicar tamanha insolência. Em tais circunstâncias Jesus foge e constrange a sua mãe a revelar-lhe a sua verdadeira origem. Myriam mantém que, com efeito, o tinha concebido do seu namorado Yohanan que fugira. Pouco tempo depois, Jesus de novo nas graças do seu Mestre, repete as suas faltas: quer ser tomado por um deus, profana o dia sagrado de Sábado e força o Sinédrio a convocar a sua mãe para avaliar a falta cometida por ela – e apesar de ela ter coabitado com Yosep seu amante, o tribunal usa de benevolência e deixa-a em liberdade.
Após muitas peripécias, assiste-se à prisão de Jesus, ao seu julgamento, à sua encarceração e à sua fuga: Ele caminha sobre as águas, encanta os peixes, satisfaz as necessidades do seu bando, multiplica os pães por magia e cria sumptuosas roupas. De novo preso, é julgado, condenado, lapidado, enforcado e exumado ao fim de três dias para pôr fim ao boato que mesmo morto ele teria fugido para o céu”
(in Günther Schichting, “Ein Jüdisches Leben Jesus”, 1982)
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