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segunda-feira, março 14, 2011

o Espectador Enrascado

“O presente não é alegre porque não há esperanças fortes, digamos assim, que sustentem os movimentos existentes(Jacques Rancière) e perante isto alegram-se os nossos liberais: “este pessoal da manif deve querer obrigar os empreendedores a empregar pessoal sem necessidade”; e concorda José Manuel Fernandes: "sem despedimentos não há contratações; não há meritocracia" o mesmo jmf aliado do governo que odeia, mas que está já a tratar de reduzir a quase zero as indemnizações por despedimento.

Mas pelo meio das interpretações possíveis na anábase da expedição dos milhares de precários deste sábado eis que aparece uma lufada de ar fresco, um jovem casal que empunha uma semprieterna saudação a José Estaline, homenagem concreta ao preciso momento em que a sociedade ocidental mais se aproximou do pleno emprego. Um modo de civilização que caiu às mãos da sociedade espectáculo do consumismo. Logo a seguir ao pós guerra os mesmos capitalistas que dão hoje nome à avenida principal de Telavive fizeram de Berlim, de forma artificial, uma feérica mostra consumista que igualou o melhor do mundo em luxo: Paris, Londres, New York, em apenas uma década; a seguir chegou Kennedy e o “somos todos berlinenses”. Quem chegou foi o efeito de contágio a que a URSS reconvertida foi obrigada a responder com a ameaça armamentista, austera, não sobrando daí capital acumulado para saciar eventuais luxos de consumo supérfluo

No tempo do nacional-liberalismo, “a opinião dominante entendia sob a designação de democracia a convergência entre uma forma de governação fundada nas liberdades públicas” (quando a ocidente impunemente a coisa pública ainda não tinha sido usurpada pela máfia governante) “e um modo de vida individual baseado na livre escolha posta à disposição pelo mercado livre”

Enquanto durou o império soviético, a opinião dominante opunha a democracia assim concebida ao inimigo que dava pelo nome de Totalitarismo” – nada mais falso, porque se a datada tese de Hannah Arendt ( a eterna apaixonada judia do professor nazi) tivesse qualquer fundamento além da encomenda que lhe sustentou a escrita, o processo totalitário nunca teria permitido a existência e subida ao poder de facções de opinião, que conduziram primeiro na década de 60 à degeneração do socialismo para capitalismo burocrático de Estado, e segundo, depois na década de 80 para a adesão ao modelo de capitalismo global invocando a mentira grosseira do retorno ao internacionalismo de Lenine.

“Mas o consenso acerca da fórmula que identificava a democracia com o somatório dos direitos do homem, do mercado livre e da livre escolha individual dissipou-se com o desaparecimento do inimigo. Nos anos que se seguiram a 1989, surgiram campanhas intelectuais cada vez mais furiosas denunciando o efeito fatal da conjunção entre os direitos do homem e a livre escolha dos indivíduos. Sociólogos, filósofos políticos e moralistas revezavam-se na tentativa de nos explicar que os direitos do homem, como Marx bem vira, são os direitos do individuo egoísta burguês, os direitos dos consumidores de toda a espécie de mercadorias, e que tais direitos, hoje em dia, levavam esses mesmos consumidores a destruir todo e qualquer entrave ao respectivo frenesim consumista e consequentemente a destruir as formas tradicionais de autoridade que impunham limites ao poder do mercado: a escola, a religião ou a família. Segundo eles, era este o sentido real da democracia: a lei do indivíduo preocupado unicamente com a satisfação dos seus desejos. Os indivíduos democráticos querem a igualdade. Mas a igualdade que querem é a que governa a relação entre o vendedor e o comprador de uma mercadoria. O que tais individuos querem, portanto, é o triunfo do mercado em todas as relações humanas. (1) E quanto mais se mostram inflamados na defesa da igualdade (no consumo) mais ardentemente contribuem para esse triunfo” (Jacques Rancière): nesta nova teorização neo-capitalista, o totalitarismo passa a ser a consequência do fanatismo individualista da livre escolha e do consumo ilimitado, visto pelos olhos tanto dos filhos de Marx como dos filhos da Coca-Cola.

Os manifestantes de ontem, adstritos às forças do “intelecto geral” hoje absorvido pelo Capital e pelo Estado (2) são os mesmos que hoje e amanhã vão encher de novo as grandes superfícies dos supermercados globais, as catedrais de gadgets semi-inúteis, as lojas de marca, ler as noticias na óptica das corporações multinacionais, enfim, os mesmos consumidores que esgotam discotecas bebendo umas bejecas em vez de se organizarem para o trabalho politico junto das massas de operários produtores – face ao que acontece, quanto mais querem destruir o poder da besta mais contribuem para o seu triunfo; aliás, não é certo que a revolta seja dirigida contra “as coisas boas” do capitalismo. A grande maioria não está interessada em destruir o sistema, mas apenas “em salvar um capitalismo que teria perdido o seu espírito” (3) e deixou de criar emprego, precisamente porque, sob a égide do neoliberalismo, vem há três décadas desmantelando os empregos que existiam na anterior geração de pais rascas. E no entanto fazer greve ao negócio dos homens mais ricos do país, ao consumo de produtos importados de longe (4), comprando nos mercados tradicionais locais produtos produzidos localmente é hoje mais revolucionário e um modo de luta mais eficaz que desfilar em efémeros cortejos folclóricos.

Nestas circunstâncias (5) - romper com a sujeição ao Capital que ilusoriamente criou riqueza fictícia e hiperconsumo supérfluo para alimentar lucros inviáveis enviando a resolução do problema para um futuro a resolver pelas novas gerações – a emancipação só pode surgir havendo uma reapropriação dos bens colectivos perdidos pela comunidade, isto é, recriando um núcleo de economia planificada posta ao serviço da colectividade local, livre e democraticamente decidido por esta. Noutro paradigma, decerto, mas um regresso ao Estaline da fotografia empunhada pelos jovens, democratizando-o pela purga da alienação ao consumo capitalista, ou aceitando e mantendo esse consumo lucro das multinacionais globais... e caso a escolha reverta para este último caso, quem melhor estará colocado para assumir o papel de Estaline senão Cavaco Silva?

"Trabalhadores", Ben Shahn, autor da série "a Idade da Ansiedade" (1944)

(1) "O Espectador Emancipado", Jacques Rancière
(2) "Miracle, Virtuosité et "Dejá-vu". Trois Essais sur l´idée de "Monde", Paolo Virno
(3) "Mécréance et Discrédit, l`Espirit Perdu du Capitalisme", Bernard Stiegler
(4) "Greve aos Supermercados", Ben Shahn, 1957
(5) "A Felicidade Paradoxal, Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo", Gilles Lipovetsky
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4 comentários:

Anónimo disse...

depois queixa-te portugalito:

http://www.ionline.pt/conteudo/102034-jovens-portugueses-foram-os-que-mais-compraram-carros-novos-na-europa

é só ver as faculdades com os seus parques de estacionamento cheios, apinhados, transbordados de transportes públicos privados... LOL

Anónimo disse...

umas bolinhas para a (in)digestão:

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=473027

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

"sem despedimentos não há contratações; não há meritocracia" o mesmo jmf .Se calhar está na altura de perguntar para quem este merdas trabalhou aquando da invasão da embaixada de Espanha em 75,com toda a probabilidade deve ser um amanuense/escriba da CIA,daí o seu Mérito!!!Porco