Depois de Cecilia Bartoli na Gulbenkian com as “Ópera Proibitas”, um resumo de obras barrocas à época proibidas pelo Vaticano, prosseguiu o “Ciclo de Grandes Orquestras Mundiais sábado à noite no Coliseu com o italiano Ricardo Chailly dirigindo a excepcional Orquestra de Leipzig, que interpretaram a 7ª Sinfonia (O Canto da Noite) de Gustave Mahler. A Orquestra do Gewandhaus (“Casa dos Tecidos) cujo nome se deve ao facto dos primeiros concertos serem dados numa loja, é uma das mais antigas do mundo. Foi fundada em 1743 ainda em tempo de Sebastian Bach e um dos seus primeiros maestros foi Mendelsson. Durante a segunda guerra mundial foi dirigida por um dos expoentes máximos da música moderna: Furtwängler um fervoroso adepto do nazismo alemão.
Se um lugar nas galerias de peão do Coliseu (onde por acaso a acústica é óptima) custa a exorbitância de 20 euros (mais caro do que no Metropolitan de New York) fica fácil entender que a indústria da Cultura não é desenhada para quem tenha curiosidade em compreender e ligar-se às artes tradicionalmente ligadas à ideologia do Poder vigente em cada época e lugar.
À mesma hora (!, por contingências de mercado) no CCB, António Pinho Vargas estreou a sinfonia Graffiti (just forms) com a Orquestra Sinfónica Portuguesa. O compositor buscou o significado não evidente do estilo graffiti obscuro e anónimo, com as suas semelhanças e diferenças inescrutáveis, enquanto que just forms alude ao facto de toda a partitura ser uma forma e remete para Boaventura Sousa Santos quando fala da cultura portuguesa como “cultura de fronteira”, como tal destituida de conteúdo, preservando apenas a forma. Efectivamente as salas esgotadas não significam grande coisa: o pedantismo snob abunda nos foyers repletos, onde em boa verdade o mais importante, que é ver-se e ser-se visto, ganha de longe em primazia ao que acaba sendo secundário: a Música e os seus significados.
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A caminho do Museu do Chiado e do “Olhar da pintura Fauve”, quem passa aos domingos à porta do Teatro Nacional de São Carlos é surpreendido por um ajuntamento inusitado de pessoas. Trata-se dos ciclos de Música da Europa, com bilhetes a 5 euros para 3 sessões que abrangem o dia todo, desta feita patrocinado pelo Instituto Franco-Português. No Salão Nobre, com os pézinhos reconfortados na luxuosa alcatifa e o olhar aconchegado nos sumptuosos lustres, passando por muitos jovens promissores intérpretes de Fauré, Ravel, Debussy,Poulenc, Massenet, e Gounod,,, acabou-se ao pôr-do-sol com o consagrado tenor português Carlos Guilherme e uma deliciosa história:
as “Danças Macabras”
Quando Camille Saint-Saens (1842-1921) compôs esta canção (que faz parte do Carnaval dos Animais) usou três silabas musicais monocórdicamente repetidas durante toda a partitura – três notas musicais repetidas exaustivamente, toc-toc-toc. A história havia sido começada a escrever algum tempo antes – quando Vitor Hugo criou o conto “Le pas d`armes du roi Jean” e descreveu a vida de um Rei com pouca apetência para assuntos de artes ou cultura – nada a fazer: o Rei apenas pensava em lutas e guerras de conquista – para ele a vida resumia-se às suas actividades guerreiras, passando o tempo todo longe dos súbditos e dos problemas reais do reino. E lá ia ele, o cavalo a trote e o caminho: toc, toc, toc.Quando depois Henry Cazalis (o médico de Guy de Maupassant) escreveu o libreto das Danças Macabras inspirou-se nesse velho conto de Vitor Hugo. Os tempos eram entretanto outros, pontificando os ideais emergentes da Revolução Francesa – liberdade, fraternidade, igualdade – toc, toc, toc,,,
Saint Saens ao escrever as três notas repetivas toc,toc,toc criticava na evolução musical da partitura os invios caminhos da aplicação prática dos ideais no refluxo da revolução – que falava em Liberdade enquanto se procedia á repressão, quando a Fraternidade nas condições de vida era inexistente e as condições de Igualdade eram apenas encontradas na morte – efectivamente na Morte todos acabavam finalmente iguais. Daí o nome: toc, toc, toc - Danças Macabras.
sobre a pintura: "Carta Branca" (1965)
"Coisas visiveis podem ser invisiveis. Se alguém cavalga por um bosque, a principio vêmo-lo, depois não, contudo sabemos que está lá. Em Carta Branca o jockey oculta as árvores e estas ocultam-no. Todavia, os nossos poderes de pensamento abrangem tanto o visivel como o invisivel - e eu faço uso da pintura para tornar os pensamentos visiveis"
René Magritte
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