não sabemos se Durão Barroso, Bush ou Tony Blair, algum deles, tivesse dito isto textualmente, mas decerto que o pensaram.
João Pereira da Costa
“No próximo dia 18 de Julho passarão 70 anos que se iniciou a Guerra Civil de Espanha. Certamente que esta data não diz grande coisa a muitos jovens portugueses, que constituem uma parte significativa da população do nosso país. Mas talvez popr isso seja importante tecer algumas considerações acerca deste acontecimento, um dos mais importantes do século XX. Exactamente porque se deu no final da primeira metade do século e antecedeu a Segunda Guerra Mundial, foi um terreno de confrontos ideológicos, políticos e diplomáticos, assim como de experiências e transformações na arte da guerra. Por outro lado, a participação directa de unidades milittares de duas potências do Eixo, a Alemanha e a Itália, levou à criação de um movimento oposto de voluntários civis de várias dezenas de milhares de homens oriundos de mais de 50 paises. Isto é tanto mais importante quanto, ao contrário de outras guerras anteriores, estes homens, que constituíram as Brigadas Internacionais, não participaram como mercenários mas vieram lutar abertamente por uma causa em que acreditavam. Esta foi uma das guerras em que, como alguém disse, era fácil escolher o lado certo. Passados todos estes anos isso não nos parece assim tão claro. De qualquer modo, a sublevação militar iniciada pelas forças estacionadas no Marrocos espanhol, em 18 de Julho de 1936, dirigiu-se contra a ordem constitucional resultante das eleições de Fevereiro do mesmo ano, que deram a vitória às forças de esquerda, agrupadas na Frente Popular. A partir dessa altura, e mesmo antes, tinha-se desencadeado um processo revolucionário que ultrapassou essa mesma ordem constitucional e que os nacionalistas aproveitaram para justificar a sua acção. Tudo isso está descrito em centenas de obras sobre os acontecimentos e por isso não pretendo analisar aqui à exaustão. Parece-me sim, importante chamar a atenção para quatro ou cinco pontos interessantes relacionados com a politica internacional da época e para similitude com o que se passou no Chile de Allende em 1973, onde a liderança da Frente Popular, embora há três anos no poder, não conseguiu resistir ao golpe militar. Primeiro, a Sociedade das Nações, com sede em Genebra, primeira organização internacional a ser criada com objectivos semelhantes aos das Nações Unidas, encontrava-se em fase de desintegração. Resultante dos tratados de Versalhes que puseram fim à Primeira Guerra Mundial e revolucionaram a carta geopolítica da Europa, terminando com a existência dos impérios alemão, austro húngaro e otomano e dando origem a mais de uma dezena a mais de uma dezena de novos países, a Sociedade das Nações sofreu logo à partida de um poderoso handicap, ou seja o de não preverá intervenção de forças militares para redimir os conflitos armados. Acresce que o seu principal inspirador, o Presidente Wilson dos EUA, não conseguiu ver aprovada pelo Senado americano a participação so seu próprio país na organização. Assim, já na década de 30, pouco antes de eclodir a guerra civil em Espanha, deu-se a invasão da província chinesa da Manchúria pelo Japão e a conquista da Abissínia, actual Etióia, pela Itália, que ficaram impunes.
Quando começaram as hostilidades no país vizinho foi criado um Comité de Não-Intervenção de que faziam parte países como a França, Alemanha, Itália, URSS, Reino Unido e Portugal. Aí se estabeleceu um embrago à venda de armas aos dois contendores e se proibiu a participação de países estrangeiros no conflito. O que não foi respeitado pelas potências do Eixo, que tinahm enviado unidades regulares para o terreno, praticamente desde o inicio do conflito. A União Soviética passou então a ajudar directa, mas não abertamente, a Espanha republicana com todo o tipo de equipamento militar e organizou, através do Komintern, o recrutamento dos voluntários civis que iriam constituir as Brigadas Internacionai. Milhares de combatentes chegaram de quase todos os países do mundo. É bom notar que nessa altura faziam parte da Sociedade das Nações apenas 63 paises e não se tinha dado ainda o movimento de descolonização na Ásia e em África. Vieram homens da Austrália, do Canadá, dos Estados Unidos da América e de toda a Europa para defender a república espanhola. Dos EUA, 2300 voluntários constituíram ops batalhões Abraham Lincoln e George Washington. Foram colectados 100.000 dólares e enviados seis hospitais de campanha e 18 ambulâncias. Nenhum americano se alistou no lado nacionalista, segundo o historiador Hugh Thomaz. No Reino Unido, várias personalidades, como o insigne historiador H.G.Wells e o futuro primeiro ministro Clement Atlee, participaram na campanha a favor da república e contra a não intervenção defendida pelo governo conservador de então, ao mesmo tempo que o Trinity College da Universidade de Cambridge recrutava centenas de voluntários, entre os quais alguns poetas como Stephen Spender e H.W. Auden. Para já não falar de muitos outros intelectuais europeus e americanos, como André Malraux e Ernest Heminguay. Convém frisar que isto só foi possível porque o movimento comunista internacional, à época, granjeava uma enorme simpatia em todo o mundo. Uma das principais razões é que a América e a Europa acabavam de sair de uma das mais graves crises do sistema capitalista, a Grande Depressão. Muitos milhões de pessoas nos dois continentes olhavam para a URSS como um país onde esse tipo de crises não acontecia. É também de realçar que há 70 anos estávamos muito longe do movimento de globalização que hoje vivemos, a televisão não existia e a rádio, sua predecessora como meio de comunicação universal, estava a dar os primeiros passos. Notável é, por isso, a capacidade de mobilização de quase 100.000 civis, homens e mulheres, provenientes de quase todos os países então existentes, para participar na luta antifascista em Espanha. Por isso se dizia que nessa guerra era fácil escolher o lado certo. Hoje, passados 70 anos, cohecidas todas as atrocidades cometidas de parte a parte e os acontecimentos que precederam o conflito, é talvez mais difícil dizer de que lado estava a razão. Uma coisa é certa, muito teve de sofrer o povo espanhol, num dos acontecimentos mais trágicos do século XX, para conseguir 40 anos mais tarde encontrar o caminho para a pacificação do país".
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