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segunda-feira, julho 31, 2006

Tempo de Monstros

"Percorrer com algum vagar e atenção o minimundo da animação para os garotos que a TV diariamente lhes oferece é, em larga medida, descer a uma espécie de submundo povoado por monstros de diversos tipos e formatos onde um adulto normal mas desprevenido se arrisca a assustar-se a valer. É certo que a generalidade dos miúdos não dá sinais de susto, pelo que não haverá motivos para alarme. Talvez não, mas não será porventura completamente desajustado que nós, adultos assustadiços, reflictamos um pouco acerca dessa indiferença infantil perante o que, em rigor, não nos deixa a nós indiferentes. Parece mais ou menos óbvio que os garotos estão habituados àquele estilo e àquele tom. Mais: que na sua memória não há, pelo menos de forma consistente e significativa, um paradigma de animação diferente que, por confronto, denuncie a violência da animação agora dominante. E, é claro, quando não se reconhece a violência não se encontra motivação para o susto(...) Essa indução de fascínio pelo que é monstruoso tem como que uma contrapartida discretamente implícita, admitamos mesmo que não premeditada: o hábito mental de desapreço pelo que, não sendo monstruoso nem sequer raro, se desvaloriza. E essa atitude interior não resulta apenas, de modo nenhum, dos “cartoons” para os garotos: é quase como que uma lei social não escrita a que muitos obedecem mesmo sem se darem conta de que o fazem. Resulta, em última instância, num desdenhoso desinteresse por questões e problemas que não têm nada de monstruoso no sentido de anómalos, embora possam ser de facto monstruosos numa outra acepção(...) o mais recente Eurofestival da Canção foi ganho por um grupo finlandês graças não à qualidade da canção cantada (em inglês, naturalmente) mas sim ao seu visual: os elementos do grupo vinham mascarados de animais monstruosos, género sáurios vagamente antidiluvianos, e essa originalidade na apresentação granjeou-lhes os votos suficientes para a vitória(...)
in crónica de televisão, por Correia da Fonseca, no N.A. (ler mais aqui)

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