Boaventura Sousa Santos
“Não é possível que num futuro próximo Portugal seja promovido ao centro do sistema (passe a país desenvolvido) ou despromovido para a sua periferia (passe a país subdesenvolvido). É mais provável que a sua posição intermédia se consolide em novas bases.
(…) o seu padrão de especialização tende a ser dominado pelas produções que se desvalorizam no plano internacional e que, portanto, deixam de interessar aos países centrais (…) não é a mesma coisa vender sapatos e têxteis ou vender aviões. E este é o elemento estruturante básico da nossa existência colectiva (…) no meio das potencialidades universalizantes num sistema mundial caracterizado pela concorrência inter-Estados.
(…) À medida que as crises financeiras alastrarem a mais países europeus tornar-se-á claro que a crise é europeia e que decorre em boa parte de um sistema financeiro desregulado, controlado pelos interesses do capital financeiro norte-americano (…) Contrariamente aos que viram na crise o fim do neoliberalismo e da supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, a crise tem vindo a ser “resolvida” pelo mesmo capital financeiro que a provocou e o seu motor principal, a Wall Street, está hoje mais forte e arrogante que antes. A luta politica dos próximos anos será uma luta pela redefinição dos termos da crise e só na medida que esta ocorrer será possível punir, em vez de recompensar, quem a provocou e encontrar soluções que efectivamente a superem. É uma luta de contornos imprevisíveis.
(…) Não é crível que o que se passa intramuros se explique totalmente por dinâmicas internas, nem que sejam estas a determinar em exclusivo as soluções para as crises, contextualizando a nossa posição no espaço europeu e mundial.
(…) a partir da década de 1930, o Estado aumentou exponencialmente a sua intervenção na economia para garantir a eficiência e a estabilidade que os mercados por si não conseguiam garantir, como ficou demonstrado com a Grande Depressão de 1929. Ciquenta anos depois, com a emergência do neoliberalismo, passou a vigorar, com o mesmo grau de evidência, a ortodoxia oposta que são os mercados que garantem a eficiência e a estabilidade e que é o Estado que as impede. O Estado e os Mercados podem ser simultaneamente os causadores das crises e as suas soluções?
(…) na Europa, a chamada Terceira Via foi um acto de rendição ao neoliberalismo e à desistência de procurar correctivos eficazes contra a pulsão destrutiva do capitalismo.
(…) Nos últimos trinta anos, o FMI, o Banco Mundial, as Agências de Rating e a desregulação dos mercados financeiros têm sido as manifestações mais agressivas da pulsão irracional do capitalismo.
A partir da obra fundamental de Marx e dos contributos, tão diversos entre si, de Schumpeter (1942) e de Karl Polanyi (1944), é hoje consensual entre os economistas e sociólogos políticos que o capitalismo necessita de adversários credíveis que actuem como correctivos da sua tendência para a irracionalidade e para a auto-destruição, a qual lhe advém da pulsão para funcionalizar ou destruir tudo o que pode interpor-se no seu inexorável caminho para a acumulação infinita de riqueza, por mais anti-sociais e injustas que sejam as consequências. Durante o século XX, esse correctivo foi a ameaça do comunismo e foi a partir dela que, na Europa, se construiu a social-democracia (o modelo social europeu, o Estado Providência e o direito laboral). Curiosamente, a correcção do capitalismo foi possível devido à existência, no horizonte de possibilidades, de um paradigam alternativo de sociedade, o comunismo e o socialismo. A ameaça credível de que ele pudesse vir a suplantar o capitalismo obrigou a manter algum nivel de racionalidade, sobretudo no centro do sistema mundial. Extinta essa ameaça, não foi até hoje possível construir outro adversário credível a nivel global. Na Europa, a social-democracia começou a ruir no dia em que caiu o Muro de Berlim.
(…) durante muito tempo Portugal foi um país simultaneamente colonizador e colonizado. (…) o fim do império colonial não determinou o fim do carácter intermédio da sociedade portuguesa, pois este estava inscrito na matriz das estruturas e das práticas sociais dotadas de forte resistência e inércia. Mas o fim da função de intermediação de base colonial fez com que o carácter intermédio que nela em parte se apoiava ficasse de algum modo suspenso à espera de uma base alternativa. Essa suspensão social permitiu que no pós 25 de Abril (entre 1974-1976) fosse socialmente credível a pretensão de Portugal de se equiparar aos países centrais e, mesmo em alguns aspectos, de assumir posições mais avançadas. Em 1978, o FMI destruiu a credibilidade dessa pretensão”
(Boaventura Sousa Santos, in “Portugal, Ensaio contra a Autoflagelação”, Ediç Almedina, 14,00€)
notas sobre citações no texto
1. A "destruição criativa" em economia é um conceito do jovem jesuíta, banqueiro falido e ministro das finanças austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950) teorizado na sua obra “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (1942). Ela descreve o processo de inovação, que tem lugar numa economia de mercado em que novos produtos destroem velhas empresas e antigos modelos de negócios. Para Schumpeter, que depois leccionou nas Universidades de Harvard e Cambridge (Massachusetts, EUA), as inovações dos empresários são a força motriz do crescimento económico sustentado a longo prazo, apesar de que poderia destruir empresas bem estabelecidas, reduzindo desta forma o monopólio do poder. "O processo de destruição criadora", escreveu Schumpeter em letras maiúsculas, "é o factor essencial do capitalismo", com o seu protagonista central no empresário inovador” (Wikipedia)
2. "A Grande Transformação" (1944) é um clássico da literatura sobre o capitalismo, por ir de encontro às correntes governantes do pensamento económico dominante, mas por essas mesmas razões, acabou sendo mais bem aceite pelos campos da antropologia e da sociologia. Somente em 1940, durante um ciclo de palestras nos Estados Unidos, o economista judeu-hungaro Karl Polanyi (1886-1964) entrou oficialmente na vida académica. Com a repercussão do seu trabalho, foi convidado para leccionar na Universidade de Columbia. Entretanto a sua mulher, Ilona Duczyńska, por ter sido membro do Partido Comunista, nunca viria a conseguir visto de entrada nos Estados Unidos. (Wikipedia)
3. Boaventura Sousa Santos, doutorado pela Universidade de Yale, é professor jubilado e dirigente do CES (Centro de Estudos Sociais) na Universidade de Coimbra. Ganhou notoriedade pela sua participação na fundação do Forúm Social Mundial que durante um largo periodo se sedeou na cidade brasileira de Porto Alegre. O Fórum perdeu visibilidade desde que o municipio local perdeu o mandato exercido por um presidente de esquerda progressista, mas BSS continuou a colaborar com diversos jornais brasileiros, a editar livros e a dar conferências em diversas latitudes. Recentemente foi-lhe concedida uma bolsa de 2,4 milhões de euros pelo European Research Council para dirigir o maior projecto português na área da sociologia “destinado a desenvolver um novo paradigma teórico para a Europa contemporânea” (fonte)
4. Karl Heinrich Marx (1818-1883), filósofo, cientista político e socialista revolucionário, concebeu o estudo sobre Economia mais influente de sempre e dispensa apresentações: continua a ser um “adversário credivel” para a multidiversidade de agentes de mercado oportunistas que pretendem rever os fundamentos dos processos de acumulação capitalista
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Uma simples mistificação dos economistas da escola neoliberal norte-americana, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias de Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos. Neste sentido, só o Presente é nosso, não o momento passado nem aquele que aguardamos, porque um está destruido, e do outro, se não lutarmos, não sabemos se existirá.
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quarta-feira, junho 01, 2011
“é fácil verificar que a realidade segue um caminho diferente do dos discursos”
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1 comentário:
De Sousa Santos... a ler:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17862&alterarHomeAtual=1
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