Pesquisar neste blogue

quarta-feira, junho 22, 2011

Um Império de Bases Militares

Antes de ler este artigo, responda à seguinte questão:

¿quantas bases militares têm os Estados Unidos noutros países?:
a) 100
b) 300
c) 700
d) 1000

De acordo com a listagem do próprio Pentágono (1), a resposta anda ao redor de 865, porém se se incluirem as novas bases no Iraque e no Afeganistão o número ascende a mais de 1000. Estas mil instalações militares constituem 95 por cento de todas as bases militares que todos os restantes países têm em território estrangeiro. Por outras palavras, os Estados Unidos são para as bases militares aquilo que a Heinz é para o ketchup.

A velha maneira de fazer colonialismo, praticada pelos europeus, consistia em tomar a seu cargo todo um país e administrá-lo. Mas este procedimento era parasitário, dispendioso e demasiado evidente. Os Estados Unidos têm sido pioneiros no enfoque mais ágil que conduza a um Império mundial. O historiador Chalmers Johnson afirma: “A versão norte americana de colónia é a base militar”; os Estados Unidos, acrescenta “têm um Império de Bases Militares”. Estas bases não lhes saem baratas. Excluindo as do Afeganistão e Iraque, os Estados Unidos gastam cerca de 102.000 milhões de dólares por ano na gestão das suas bases no exterior, segundo Miriam Pemberton, do Institute for Policy Studies. Em muitos casos temos de perguntar-nos para que servem. Por exemplo, os Estados Unidos têm 227 bases na Alemanha. Talvez fizessem sentido no cenário da Guerra Fria, quando a Alemanha estava dividida em duas pela cortina de ferro e os responsáveis pela política externa norte-americana tratavam de convencer os soviéticos que o povo norte-americano consideraria um ataque à Europa com um ataque aos EUA. Sem dúvida, nesta nova era em que a Alemanha está reunificada e os Estados Unidos estão preocupados com outros focos de conflito na Ásia, África e Próximo Oriente, faria tanto sentido para o Pentágono manter as suas 227 bases militares na Alemanha como faria sentido para os Correios manter uma frota de cavalos e galeras a remos. Se... (não fosse a importância do BCE como filial financeira da FED para a Europa)

Afogada em burocracia, a Casa Branca anda desesperada para cortar gastos desnecessários no orçamento federal. O congressista Barney Frank (eminência parda democrata do lobye judeu) sugeriu que o orçamento do Pentágono poderia reduzir-se em 25 por cento. Consideremos ou não como realista o cálculo de Frank, as Bases no exterior seriam sem dúvida um objectivo apetitoso para tesoura dos cortes orçamentais. Em 2004, Donald Rumsfeld (2) estimou que os Estados Unidos poderiam poupar 12.000 milhões com o encerramento de 200 bases militares no estrangeiro. O custo político seria quase nulo, dado que as pessoas economicamente dependentes dessas bases são cidadãos estrangeiros e não podem votar nas eleições norte americanas. Sem dúvida, as bases no estrangeiro parecem quase invisíveis aos que pretendem cortar no orçamento do Pentágono, que alcança os 664.000 milhões de dólares anuais.
Segundo o artigo do New York Times (3) “The Pentagon Meets the Real World” (“O Pentágono Perante o Mundo Real”) o editorialista pedia à Casa Branca que tivesse coragem política para cortar nas despesas com a Defesa. ¿Sugestões? Suprimir os programas de aquisição de caças F-22 e dos destroyers DDG-1000 e reduzir o Sistema de Combate Futuro dos exércitos terrestres, com a finalidade de poupar mais 10.000 milhões por ano. Todas estas sugestões são aceitáveis, porém, ¿que se passa com as bases no estrangeiro?

Ainda que os políticos e os experts mediáticos pareçam ignorar essas bases e entendam o estacionamento de tropas dos EUA em todo o mundo como um facto natural, o Império de Bases Militares norte-americanas atrai a atenção de académicos e activistas, como ficou demonstrado na Conferência da American University sobre o tema realizada em Fevereiro último. A NYU-Press acaba de publicar o livro de Catherine Lutz “Bases of Empire” que reune opiniões de académicos que estudam o problema e de activistas que se opõem a esse tipo de instalações militares; a “Rutgers University Press” publicou o livro de Kate McCaffreyMilitary “Power and Popular Protest”, um estudo sobre a base militar de Vieques (em Puerto Rico) que teve de encerrar portas face aos protestos massivos da população local; e a Princeton University Press encontra-se prestes a publicar “A Ilha da Vergonha” (“Island of Shame”), de David Vine, uma obra que conta a história de como os Estados Unidos e a Grã Bretanha acordaram secretamente deportar os habitantes indígenas de Diego Garcia para as Ilhas Maurícias e Seychelles, para que a ilha pudese ser convertida na totalidade numa bases militar. Nesta operação os norte americanos fizeram um trabalho tão sofisticado que inclusivamente gasearam todos os cães ali existentes. Às populações indígenas desalojadas tem sido negado até hoje o acesso aos tribunais dos Estados Unidos, porém ganharam a sua causa contra o governo britânico em três juizos, ainda que a sentença final fosse depois anulada pelo tribunal de mais alta instância do país, a Câmara dos Lordes. Actualmente decorre um recurso interposto no Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Os lideres estado-unidenses falam das suas bases estrangeiras como um elemento que permite consolidar as alianças com outros países, principalmente através de acordos comerciais e da ajuda que propõem acompanhar os arrendamentos das bases. Sem dúvida, os soldados dos EUA vivem numa espécie de casulo, um simulacro de EUA dentro das bases (como a inglesa Gibraltar), olhando para a televisão anglo-yankee, ouvindo rap e heavy-metal gringo, comendo o fast-food do seu país, para que os jovens recrutas oriundos das ruas e de bairros pobres não tenham muito contacto com outras formas de organização de vida. Enquanto isso, do outro lado da cerca de arame farpado, os residentes e as empresas locais são economicamente dependentes dos soldados e têm interesse na sua permanência. Estas bases no entanto podem converter-se em focos de conflito. As bases militares descarregam incessantemente resíduos tóxicos nos ecosistemas locais, como em Guam, onde as bases miltares levaram à criação de pelo menos 19 lixeiras tóxicas. Esta contaminação gera ressentimentos e, por vezes, como em Vieques na década de 1990, (ou na Sardenha) mobilizações sociais em todas as frentes contra as bases. Os Estados Unidos utilizavam Vieques para os seus ensaios de bombardeamentos durante 180 dias por ano, e quando os EUA se retiraram em 2003, a paisagem estava coberta de munições, de algumas que haviam explodido e de outras que não, cartuchos de urânio empobrecido, metais pesados, petróleo, lubrificantes, dissolventes e ácidos. Segundo os activistas locais, o índice de cancro na região de Vieques era 30 por cento superior ao do resto de Puerto Rico.

É também inevitável que, de vez em quando, os soldados dos EUAamiúde embriagados – cometam delitos.O ressentimento que provoca estes crimes é exarcebado pela frequente insistência do governo dos EUA ao impedir que esses crimes sejam julgados nos tribunais locais. Na Coreia em 2002, dois soldados yankees mataram duas raparigas adolescentes quando se dirigiam para uma festa de aniversário. Os activistas coreanos asseguram que este foi um dos 52.000 delitos cometidos por soldados norte-americanos na Coreia entre 1967 e 2002. Os soldados foram repatriados de imediato para os EUA para que pudessem escapar ao tribunal coreano. Em 1998 um piloto dos marines em manobras cortou um cabo de uma cabina de esqui em Itália matando 20 pessoas. Funcionários dos EUA deram ao piloto um puxão de orelhas, mas negaram-se a permitir que as autoridades italianas o julgassem. Estes e outros incidentes similares têm prejudicado as relações dos EUA com alguns dos seus mais importantes aliados.

Os ataques de 11 de Setembro foram sem dúvida o exemplo mais espectacular do retrocesso que pode gerar o ressentimento local contra as bases dos EUA. Na década de 1990, a presença de bases militares nas redondezas dos lugares mais sagrados do Islão Sunita, na Arábia Saudita, enfureceu a dissidência em torno das ideias de Osama bin-Laden e proporcionou à rede de insurgentes al-Qaeda uma potente ferramenta de recrutamento (depois que foram abandonados após o colapso soviético no Afeganistão).

Prudentemente os Estados Unidos encerraram as principais bases militares nas Arábia Saudita, porém abriu outras novas bases adicionais no Iraque e no Afeganistão que se estão a converter em novas fontes de fricção nas relações entre os Estados Unidos e os povos do Médio Oriente.
Esta rede Imperial proporciona aos EUA uma capacidade de intervenção global, mas da mesma forma, na medida em que o seu peso principal se encontra na Europa, é uma excrescência inflamada e anacrónica da Guerra Fria. Muitas desta bases são um luxo que os Estados Unidos já não se podem permitir nesta época de défices orçamentais recordes. Por isso os esforços para que sejam as populações dos paises “amigos” a pagá-las. Por outro lado, as bases norte-americanas em paises estrangeiros sofrem de uma dupla finalidade: projectam o poder norte-americano em todo o mundo, porém também inflamam as relações externas dos EUA e geram ressentimento por fenómenos como a prostituição, danos ambientais, pequena delinquência e etnocentrismo quotidiano, como corolários inevitáveis. Estes ressentimentos têm obrigado recentemente ao fecho de bases no Equador, Puerto Rico e Quirguistão e, como o passo é o início do futuro, são de esperar outros movimentos de contestação contra estas instalações militares estrangeiras no futuro. Durante os próximos 50 anos teremos testemunhos da aparição de uma nova forma internacional segundo a qual a instalação de bases militares no estrangeiro será tão indefensável como o foi a ocupação colonial durante os últimos 50 anos. A Declaração de Independência dos Estados Unidos criticou os Britânicos pelo aquartelamento de grandes unidades de tropas armadas entre as populações dos nascentes Estados Unidos e, por se tratar de tropas protegidas mediante julgamentos simbólicos, do castigo dos crimes que pudessem cometer contra os habitantes do novo mundo. ¡Belas palavras! os Estados Unidos deveriam começar a levá-las a sério.

Notas de referência:
(1) www.defense.gov/pubs/BSR_2007_Baseline.pdf
(2) o padrinho político do nosso nóvel ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas
(3) www.nytimes.com/2009/03/01/opinion/01sun2.html

Texto traduzido e adaptado de Hugh Gusterson, professor de antropología e sociología na Universidade George Mason, com uma carreira docente em ciência, tecnologia e sociedade no MIT. Tem publicados trabalhos de campo sobre a cultura dos cientistas de armas atómicas e os activistas anti-nucleares nos Estados Unidos e Rússia. Tem também trabalhos publicados sobre esse tema: “Nuclear Rites: A Weapons Laboratory at the End of the Cold War” (UCP, 1996), “People of the Bomb: Portraits of America’s Nuclear Complex” (Univ.Massachusetts Press, 2004) e “Why America’s Top Pundits Are Wrong (UCP, 2005)
.

3 comentários:

Karocha disse...

xatoo

Há perto de um mês, para menos a TVI24, passou pelas 4 da madrugada, como convêm,um programa notável,sobre as bases Americanas!
Poucos o devem ter visto, foi uma hora de programa.

Anónimo disse...

grande matéria!

5*****

Anónimo disse...

Greenland

- - Thule Air Base


gostei do nome desta.