Não, não de trata de “um qualquer tempo passado que foi melhor”, mas sim de algo que pode ser confundido com isso; “às vezes é preciso que rebente o coração do mundo, para alcançar uma vida mais elevada” (Hegel). A Europa é o lugar onde hoje rebenta esse coração do mundo. Aurélio Agostinho, autodenominado "bispo", aka “santo” Agostinho, no relato das suas culpas, confessa: “inquieto está o meu coração, nem para mim próprio transparente”. Uma terrível violência só pode ter-se formado porque vem de longe, talvez até da própria raiz. Uma das misérias humanas é a que consiste em pôr-se do lado do agente do mal, quando não se tem coragem para o denunciar. As múltiplas sereias do Terror – continuam a soar, no sentido mítico e no real. Ciência, matemática e valsas de Viena, estratégia militar e móveis Louis XV, a passagem breve da História dentro do ritmo dos grandes feitos. A Europa perdeu-se no labirinto da própria superabundância. O afã de ver, captar com claridade, o que temos perante nós, mesmo que nos esteja devorando. Alienada, sem desejo algum, incapaz de lutar, em total quietude, como num pântano... (Maria Zambrano, extractos de "A Agonia da Europa", 1945)
Não tinhas nada que ser amada por Zeus Europa
Agora é o que se vê
Ele foi deitar-se na praia feito touro
Os cornos fingindo luas e tu toca de lhe acariciar o pêlo
E ele vai contigo mar adentro é o que diz o relatório da cultura
E metem-se de amores em Creta parece que debaixo
Das ramadas dum plátano e vieram os filhos
Mas o que me interessa é o estado
A que isto chegou minha querida
Os teus bisnetos num desemprego parvo muitos sem tecto
E perguntando-se por que raio foi ela
Meter-se com o pai dos deuses?
Raptada nós sabemos mas mesmo assim Europa
Em Creta há tantos rapazes porquê Zeus
Que é hoje um banco alemão?
Abel Neves (n. 1956)
(do livro «Eis o Amor a Fome e a Morte» - Cotovia/1998)
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