Compreender a aspiração de independência da Catalunya pela história:
Com a morte de Carlos II
a casa de Áustria não deixa descendentes directos, o que levará os monárquicos europeus a tomar partido entre os possíveis sucessores. A França defendia
Filipe d`Anjou, neto de Luis XIV o Rei Sol e bisneto de Filipe IV, como candidato à Coroa de Castela. Enquanto toda a restante Europa defendia
o arquiduque Carlos da Casa dos Habsburgos, afilhado do último rei e filho do imperador germânico. Carlos era o pretendente reconhecido maioritariamente para a
coroa dos reinos da Catalunha e Aragão (que incluia Maiorca, a Sardenha, Córsega, Sicilia e Nápoles); e em 1705 foi
proclamado rei de Barcelona pelas instituições catalãs.
Na sequência da Guerra dos 9 Anos, assim irá começar a
Guerra da Sucessão em Espanha, em que tropas inglesas e austríacas lutaram contra tropas francesas e castelhanas, ajudados pelos partidários respectivos de cada candidato.
Os aliados, a Grande Aliança de Haia, pretendiam evitar que a
casa dos Bourbons, que reinava em França e finalmente em Espanha a partir de 1700, adquirissem a hegemonia em todo o continente em detrimento dos países que se haviam aliado para o evitar: a Catalunya junta com os países da Coroa de Aragão (uma união com raízes no século XIV), a Inglaterra (os catalães com origem austríaca tinham assinado o pacto de Génova no ano de 1705 que reconhecia Carlos III de Habsburgo como Rei), a Holanda, parte da Itália e Alemanha e por fim, para desequilibrar, os paises do Império Austro Húngaro.
O primeiro acto da guerra começa em 1691 com a chegada da frota francesa e o bombardeamento da cidade de Barcelona por mar. 850 bombas lançadas em dois dias causam grandes prejuizos no casario. As tropas filipinas irão avançar e retroceder nesta grande contenda internacional. A frota francesa retira-se para ir atacar Alicante. Até que por fim, em 1697, é enviado o melhor da armada do rei de França comandada pelo conde d`Estrées (14 naus, 30 galeras, 3 bombardeiros e 80 embarcações menores) e o exército de infantaria do duque de Vendôme chega por terra com 18 mil homens e 6 mil cavalos iniciando o cerco da cidade, apostados em utilizar as últimas inovações em artilharia. A 14 de Setembro de 1705 o
príncipe Jordi de Hessen- Darmstat, representante da coroa de Aragão nomeado pelo arquiduque Carlos III, morre ao tentar tomar o castelo do Monte dos Judeus (Montjuic), convertendo-se assim no
primeiro mártir da história da Catalunya independente. Uma importante força de destruição desembarcou e continuou frente a Barcelona: 56 canhões e muitas outras peças de morteiro reforçados com tropas sob o comando do
duque de Berwick, um avoengo da casa da familia Churchill.
A guerra irá sofrer uma reviravolta quando fica vazio o trono austríaco de que era herdeiro o arquiduque Carlos.
A Inglaterra retira-se da guerra e a Catalunya irá ficar sózinha na defesa do arquiduque,
abandonada à sua própria sorte. A partir de Julho de 1713, durante
o ano que durou o cerco no total foram disparadas 50 mil balas de canhão, 20 mil bombas e efectuados 100 mil tiros de artilharia. 88 casas do então reduzido centro histórico foram totalmente destruidas e todas as outras sofreram danos parciais.
Após um ano de cerco,
a 11 de Setembro de 1714, a cidade de Barcelona, que era defendida pelas milícias barcelonesas (a Coronela) sob o comando do capitão dos conselhos populares Rafael Casanova, sucumbiu às mãos das tropas de Felipe IV. Durante a batalha
Rafael Casanova é ferido mortalmente; (e ainda hoje no monumento em sua honra no junto à Igreja de St. Maria del Mar arde ininterruptamente uma chama em sua memória e diariamente os populares ali depositam flores). 90 mil soldados do exército da
casa dos Bourbon ocupam a provincia.
Os catalães irão sofrer uma duríssima repressão. Perante a incredulidade dos cidadãos
a inexorável lógica militar decide mandar revogar os títulos de propriedade e
demolir todas as casas já se si muito danificadas no núcleo antigo da cidade, o bairro del Born, (onde se situa hoje o
parque da Ciutadella), e construir ali uma grande fortaleza para aquartelar as forças invasoras.
Mais de 1000 casas e todo aquele sector de malha urbana de 200 hectares, antigamente muito próspero onde habitavam 40 mil pessoas,
foi eliminado.
Não há um paralelo comparável de destruição em toda a história europeia. O
rei Filipe V, o primeiro da dinastia bourbónica irá suprimir a Constituição e as instituições democráticas catalãs de governo – como havia feito em Aragão e Valência – em 1716 promulga o decreto da Nova Planta, pelos qual os paises pertencente à coroa de Aragão eram desmembrados e submetidos à total dependência e organização política unitarista centralizada em Madrid. Vão desaparecer as Cortes Catalãs, a Generalitat e o Conselho dos Cem, os orgãos dos barceloneses que regiam o direito público catalão com direito participativos dos cidadãos que radicavam na tradição democrática adquirida a partir das Cortes de Tortosa em 1225. Todas as vias públicas foram renomeadas pelo rei de Espanha; e foi designado um capitão- general com autoridade máxima da Real Audiência para administrar justiça. Também irão ser suprimidas as Universidades de Barcelona e Leida, sendo criada outra de cariz filipino, a de Cervera. O castelhano é proclamado o idioma oficial único, e a língua catalã é banida, proibida por decreto. Assim será, e a Catalunya entra num lento processo de decadência cultural, até
1833 quando o Estado Espanhol será
obrigado a reconhecer a provincia como entidade territorialmente unificada.
Durante a revolução, em 1869 o povo organizou-se e tomou nas suas próprias mãos a tarefa de demolição do quartel da Ciutadella, cujos terrenos livres (do antigo bairro del Born cujas ruinas arqueológicas recuperadas em parte se preservam hoje sob o coberto metálico do antigo mercado) dariam depois origem ao jardim que tem o mesmo nome. A partir do século XVIII os catalães embarcam na grande epopeia da colonização do Novo Mundo, que de um modo geral enriquece (a burguesia) do território.
Gaspar de Portolà i Rovira, cuja estátua se situa hoje no alto do castelo sobre o porto, será o primeiro governador espanhol da
Califórnia e a
familia Guell, que enriqueceu com o negócio escravo das plantações de açúcar em Cuba, já no século XX encomenda a
Antoni Gaudi o famoso parque que tem o seu nome e numerosas outras obras que hoje são ícones turisticos da cidade. Porém nenhuma destas novas memórias construidas e alimentadas com a exploração imperialista selvagem de outros povos, faz esquecer as velhas memórias das selvagerias antigas – Esta breve história aqui relatada é só para que se compreenda porque se queimam ainda hoje bandeiras espanholas e retratos do
rei designado pelo ditador fascista Franco, Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón-Dos Sicilias, na
Diada,
o Dia Nacional da Catalunya a 11 de Setembro, e se compreenda o sentimento de independência que está ali
mais vivo que nunca,
11 de Setembro de 2014