Uma simples mistificação dos economistas da escola neoliberal norte-americana, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias de Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos. Neste sentido, só o Presente é nosso, não o momento passado nem aquele que aguardamos, porque um está destruido, e do outro, se não lutarmos, não sabemos se existirá.
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domingo, agosto 12, 2007
Heidegger e os Smash Cars
“O comando da PSP de Lisboa deteve terça-feira dia 7 quatro pessoas que realizavam uma “corrida” automóvel pelas ruas de Lisboa, tendo um deles atingido os 234 km/h, sendo detidos na Ponte Vasco da Gama, 11 quilómetros depois de ter iniciado a perseguição”.
Está bem. E depois?, o que faz Tarantino num blogue de inspiração marxista? Venho-lhes dar conta que Tarantino é um cineasta marxista.
Heidegger, explicou no “Ser e o Tempo” (Sein und Zeit) a diferença fundamental entre as duas principais posturas individuais de vida – entre aqueles que são pessoas que se afirmam no mundo com um estilo de vida de intervenção activa na prática (os “Dasein”, o ser-aí) e daqueles outros que se limitam a existir passivamente (o “Seiende”, o ente existente) – como corolário lógico da exploração desenfreada ("livre" e sem mediação) de uma classe pela outra, ficou famoso o discurso de abertura de Heidegger no ano escolar como professor jubilado na Universidade de Friburgo, quando se referiu à “glória e grandeza da revolução alemã de 1933”.
O filósofo Martin Heidegger nasceu filho de campónios alemães perto do lago Constança (1889), seguiu os conselhos dos avós da malta do Insurgente e logo que atinou com a vidinha converteu-se ao sistema que estava a dar, ao Nazismo; e essa apólice segurou-lhe a vida numa época conturbada, garantindo-lhe morrer tardiamente e de boa saúde (em 1976).
Entrando na vida real por “Death Proof” de Quentin Tarantino, o personagem central Stuntman Mike (Kurt Russel) é um “dasein”, curiosamente vivendo no mundo dos duplos que trabalham para segurança dos actores do espectáculo a sério (que nunca aparecem no filme) - a primeira imagem que nos surge é uma carapaça blindada (o carro objecto impressionante como meio de provocar espanto e mediática submissão no engate) dentro da qual ele, que cultiva uma imagem simpática de pureza abstémia) actua satisfazendo os mais inconfessáveis instintos. O mundo cá fora, como todos sabemos é duro e cruel, e perigos ferozes espreitam os desprevenidos “seiend”: Assim, numa violência inaudita a primeira parte acaba com uma catástrofe que destroça literalmente uma mão-cheia de dóceis e frágeis miúdas de Tarantino.
Refeitos do choque, transitando rápido por dois ou três fotogramas a preto e branco, o realizador faz-nos inquirir sobre uma questão premente: porque são sempre maioritariamente as mulheres a pagar as favas mais gravosas da violência do homem com Poder de atingir a sociedade com acções de choque e pavor?
Mas depressa o paradigma muda, e retornamos à cor, desta vez, por contraste, mais colorida e radiante. A moral da história vai já daqui contada, porque esta crónica só faz sentido para quem viu a obra: por muito horroroso e violento que um gajo possa ser, há sempre uma mulher pior ainda. Como veremos. Novo grupo de miúdas ocupa a cena, e por cúmplice coincidência elas são do mesmo mundo do cinema e da publicidade. E aí está novamente Stuntman Mike instintivamente excitado pela alegria e irreverência dos novos alvos.
Mas a perseguição rapidamente o transforma de caçador recolector em chacal ferido e perseguido pelas vítimas. Depois de uma alucinante corrida de smash-cars através das cross-roads norte americanas (citando Kerouac e o Tom Joad de Steinbeck pelo caminho) o vilão acaba humilhantemente filado e enfarda um valentissimo enxerto de porrada dado pelas belas, radiosas e gentis meninas (que afinal, para nossa surpresa eram também elas do mundo “dasein”). Gritinhos, saltos de excitação e contentamento nas cadeiras, vilão com o tacão da bota feminina no pescoço, célere e abrupto cai um fatal “The End” à moda antiga no fotograma. Porreiro. Afinal era um filme – e a pergunta de índole marxista é: mas afinal quem é que paga os danos de chaparia dos automóveis? Tarantino não explica, nem precisa, o espectador adivinha que, na sociedade de consumo as mercadorias são um mero pretexto, depois de sacar o efeito pretendido, quando se tornam imprestáveis vai tudo para a sucata.
E a segunda lição moral a extrair de “À Prova da Morte” é esta:
no dia em que as mulheres verdadeiramente emancipadas possam intervir em condições de verdadeira equidade com o violento mundo masculino, alguma coisa de fundamental na sociedade irá mudar. Força meninas! Dêm-lhes forte; mas atenção, tenham em consideração que a Condooleza Rice e a Manuela Ferreira Leite também são gajos.
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