Michelangelo Antonioni nasceu em 1912 em Ferrara uma pequena e curiosa cidade comunal da Emiglia Romagna entre o Veneto e Bolonha. Começou como crítico demolindo ferozmente as comédias italianas das décadas de 40 (Risi, Scola, Sordi); as suas críticas mostravam como “era terrível a Itália do pós-guerra” e como as pessoas tinham ficado superficiais e banais. A sua primeira ligação à realização de filmes deu-se como guionista de Roberto Rosselini – “filmar para mim é viver” diria mais tarde ("o Grito",1957). Em “Il Deserto Rosso” rompe com a análise social crítica neo-realista europeia consignada na dicotomia fascismo-antifascismo (DeSicca, Visconti, Lattuada, Zurlini, entre outros) – pela primeira vez uma história filmada debruçava-se sobre a indiferença da humanidade e sobre a sua cegueira em ver o mundo que estava a ser criado – mais concretamente, revendo-se na forma de filmar cruamente as instalações fabris exportadoras ao serviço do imperialismo, anteviu o fim da classe operária como alternativa de comando político na sociedade industrial. Efectivamente, como se iria vendo de seguida, apesar de o Partido Comunista (PCI) ser sempre a força mais votada em Itália, nunca conseguiria formar governo, incumbência sempre habilmente concertada a favor de instituir a “democracia cristã” como lider de uma sociedade de zombies apoliticos.
Da trilogia estrangeira de Antonioni (Blow-Up) que vagueia depois por “Zabriskie Point”, num exercício estético sobre a contracultura nos Estados Unidos (1970) com banda sonora dos Pink Floyd: "big man, pig man ha,ha,ha, what a charade you are" - chega-se à sua obra mais importante: “Profissão: Repórter” (1975), de seu título na Europa; o filme ficou anos sem estar disponível para o público nos Estados Unidos, até que o próprio actor principal, um Jack Nicholson ainda livre de cabotinismos de estrela acompanhado por uma fabulosa Maria Schneider - dono dos direitos sobre a obra – se encarregou anos depois de restaurá-la e relançá-la nos cinemas americanos, apelidando-a esotericamente de “The Passenger”, (vidé os tiques yankees no trailer)
Um homem num mudo desespero tenta fugir à sua própria vida. Um jornalista famoso e esgotado, David Locke, que troca de identidade com um desconhecido que morre subitamente. Antonioni considerou-o o seu filme “estilisticamente mais maduro” e também "um filme político", pois foca, usando uma linguagem metafórica, "a integração dramática do indivíduo na sociedade actual". Não só do jornalismo desvirtuado do que é hoje uma indústria (tal qual como os filmes) ,que nada tem a ver com receitas nem com espectadores, e por algum motivo é co-financiada pelo Estado ou pelos grandes grupos económicos que lhe fazem concorrência – Locke confronta-se com a declarada intenção de transmitir conteúdos e dirigir “mensagens”, e vê os media em geral (como nós agora vemos o Cinema) converter-se em ferramenta de colonização cultural. A nova identidade de Locke não só não esbateu esta problemática como ainda lhe somou novos problemas: ao vestir a pele do empresário rico Mr. Robertson cedo descobre que era agora o fornecedor das armas que sustentavam a guerrilha separatista. Todas as suas obsessões estão aqui: a crise de identidade, o existencialismo, a incomunicabilidade, a valorização da ambientação e da arquitectura desértica da paisagem, transferida para um formato de road movie
No célebre e fascinante plano-seqüência final de sete minutos, em que a câmara atravessa a grade simbólica saindo do quarto onde Locke repousa, e se perde depois em longos pormenores praticamente alheios à acção, só quando volta finalmente para dentro para revelar apenas um cadáver é que percebemos que as grandes narrativas jornalísticas morreram. É a verdade da nossa época: o verdadeiro repórter já não tem origem nos bancos das escolas de comunicação.
Antonioni não explica nada: Em “Profissão: Repórter” existem aliás muito mais perguntas do que respostas. Tudo isto se passou há mais de 30 anos; não deu por nada?
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