"Quem já foi considerado morto está más vivo que nunca. Na sua qualidade de teórico activo e crítico, Karl Marx foi dado já como morto por mais de uma vez, porém sempre tem conseguido escapar à morte histórica e teórica. Tal facto deve-se a um motivo: a teoria marxista só pode morrer em paz junto com o seu objecto, ou seja, com o modo de produção capitalista"
Robert Kurz, in "Marx e o século XXI",
(Artigo cuja leitura é vivamente recomendada)
“Com este ou aquele governo no poder, o Estado desempenha sempre o papel para que foi criado. Esse ‘tremendo corpo parasitário que cobre como uma membrana o corpo da sociedade’, nas palavras de Marx, funciona autonomamente como uma máquina, de modo a assegurar a reprodução da sociedade capitalista. Serão vãs todas as reformas ‘democratizantes’ enquanto não forem subvertidas as relações de apropriação”.
Com esta ideia encerra Tom Thomas o seu livro sobre o papel do Estado, traduzido em português pela Dinossauro. Nesta época de desenfreada ofensiva neoliberal e de entrega ao capital privado de todos os serviços essenciais, tem alastrado a ideia de que a política da esquerda consistiria em procurar ganhar as alavancas do Estado para deste modo limitar os males do capitalismo. Thomas tem uma opinião diferente; tomando como exemplo o caso da França ao longo dos séculos XIX e XX, procura mostrar que não apenas a classe operária nada tem a esperar do reforço do Estado, mas que é do seu interesse traçar uma linha de demarcação nítida entre si própria e os paladinos da estatização.
Para estes, a grande oposição contemporânea não seria entre burguesia e proletariado, capitalismo e comunismo, mas entre capitalismo liberal e capitalismo civilizado e democratizado pelo Estado. Ora, “se entrarmos no concreto das relações sociais, descobriremos que o Estado tem como função reproduzir o capitalismo”. “As sereias de toda essa ‘esquerda plural’ e ‘esquerda da esquerda’, do PCF aos trotskistas, passando pelos Verdes e a Attac, os quais se oferecem para gerir este Estado (jurando, claro, que vão democratizá-lo), ocultam aos olhos do proletariado a única coisa que realmente conta: o Estado deve ser destruído”.
O autor passa então a desmontar os equívocos em que assenta a crença mística num regresso ao Estado Providência. Ela esquece que as leis sociais são menos “conquistas operárias” do que uma integração da classe operária no sistema capitalista, para que a sua luta de classe não vá ao ponto de o pôr em causa, e lhe permita reproduzir-se sem grandes convulsões. Quando o Estado legisla “em defesa dos trabalhadores”, ele apenas utiliza a pressão da luta operária para impor certas reformas aos capitalistas, só preocupados com o seu interesse particular e não com os interesses gerais do sistema.
Por outro lado – e isto é normalmente esquecido neste nosso “primeiro mundo” – sem a escravização das centenas de milhões de “povos de cor”, não teria havido migalhas suficientes para distribuir ao proletariado a fim de persuadi--lo de que o Estado pode tornar-lhe o capitalismo, senão agradável, pelo menos aceitável; não por acaso, esta forma só existe nas metrópoles imperialistas.
E quanto às “garantias democráticas” do Estado moderno, que tanto impressionam os espíritos crédulos, elas significam simplesmente que, nos países imperialistas, a hegemonia do capital é de tal forma esmagadora que as formas eleitorais de designação dos governos podem muito bem conciliar-se com um Estado que se tornou totalitário.
O Estado Providência, defende Thomas, tem sido uma providência, mas para o capitalismo; o seu actual desmantelamento resulta dos problemas acrescidos que o capital encontra para se valorizar e da lenta agonia do sistema. O que significa que o Estado Providência não ressurgirá das cinzas.
Conclusão: pode-se associar as vezes que se quiser as palavras “democracia” e “Estado”, formular todos os programas de reformas do Estado que se quiser, que isso nunca passará necessariamente de um esforço deitado ao vento, enquanto não se puser termo ao processo de extorsão da mais-valia na produção, à divisão do trabalho entre os poderes intelectuais e os simples executantes, isto é, ao sistema capitalista.
Assim, Tom Thomas continua a desenterrar, pedra a pedra, ano após ano, o núcleo da teoria de Marx, oculta e deturpada, não só pelos defensores abertos do capitalismo, mas também pelos inúmeros “marxistas”, que a pretexto de adequar o marxismo às novas condições, o esvaziam do essencial – o seu alvo revolucionário. Um texto denso, decerto nada “fácil”, mas que chama sempre a primeiro plano as tarefas centrais da luta anticapitalista.
(publicado na Politica Operária)
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