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onde outrora estiveram as porcelanas nos nichos das paredes
aninham agora as aves selvagens as suas crias
“Quantos não vi, de 1946 a 1960, trabalhar assim, presos por cadeias nos pés, por culpas irrisórias... No navio que, pela primeira vez me levou de Lisboa à Beira, embarcaram em São Tomé 40 africanos de Moçambique, únicos sobreviventes de uma tribo de mais de duas mil pessoas, depois de dez anos de trabalhos forçados naquela colónia penal, por se terem rebelado contra a lei do contrato obrigatório de trabalho. Viajavam à proa, a descoberto, expostos à humidade do vento marítimo e a todas as intempéries, sem qualquer abrigo, nem à noite, pior que as vacas embarcadas em Lourenço Marques, sob a ponte da segunda classe. Foi no mês de Maio de 1946 e nós, os missionários, viajávamos em primeira classe (...). A viagem no velho “Colonial” durou exactamente 45 dias a uma velocidade não superior a oito nós e com paragens de três a cinco dias para meter carvão. Este era carregado pelos negros ininterruptamente dia e noite. (Cesare Bertulli)
“E então na década de 60, quando se aproximou o vento da liberdade, houve um politico na República do Zaire, chamado Patrice Lumumba. Ele começou a sair nos jornais e nós começávamos a saber o que se passava. Todos nós comprávamos o jornal. Então, foi implementada a Pide. Se fosses encontrado a ler a página dos estrangeiros eras sujeito à perseguição. Quando saísse o jornal, tinhas que ler a página do desporto. Aqui na fábrica, alguns encarregados diziam-nos “tens cara de Lumumba”, “o gajo é dos mau-mau”. Entrava no bar e olhavam para nós “olá bom dia. Você tem cara de Lumumba”. Não podia responder. Se respondesse, pronto, estava mal. (Miguel Alberto Manjate)
A série "Guerra" que a RTP estreou esta semana, da autoria do ex-desaparecido Joaquim Furtado (por ser “muito à esquerda” para o gosto oficial), começou sob o mau augúrio da omissão do enquadramento histórico do colonialismo.
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“No dia seguinte realizou-se o funeral dos policias mortos durante os ataques (13 de Fevereiro de 1961). Começaram, entretanto, a circular boatos falsos acerca de supostos planos para um ataque ao funeral, o que serviu de pretexto para um massacre de africanos por europeus. Este massacre não poupou até africanos que trabalhavam nas fábricas vizinhas.Calcula-se que foram chacinadas umas duzentas a trezentas pessoas. O morticinio prosseguiu e os corpos dos angolanos mortos jaziam pelas ruas de Luanda”
(Marta Holnets, no prefácio de “Sagrada Esperança” de Agostinho Neto)
“Aquela cidade viveu momentos de terror para as populações que habitavam os muceques. Os que não tinham bombas de flit e vassouras, mas tinham armas, organizavam-se em milicias e fizeram, durante Fevereiro e Março, um morticínio naqueles muceques. Eu assisti a vários” (Luandino Vieira, entrevista à Vida Mundial em 30/10/1970)
Não te lastimes Negro, da tua cor
Tu não és Terrorista ou saltimbanco
Se à Pátria dedicas teu amor
És português tal qual o Branco
(folheto de acção psicológica do Exército colonial)
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“Um terrorista deve combater-se com outro terrorista. Se os senhores padres não têm estômago para ver estas coisas, o melhor que podem fazer é sair de Mucumbura. Na guerra de guerrilhas não há julgamento. Uma morte a tempo pode salvar muitas vidas. Ouçam meus amigos, não se metam em politica. O vosso papel é pregar o Evangelho...
Os direitos do homem, admitidos por Portugal na ONU, do qual os senhores padres me estão a falar, são “books”, coisas escritas, e aqui não estamos para “books”. (Conversa da Pide-DGS com os missionários, citada por Cesare Bertulli, em Maio de 1971)
“Nunca houve guerra sem mortandade! O mal é da guerra!... E de mais ninguém!”
(Coronel Jaime Neves, em 2 de Abril de 1976)
E assim, se reclama de Joaquim Furtado ou do provedor do telespectador que esta citação, de um dos principais operacionais do golpe de 25 de Novembro, ou outro material informativo aqui referido, possam ainda ser incluidos nalgum dos episódios vindouros da série da RTP.
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* Fotos: Fortaleza de Luanda, (Antigo Quartel General) 2007
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