Gonçalo M. Tavares
- Tudo bem –aceitou o Chefe, finalmente. – Se as sondagens querem apelar à participação da população, que assim seja.
- Falam em amostras ao acaso.
- Ao acaso…? Que imprudência!
- Ao acaso, mas não tanto. Há uma certa ordem, apesar de tudo. Com um certo número de mulheres, de homens, etc. Tudo muito cientifico.
- Que se mantenha o cientifico das sondagens, sempre gostei da ciência. Mas que as unidades dessa ciência sejam definidas por mim.
- Como assim, excelência Chefe?
- A proposta que me parece mais justa e equilibrada é a seguinte:
que se alargue a sondagem a uma amostra tanto maior quanto possível: homens, mulheres, jovens, velhos. E ainda outros…
- Até os outros…?
- Até os outros.
- Isto é democracia!
- Viva! – gritou logo o outro auxiliar… e se dê a todos eles o meu número de telefone.
- Como?
- O meu número de telefone. Que cada um dos elementos dessa amostra representativa, escolhida aleatoriamente segundo critérios científicos, me telefone para saber a minha opinião. Assim teremos uma sondagem justa, com uma amostra alargada, e com uma opinião objectiva e ponderada.
- Portanto, a proposta do Chefe é que a amostra da sondagem em vez de dar opinião, telefone ao Chefe para o Chefe dar a sua opinião a todos.
- A um de cada vez.
- Chefe, não nos poderão acusar de viciar os resultados?
- Não me parece. A pergunta será sempre feita por uma pessoa diferente. É aqui que deveremos centrar a atenção. Qualquer elemento do povo poderá perguntar a minha opinião. Como poderão estar viciados os dados se é o próprio povo que me faz as perguntas?
- Tem razão, Chefe.
- E é original.
(in: As Ficções do Senhor Kraus)
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