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sábado, dezembro 31, 2005

O “Desenho Inteligente da Vida” e as suas consequências, segundo Noam Chomsky

“A fim de que toda a gente possa ter uma ideia sobre a índole do debate, o presidente George W. Bush é partidário do ensino nas escolas tanto da Teoria da Evolução como do “Desenho Inteligente”

Para aqueles que a propõem, a teoria do Desenho Inteligente baseia-se na noção de que o Universo é demasiado complexo para se ter criado sozinho sem ajuda de um poder superior à evolução ou à selecção natural.
Para os seus detractores, o desenho inteligente é o “Criacionismo”, a interpretação literal do livro do Génesis, numa forma levemente distinta, ou simplesmente vaga, algo tão interessante como o “não conheço”, que sempre foi a verdade da Ciência, antes que dela se obtivesse o conhecimento. Por consequência, não pode haver “debate”.
O ensino da teoria da evolução foi durante muito tempo muito dificil nos Estados Unidos. Agora surgiu um movimento que promove nas escolas a teoria do desenho inteligente. O assunto veio a lume numa sala de um tribunal de Dover na Pensilvânia, onde o conselho directivo duma escola exige aos seus alunos que aprendam num curso de biologia as hipóteses sobre o desenho inteligente. Os encarregados de educação, pais dos alunos, conscientes da separação constitucional da Igreja e do Estado tinham levado a juizo o Conselho Directivo.
A fim de serem imparciais, talvez as pessoas que escrevem os discursos do Presidente, devam ser levadas a sério quando o põem a dizer que as escolas necessitam ter uma “mente ampla” e considerem ensinar todos os pontos de vista. Por agora, os curriculos escolares ainda não consideraram um ponto de vista óbvio: “o desenho maldoso”. A diferença para o desenho inteligente, para o qual a evidência é zero, o “desenho maldoso ou maligno” tem toneladas de evidência empírica, em muito maior quantidade do que a evolução darwiniana. Este modelo baseia-se na crueldade do mundo. Seja como for, o pano de fundo da actual controvérsia evolução-desenho inteligente constitui o abate generalizado da Ciência, fenómeno com raizes profundas na história dos Estados Unidos e que tem sido cínicamente explorado para obter mesquinhos ganhos politicos durante o último quarto de século.
A teoria do desenho inteligente suscita a pergunta sobre se será inteligente esconder as evidências científicas acerca de assuntos de suprema importância para a nação e para o mundo, como é o aquecimento global.
Um conservador com formação à moda antiga, crê no valor dos ideais do iluminismo: racionalidade, análise crítica, liberdade da palavra, liberdade de investigação e trata de os adaptar à sociedade moderna. Os pais fundadores dos Estados Unidos, filhos do iluminismo, defenderam esses ideais e dedicaram grandes esforços a criar uma Constituição que apoiasse a liberdade religiosa, e ao mesmo tempo garantisse a separação entre as Igrejas e o Estado. Os EUA apesar de alguns messianismos ocasionais dos seus lideres, não é uma Teocracia.
Nos tempos que correm, a hostilidade da administração Bush à informação científica está a pôr o mundo sob o risco de uma catástrofe ambiental. Sem que para isso seja relevante se cada um pensa que o mundo se desenvolveu sómente desde o Génesis, ou desde há milhões de anos – isso é algo demasiado sério para que possa ser ignorado. Em meados deste ano, durante a preparação da Cimeira do G8, academias científicas de todas as nações integrantes dessa Organização (incluindo a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos), acompanhadas pelas da China, India e Brasil, pediram aos lideres das nações ricas que tomem medidas urgentes a fim de impedir o aquecimento global da atmosfera.
“O conhecimento científico das alterações climáticas é agora bastante claro para justificar uma acção imediata” dizia a Declaração. “Ë vital que todas as nações dêem passos que possam ser dados agora, que contribuam para uma reducção substancial e a longo prazo dos gases que causam o efeito de estufa”
Em editorial, o Financial Times concordou com estas posições, e com uma chamada de atenção observava: “Existe, sem dúvida, alguem que se mantém na negativa, e esse alguem lamentávelmente encontra-se na Casa Branca: George W.Bush insiste em dizer que não sabemos o suficiente sobre este fenómeno de mudança climática à escala mundial”.
Desmentir a evidência científica em matéria de sobrevivência é algo rotineiro para Bush. Há poucos meses, na reunião anual da “American Association for the Advancement of Science”, destacados investigadores do clima nos EUA deram a conhecer “a evidência mais convincente até agora” de que as actividades humanas são responsáveis pelo aquecimento global, segundo o Financial Times.
Eles predizem efeitos climáticos graves que incluem reduções severas nas reservas de água nas regiões que dependem dos rios alimentados pela neve derretida dos glaciares. Na mesma reunião, outros investigadores importantes constatam que o derretimento dos mantos de gelo no Ártico e na Gronelândia está a causar mudanças nos níveis de salinidade que ameaçam “acabar com as cinturas das correntes oceânicas” que se encarregam de transportar e transferir calor desde os trópicos até às regiões polares mediante correntes como as do Golfo do México. “Estas mudanças podem trazer alterações significativas para a Europa do Norte, assinala o relatório.
Como na Declaração das Academias Nacionais do G8, a publicação da “evidência mais convincente até agora” teve escassa difusão nos Estados Unidos, pese embora a atenção que se prestou no mesmo periodo à implementação dos Protocolos de Quioto, nos quais o mais importante governo se recusou fazer parte.
É importante enfatizar a expressão “o Governo”. A informação-standart de que os EUA é quase o único país a recusar os Protocolos de Quioto só é correcta se a expressão “Estados Unidos” considerar excluida a sua população, a qual subscreveria por grande maioria programa de redução de emissões previsto no pacto de Quioto (73 por cento, segundo uma sondagem do Program on International Policy Attitudes).
Talvez só as palavras “Maldoso” ou “Maligno” possam descrever o fracasso em reconhecer, e menos ainda em confrontar ideias no assunto absolutamente científico das alterações climáticas. Será assim, através desta “clarividência moral” do governo de Bush que se fará alastrar a sua displicente atitude até atingir o destino dos nossos netos”.

Texto publicado no “La Jornada” em 27 de Novembro de 2005
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