o Candidato do 11 de Setembro
“Rudy Giuliani não tem outra base de apoio para a sua candidatura que não seja a opinião efabulada do que teria feito no 11/9. O dinheiro sujo de sangue que lhe andam a pôr na campanha e o investimento feito no seu discurso aterrorizante (contra os “inimigos da nação”) é demasiado para a capacidade de captação de votos que este republicano reformado poderá arrebanhar. Alguém precisaria de perguntar a Giuliani porque é que ele não tem o apoio das corporações e sindicatos que primeiro tentaram responder aos acontecimentos desse dia” – é mais ou menos nestes termos que Jenn Coolidge, uma leitora da TimeMagazine, interpela o ex-mayor de New York, talvez antes de saber, porque é americana e está sujeita à barragem censória dos meios de informação no seu país, que as próprias fotografias onde Giuliani aparece com pose de herói do 11/9 foram cuidadosamente encenadas. Seria também muito proficuo indagar, dada a presunção que os republicanos enfatizam ao afirmar ser os únicos a ter capacidade para manter os americanos em segurança, porque seria que “aviões terroristas” atacaram um Estado governado por um Senador republicano, uma cidade com um mayor republicano, tudo isto enquanto outro republicano ocupava a Casa Branca.
Rudy Giuliani – biografia histórica não autorizada
Em meados da década de 70 a América estava atolada na sua maior crise de sempre. Afundada na guerra do Vietname. O capitalismo, como sempre, à beira da falência. A vida nas cidades degradava-se a passos largos, rumo ao precipício da violência e da anarquia imposta pelos excluidos. A economia impunha o crescente desmembramento social. New York era a face mais visivel da degradação. Desenrolavam-se desapiedadas campanhas contra os muitos milhares de sem abrigo e os okupas da cidade (incluindo durante dois mandatos democratas consecutivos na autarquia). A negativa do presidente Ford em atribuir subsidios para tirar a cidade duma profunda crise fiscal ficou imortalizada pelo famoso título do “Daily News”: “Ford to City: Drop Dead” (Ford diz à Cidade: Caiam Mortos)
Entretanto a política de desanexação do valor do dólar relativamente ao valor do ouro depositado na reserva federal, (cumprindo o inicio do programa neoliberal onde o judeu Alan Greenspan faz a sua aparição), determinada pela Administração Nixon (com George Herbert Bush como vice-presidente), fazia o seu caminho. De falidos pelo esforço de guerra, combinando a subida do preço do petróleo após a crise de 1973 com a inflação gerada pela valorização artificial da moeda, os Estados Unidos poderiam com a mais valia ficticia adquirida, nessa época, ter pago “quatro guerras do vietname”.
Em New York seguiu-se o fracasso do plano urbano que Carter intentou levar a cabo em 1978. Este foi o primeiro indício de que a economia nacional se desvinculava e tornava cada vez mais independente das suas cidades – abandonando-as à procura de “programas próprios que lhe permitissem ser incubadoras destacadas da economia planetária” (Paul Knox e Peter Taylor: “World Cities in a World System”).
É neste contexto que Rudy Giuliani, personagem que bem poderia ter saído da populista e reaccionária “Liga dos Patriotas” que reprimiu os revoltosos de Paris em 1870, faz a sua aparição com uma política revanchista – iniciada com o inóquo nome de “Estratégia Policial nº 5” destinada a “recuperar os espaços públicos de NY”.
O programa aspirava à reestruturação da escala urbana, com a ambição da cidade possuir a sua própria política externa. Este foi o mote para ter também a sua Polícia própria. Os ingredientes vitais do revanchismo – reacção e vingança – converteram-se no motor da politica municipal, que estalou na violência policial contra imigrantes, trabalhadores, pessoas de côr e quaisquer outros grupos que pudessem ser percebidos como tendo “roubado” a cidade aos seus legítimos proprietários (da classe média e brancos). O assassinato de Amadou Diallo por quatro agentes da policia à paisana que dispararam quarenta e uma balas contra o imigrante guineense, ou a agressão, tortura e sodomização do haitiano Abner Louima foram dois casos mediáticos de uma série de brutais ataques policiais contra vítimas inocentes. Brutalidade que se converteu em norma. No ambiente de guerra civil urbana que as crises trazem, ano após ano acontecem dezenas de tiroteios e a detenção de pessoas pela sua raça é um procedimento operacional normal. Muitos cidadãos inocentes são submetidos a rusgas, detenções erróneas, encarceramento injustificado, e invasões sumárias das suas habitações.
Derivado do espectacular aumento da brutalidade policial nos anos 90, o Municipio de NY pagou a soma, sem precedentes, de 96,8 milhões de dólares entre 1994 e 1997 para resolver litígios contra a polícia. Perto do final da Admistração Clinton a maioria dos novaiorquinos tinha a sensação que a Polícia estava fora de controlo. (Michael Cooper: “New York Police Will Start Using Deadlier Bullets”). Data desta época a abordagem, pelas organizações de assistência social mandatadas pelo Municipio, que ofereciam aos milhares de “homeless” bilhetes de comboio ou autocarro só de ida para os incentivar a regressar às suas terras de origem. Este projecto de “estado policial, tirania e falta de compaixão” valeria a Giuliani os epípetos de “Hitler do Hudson” e “Mussolini de Manhattan” (Barry Dan, NYT) – ambiente que ficou desanuviado quando a paranóia se começou a mesclar com a estupidez: quando o autarca pretendeu gastar 15,1 milhões de dólares na construção de um “bunker”, um centro de controlo de emergência à prova de bombas que seria utilizado em caso de ataque terrorista contra New York. A cidade inteira desatou a rir a bandeiras despregadas quando se constatou que o “bunker” de Giuliani iria ser instalado no 23º piso do World Trade Center. Estavamos em 1998. (Kit R.Roane, NYT). O porta voz do City Council Peter F. Vallone diria a propósito: “Se ele quer construir um bunker para a única gente que confia nele, tudo o que necessita é de uma cabine telefónica” – Como nos haveríamos de nos divertir se não fossem os políticos yankees?
“Benito Giuliani”, na sua fúria persecutória ficaria também para a história por perseguir, multar e bloquear os carros mal estacionados do corpo diplomático na ONU, por importar professores austríacos e espanhóis para o ensino público na cidade e, mais importante do que tudo o que até aqui já ficou dito: por um extraordinário presente de natal oferecido às elites capitalistas da cidade.
Em resposta às ameaças de transladar a Bolsa de New York, situada em Wall Street, para New Jersey, meia dúzia de quilómetros mais acima, o Mayor anunciou uma subvenção fiscal de 900 milhões de dólares, sob o pretexto de assegurar que a Bolsa se manteria na cidade. Na prática tratava-se do último e maior de uma série de “geo-subornos” pagos pela cidade às corporações multinacionais. A dádiva incluia 400 milhões para a construção das novas instalações de 60 mil metros quadrados destinados exclusivamente à Bolsa em Wall Street. Ninguém tentou esconder que a necessidade financeira não era um dos argumentos que haviam impulsionado o acordo. A subvenção fez-se pública num momento em que o Dow Jones disparava acima dos 11 mil pontos!, um aumento sem precedentes de 400 por cento em 11 anos, quando a Bolsa de New York estava a obter mais valias insólitas sobre as economias de todo o planeta. Este era decididamente um acordo que se poderia declarar como uma aliança entre o Governo e o Capital. Sabemos como tudo acabou: em 2000 a Bolsa de NY implodia, as torres gémeas desmoronavam-se em 2001 e Giuliani acabaria por ser candidato presidencial em 2007. Mais abaixo do que isto, não há nada que possa cair na América.
Sem comentários:
Enviar um comentário