o Zero de Conduta chama a atenção para o caso deste jornalista precário que, agradecendo um prémio, o fez, desafiando na sua presença, o mesmo presidente Cavaco. Há sempre alguém que resiste,
“A minha parte do dinheiro servirá para pagar dívidas à Segurança Social. Parece-me que é um fim nobre. Não sei se é costume dedicar-se este tipo de prémios a alguém, mas vou dedicá-lo: a todos os jornalistas precários. Passado um ano da publicação destas reportagens, após quase três anos de trabalho como jornalista, continuo a não ter qualquer contrato. Não tenho rendimento fixo, nem direito a férias, nem protecção na doença nem quaisquer direitos caso venha a ter filhos. Se a minha situação fosse uma excepção, não seria grave. Mas como é generalizada - no jornalismo e em quase todas as áreas profissionais - o que está em causa é a democracia” – Se eu fosse o presidente tinha-me enfiado num buraco pelo chão abaixo. Mas isso seria eu, que tenho vergonha na cara. E nunca prometi a ninguém “que não me conformava com isto”. Uma frase ao melhor estilo crocodile-dundee.João Pacheco:
Pese embora que a Lei Bolkestein e a Constituição Europeia tenham sido rejeitadas massivamente nos únicos referendos que foram feitos, os preceitos legislativos neoliberais previstos estão, na prática, já de há muito a ser aplicados na Europa, com a conivência das inspecções de trabalho – com não actuações escandalosas (como no caso dos trabalhadores bancários) – que comparativamente contrastam com o excesso de zelo proto-fascista da ASAE contra o pequeno comércio e os trabalhadores por conta própria - ataques que visam destruir-lhes os pequenos negócios de subsistência em benefício da ampliação do mercado das grandes corporações.
O tema da precaridade é tratado no artigo “Tecnologias de Informação e Comunicação, trabalho em casa e novos estilos de vida” de Emilia Rodrigues Araújo, publicado no Le Monde Diplomatique, edição de Setembro, pag. 4, nestes termos:
“Além da acomodação espacial que o teletrabalho implica, com os escritórios e seus acessórios a serem mudados para dentro de casa, conta-se também o que Eviatar Zerubavel designa como “disponibilidade constante”, isto é, o trabalhador torna-se contactável durante todo o tempo e em qualque espaço e o tempo-espaço de trabalho torna-se acessivel ao desempenho de actividades de foro doméstico e familiar”.
Na prática acontece que até a casa particular de cada um se torna num espaço de justaposição de exigências postas ao serviço do empregador.
E, lendo isto, veio-me à memória um artigo no “La Haine” escrito por Mariana Vilnitzky intitulado “Salários precários, Jornalismo precário” em que se contava a história de um jovem jornalista (aproveitando a sugestão de Cavaco Silva para usufruir dos "beneficios da gloalização" desregulada, pode-se sempre imigrar para) aqui ao lado em Espanha:
“Actualmente, para evitar os contratos laborais, as empresas proprietárias dos periódicos criam empresas subsidiárias ou simplemente terciarizam o trabalho sem nenhum tipo de responsabilidade.
Um dos chefes de um dos diários de maior tiragem em Espanha ofereceu trabalho a Jacinto (nome ficticio) – “os artigos são fáceis de fazer” disse o chefe ao pretendente. “Tens de tratar temas de Emprego, pedimos sempre vários testemunhos e fotos. Podes fazer as entrevistas por telefone e pedir que te enviem as fotos. Assim escusas de sair de casa. São colaborações porém podes publicar bastantes e com o tempo podes ganhar bastante massa” – “¿ E quanto pagam por artigo publicado?” perguntou Jacinto titubeante, receoso de que algum dos milhares de jovens estagiários desempregados resolvessem eles agarrar primeiro a grande oportunidade. “40 euros por artigo”, respondeu o chefe. Redigir um artigo destes mais ou menos bem feito custa dinheiro: chamadas telefónicas, muitas vezes de telemóveis, pelo menos uma deslocação, transporte próprio, uso de electricidade, computador próprio e tempo. Demora no mínimo um dia, senão mais.
“¿ E quantos artigos posso chegar a publicar? Talvez um por semana?”, perguntou Jacinto. “Talvez”, respondeu o chefe. Recordou que até há não muito tempo se pagavam 150 euros em qualquer pequeno meio de informação por um artigo de meia página. “Tivémos de diminuir um pouco” apressou-se a dizer o chefe, que era quase tão jovem como Jacinto e tinha marca do jornal onde trabalhava impressa no coração. “Mas a vocês não vos corre bem a vida? não são um dos periódicos mais lidos do país?”. “Claro, justamente por isso” respondeu o chefe com um sorriso de boneco inchado, acreditando que gerava empatia. “Conto-te isto porque tenho confiança contigo. Vamos fazer grandes mudanças no jornal. Vamo-nos expandir acoplando um canal de televisão, um sistema unificado de internet, juntaremos à imprensa escrita o audiovisual. Seremos grandes!”. Ah... contestou Jacinto sem chegar a compreender, “E por isso, os proprietários querem que sejamos nós a poupar. Não te enxergas?”
É dificil escrever sobre temas de Emprego sem disparatar, quando o próprio está totalmente desvalorizado. Jacinto nunca regressou, porém as páginas preenchidas com colaborações a 40 euros por artigo num dos periódicos mais lidos de Espanha continuam repletos de nomes de colaboradores.
A história de Jacinto não é uma anedota. Traça o terrivel panorama dos novos meios de comunicação. Assim se paga e assim se escreve. Desde há alguns anos cada um dos novos Media que saem à rua, os gratuitos e os não gratuitos, lutam para ver quem paga pior. E a qualidade do que se produz é directamente proporcional”.
(fonte)
relacionado:
“A Europa do Capital - Transformações do Trabalho e Competição Global”
Luciano Vasapollo
Gustave Caillebotte, 1875 - Musée D´Orsay, Paris
Sem comentários:
Enviar um comentário