Pesquisar neste blogue

segunda-feira, setembro 24, 2007

Parque Mayer, Propriedade Imobiliária, Capital Financeiro e Cultura

Se Deus existisse, e providenciasse pôr os habitantes da Grande Lisboa previamente a salvo, do que a actual Cidade precisava mesmo era de um terramoto. Existe outro problema grave para a convocação dos deuses à resolução democrática e participativa da vivência na Cidade: é que nos tempos que correm por aqui vagueia apenas um Cândido para cada 50 mil Panglosses.

Do jornal “Público”: “Todos os planos até agora gizados para o Parque Mayer podem simplesmente não se concretizar, ou só ver a luz do dia daqui a muitos anos. Basta para isso que as autoridades que estão a investigar a permuta deste recinto pelo da Feira Popular com o grupo Bragaparques decidam anular o negócio e o Parque Mayer regressa às mãos destes privados. Nesse caso poderão ter de cumprir o que a Câmara decidir que são os novos usos deste espaço – mas é mais do que certo que não o farão de livre vontade e que o recurso para tribunal serão mais que muitos”. O colunista esquece-se que as condições em que o recinto foi parar às mãos da Bragaparques no tempo de João Soares podem também elas ser investigadas (como tantos outros casos) e, em nome do interesse público, a Câmara pode expropriá-lo a custos correntes, arvorar-se em Entidade Promotora e supervisionar ela própria a execução do projecto, um pouco à imagem da acção levada a cabo na Expo98. Trata-se novamente de um projecto essencial para revitalizar o coração da cidade e existe legislação aprovada recentemente que privilegia este tipo de empreendimentos, sendo eles de declarado interesse nacional.

Do principio de terramoto que se abateu por Lisboa, primeiro com o keynesianismo industrial que expulsou a população nativa para os subúrbios, depois com a falência do neoliberalismo pós-industrial, a face que é hoje mais visivel é a da Corrupção, caso sobre o qual ainda não foram tomadas quaisquer medidas. Esse e o facto de ter sido eleito para a governança da Cidade um delegado do Governo central inquina a transparência com que as decisões possam vir a ser tomadas. Decerto que não serão evitadas as tentações de continuar, à semelhança do que é feito em prol das grandes multinacionais no país, a entregar por valores irrisórios aos representantes privados do capital monopolista, vastos sectores nobres do património histórico e cultural.

O planeamento estratégico do território e o urbanismo são indispensáveis para garantir um Desenvolvimento Sustentável, hoje entendido como a gestão prudente do espaço comum, que é um recurso crítico, de oferta limitada e com procura crescente nos locais onde se concentra a civilização.” in Concelho Europeu de Urbanistas, “A Nova Carta de Atenas 2003 – a Visão do Concelho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Séc.XXI.

O que vier a ser feito no Parque Mayer não deve ser dissociável de um projecto global para a cidade; se é que ele existe. De qualque modo, o Parque Mayer não poderá ser outra coisa senão a porta nobre de entrada para o Jardim Botânico (livre de silos para automóveis e outras alucinações que já chegaram a ser equacionadas). Eis alguns tópicos para a definição das linhas sócio-culturais que deviam presidir à tomada de decisões neste tipo de caso.

1. Lisboa como Capital do país que agora invoca termos sido os primeiros a iniciar a globalização, não tem um grande Museu das Descobertas. O espaço natural, mais nobre, onde poderia ser criado seria a extensão a partir das obras inacabadas do Palácio da Ajuda.
2. O Museu da Cidade, no Campo Grande, está instalado no Palácio Pimenta em condições obsoletas. Deveria constituir o pólo central de atracção justamente do novo Parque Mayer, tendo como ponto de partida o edifício degradado do Teatro Capitólio, um dos ícones do nosso movimento modernista. Em redor deste polo cultural gravitariam espaços comerciais temáticos sobre as tradições locais e regionais, esplanadas e tabernas com fado vadio, um anfiteatro ao ar livre para a realização de espectáculos de rua, etc. (enfim, um ar de feira da nossa cultura com as mesmas barraquinhas à imagem do antigo recinto e não apenas “teatros de revista” com mensagens popularuchas, imbecis e retrógadas). Um sitio que apele igualmente na criação de uma massa de visitantes, tanto de turistas de classe média alta, quanto solicite o desejo de regresso à vivência na cidade da imensa população das classes médias "desterradas" nos subúrbios.
3. Agora que se fala na instalação permanente de uma secção do Museu Hermitage em Lisboa, ele seria construído em redor dessas instalações devolutas no Campo Grande em articulação com o projecto para a nova urbanização do Sporting, num projecto de conjunto que, criando uma nova e moderna centralidade, reconvertesse aquela zona completamente incaracterística, que funciona sem vida própria apenas como placa giratória de utentes em trânsito para os transportes.
Claro que existem outras decisões a outros níveis sobre a cidade que não cabem aqui agora equacionar:
4. É absolutamente retrógrado que não exista uma Entidade Metropolitana Central de Transportes. Que não seja aproveitada a ideia do arquitecto João Tudela da criação de um interface ligando a linha de Sintra à rede do Metro no Largo do Rato. Que a localização do novo aeroporto não seja definida em função do aproveitamento das instalações da base aérea do Montijo. Que se façam novas pontes para automóveis. Que se pense o TGV para além da ligação imediata Lisboa-Madrid
.

Sem comentários: